Crise no bunker
O convite para um café da manhã na Câmara de Dirigentes Lojistas de Uruguaiana foi feito de véspera ao general Hamilton Mourão, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro. Era terça-feira. Mourão visitava Alegrete quando empresários da cidade vizinha, um dos bastiões do bolsonarismo na fronteira com a Argentina, decidiram de última hora organizar um encontro para ouvi-lo. O evento começou às 7h30 da manhã seguinte. Por volta das 10 horas, já perto do fim da palestra de Mourão, veio a pergunta de um dos presentes: “General, se eleito for, o senhor e o presidente Bolsonaro pretendem manter na íntegra as leis trabalhistas?”. A resposta: “Temos umas jabuticabas que a gente sabe que são uma mochila nas costas de todo empresário. Jabuticabas brasileiras, o décimo-terceiro salário. Se a gente arrecada 12, como pagamos 13? É complicado. E é o único lugar onde a pessoa sai de férias e ganha mais. É aqui no Brasil”.
Um dia depois, o vídeo em que o general aparece com o discurso eleitoralmente antipático viralizou. Do hospital, onde se recupera do atentado a faca que sofreu no último dia 6, o próprio Bolsonaro tratou de desautorizá-lo. A resposta, pelas redes sociais, acusava o general de desconhecer a Constituição. “O 13° salário do trabalhador está previsto no art. 7° da Constituição em capítulo das cláusulas pétreas (não passível de ser suprimido sequer por proposta de emenda à Constituição). Criticá-lo, além de uma ofensa a quem trabalha, confessa desconhecer a Constituição”, disparou Bolsonaro.
Era fogo amigo contra fogo amigo, mas não havia muito mais o que ser feito. Ao colocar em xeque uma das garantias constitucionais trabalhistas do país, o vice abriu a brecha para que os adversários da chapa imediatamente começassem a explorar o assunto. A campanha de Geraldo Alckmin, do PSDB, enxergou a declaração do general como um sopro de esperança para tentar levar o tucano ao segundo turno. Não só distribuiu o vídeo para os jornalistas como trabalhou para incluí-lo no horário eleitoral gratuito ainda na noite de quinta-feira. O lema: “Para você não ficar sem 13° nem dar PT, vote Alckmin”. O assunto foi explorado pelo próprio candidato, que disse não ser possível “achar que o trabalhador que sua a camisa, que trabalha e às vezes é explorado, não tem direito (ao benefício)”. Fernando Haddad, do PT, se juntou ao coro oportunista. ”É uma linha de que o trabalhador é que tem que pagar a conta e não o capital”, afirmou o petista.
O próprio Mourão já estava na geladeira após sucessivas declarações polêmicas. Antes de falar sobre o 13º salário, ele havia defendido, por exemplo, uma nova Constituição feita por uma comissão de notáveis, sem uma Assembleia Constituinte. Para piorar, disputou protagonismo com o próprio Bolsonaro após o atentado. Sem consultar ninguém, questionou o Tribunal Superior Eleitoral se poderia participar dos debates eleitorais no lugar do candidato. Após o episódio do 13º, a campanha de Bolsonaro decidiu retirá-lo de toda e qualquer agenda pública até o primeiro turno. “Estou mais acostumado a dar tiros nos outros, não a levar tiros”, afirmou Mourão em conversa com o repórter Eduardo Barretto, de Crusoé, nos instantes que se seguiram à crise provocada pela palestra em Uruguaiana.
A decisão de Bolsonaro de afastá-lo dos holofotes é semelhante à que valeu para o economista Paulo Guedes, o guru econômico da campanha. Guedes foi obrigado a submergir após ter defendido em uma reunião fechada com investidores medidas impopulares como a volta da CPMF, um tributo que incide sobre movimentações financeiras, em substituição a quase todos os outros impostos federais, e uma alíquota única para o Imposto de Renda. As propostas nunca haviam sido apresentadas a Bolsonaro, que correu para rejeitá-las. Após seus planos serem tornados públicos, o economista foi enquadrado. Ele já vinha evitando a imprensa desde a publicação, dias antes, de uma reportagem de Crusoé que revelou a sentença de um juiz federal do Rio de Janeiro que o apontou como beneficiário de uma fraude na Bolsa de Valores. O “Posto Ipiranga” de Bolsonaro cancelou uma série de sabatinas e debates.
Na reta final, questões internas do partido também vêm atrapalhando. Nesta semana, Gustavo Bebianno afastou a secretária-geral do PSL em São Paulo, Letícia Catel. A menos de duas semanas da eleição, o partido abriu uma guerra interna em seu diretório no maior colégio eleitoral do país. O motivo não foi revelado publicamente, mas, nos bastidores, aliados dizem que ela vinha se envolvendo em áreas que não eram de sua competência – e isso teria desagradado Bebianno. O PSL de São Paulo, vale lembrar, tem entre suas lideranças o príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança, que foi cotado como possível vice de Bolsonaro. Em entrevista a Crusoé há duas semanas, Luiz Philippe disse que Bebianno agia como um “agiota” nas tratativas para escolher quem seria o companheiro de chapa de Bolsonaro. Bebbiano respondeu afirmando Luiz Philippe era um príncipe de “meia-tigela”.
A principal liderança paulista do PSL, o deputado federal e candidato ao Senado Major Olímpio, que integra o núcleo político da campanha, diz que um modelo mais amador foi idealizado pelo próprio Bolsonaro. “Nós fugimos do perfil tradicional e das estratégias de marketing. Há carências de recursos e o próprio candidato rejeita um marqueteiro. Acaba que a campanha é focada toda na imagem e nas ideias do Bolsonaro”, afirma. Ele admite que “muitas vezes há declarações deslumbradas e demonstrações de força”. Mas diz que “esses bate-cabeças são naturais”. É fato que o formato vem dando certo até agora. Bolsonaro lidera todas as pesquisas e seu eleitor é dos mais convictos. O jogo, contudo, ainda não está encerrado.
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