Adriano Machado/Crusoé

Crise no bunker

Declaração do vice Hamilton Mourão provoca turbulência na campanha de Jair Bolsonaro a pouco mais de uma semana da eleição
28.09.18

O convite para um café da manhã na Câmara de Dirigentes Lojistas de Uruguaiana foi feito de véspera ao general Hamilton Mourão, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro. Era terça-feira. Mourão visitava Alegrete quando empresários da cidade vizinha, um dos bastiões do bolsonarismo na fronteira com a Argentina, decidiram de última hora organizar um encontro para ouvi-lo. O evento começou às 7h30 da manhã seguinte. Por volta das 10 horas, já perto do fim da palestra de Mourão, veio a pergunta de um dos presentes: “General, se eleito for, o senhor e o presidente Bolsonaro pretendem manter na íntegra as leis trabalhistas?”. A resposta: “Temos umas jabuticabas que a gente sabe que são uma mochila nas costas de todo empresário. Jabuticabas brasileiras, o décimo-terceiro salário. Se a gente arrecada 12, como pagamos 13? É complicado. E é o único lugar onde a pessoa sai de férias e ganha mais. É aqui no Brasil”.
Um dia depois, o vídeo em que o general aparece com o discurso eleitoralmente antipático viralizou. Do hospital, onde se recupera do atentado a faca que sofreu no último dia 6, o próprio Bolsonaro tratou de desautorizá-lo. A resposta, pelas redes sociais, acusava o general de desconhecer a Constituição. “O 13° salário do trabalhador está previsto no art. 7° da Constituição em capítulo das cláusulas pétreas (não passível de ser suprimido sequer por proposta de emenda à Constituição). Criticá-lo, além de uma ofensa a quem trabalha, confessa desconhecer a Constituição”, disparou Bolsonaro.

Era fogo amigo contra fogo amigo, mas não havia muito mais o que ser feito. Ao colocar em xeque uma das garantias constitucionais trabalhistas do país, o vice abriu a brecha para que os adversários da chapa imediatamente começassem a explorar o assunto. A campanha de Geraldo Alckmin, do PSDB, enxergou a declaração do general como um sopro de esperança para tentar levar o tucano ao segundo turno. Não só distribuiu o vídeo para os jornalistas como trabalhou para incluí-lo no horário eleitoral gratuito ainda na noite de quinta-feira. O lema: “Para você não ficar sem 13° nem dar PT, vote Alckmin”. O assunto foi explorado pelo próprio candidato, que disse não ser possível “achar que o trabalhador que sua a camisa, que trabalha e às vezes é explorado, não tem direito (ao benefício)”. Fernando Haddad, do PT, se juntou ao coro oportunista. ”É uma linha de que o trabalhador é que tem que pagar a conta e não o capital”, afirmou o petista.

Renato S. Cerqueira/Futura Press/FolhapressRenato S. Cerqueira/Futura Press/FolhapressO general Mourão: nesta quinta, ele recebeu ordens para submergir
A dez dias do primeiro turno, Mourão voltava a colocar Bolsonaro em mais uma agenda negativa, e a expor as fragilidades de uma campanha que desde o início optou pelo amadorismo. Não há marqueteiros, não há estrategistas, não há responsáveis pela comunicação, não há um discurso organizado. Chega a ser irônico que não haja hierarquia e disciplina em uma chapa formada por militares. O resultado são crises constantes provocadas justamente por quem deveria afastá-las da campanha.

O próprio Mourão já estava na geladeira após sucessivas declarações polêmicas.  Antes de falar sobre o 13º salário, ele havia defendido, por exemplo, uma nova Constituição feita por uma comissão de notáveis, sem uma Assembleia Constituinte. Para piorar, disputou protagonismo com o próprio Bolsonaro após o atentado. Sem consultar ninguém, questionou o Tribunal Superior Eleitoral se poderia participar dos debates eleitorais no lugar do candidato. Após o episódio do 13º, a campanha de Bolsonaro decidiu retirá-lo de toda e qualquer agenda pública até o primeiro turno. “Estou mais acostumado a dar tiros nos outros, não a levar tiros”, afirmou Mourão em conversa com o repórter Eduardo Barretto, de Crusoé, nos instantes que se seguiram à crise provocada pela palestra em Uruguaiana.

A decisão de Bolsonaro de afastá-lo dos holofotes é semelhante à que valeu para o economista Paulo Guedes, o guru econômico da campanha. Guedes foi obrigado a submergir após ter defendido em uma reunião fechada com investidores medidas impopulares como a volta da CPMF, um tributo que incide sobre movimentações financeiras, em substituição a quase todos os outros impostos federais, e uma alíquota única para o Imposto de Renda. As propostas nunca haviam sido apresentadas a Bolsonaro, que correu para rejeitá-las. Após seus planos serem tornados públicos, o economista foi enquadrado. Ele já vinha evitando a imprensa desde a publicação, dias antes, de uma reportagem de Crusoé que revelou a sentença de um juiz federal do Rio de Janeiro que o apontou como beneficiário de uma fraude na Bolsa de Valores. O “Posto Ipiranga” de Bolsonaro cancelou uma série de sabatinas e debates.

Silvia Costanti/ValorSilvia Costanti/ValorPaulo Guedes, o “Posto Ipiranga” de Bolsonaro, já havia criado embaraços para a campanha
As trapalhadas podem ser determinantes nesta reta final da campanha. É justamente agora que a maioria dos eleitores decide seu voto e, evidentemente, falar em criação de um tributo, mesmo que seja racional, e criticar o 13º salário têm grande potencial destrutivo. Mas uma questão maior, porém, emerge desses episódios. Se há um nítido despreparo do grupo político de Bolsonaro para tocar uma campanha presidencial, como ele conseguiria conduzir um país como o Brasil? Hoje, o núcleo-duro do comitê é comandado pelo advogado carioca Gustavo Bebianno, um novato na política, alçado não faz muito tempo ao posto de presidente do PSL. A forma como Bebianno cercou Bolsonaro e se colocou como o chefão da campanha causou uma cisão interna. Militares com relação próxima a Bolsonaro, como o general Augusto Heleno Ribeiro, acabaram afastados das principais decisões. Bebianno e Heleno hoje nem sequer se falam. Indagado na quinta-feira sobre a estratégia bolsonarista para um eventual segundo turno, o general declarou: “Não sei o que estão pensando. Não tenho ingerência nessa área”.

Na reta final, questões internas do partido também vêm atrapalhando. Nesta semana, Gustavo Bebianno afastou a secretária-geral do PSL em São Paulo, Letícia Catel. A menos de duas semanas da eleição, o partido abriu uma guerra interna em seu diretório no maior colégio eleitoral do país. O motivo não foi revelado publicamente, mas, nos bastidores, aliados dizem que ela vinha se envolvendo em áreas que não eram de sua competência – e isso teria desagradado Bebianno. O PSL de São Paulo, vale lembrar, tem entre suas lideranças o príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança, que foi cotado como possível vice de Bolsonaro. Em entrevista a Crusoé há duas semanas, Luiz Philippe disse que Bebianno agia como um “agiota” nas tratativas para escolher quem seria o companheiro de chapa de Bolsonaro. Bebbiano respondeu afirmando Luiz Philippe era um príncipe de “meia-tigela”.

A principal liderança paulista do PSL, o deputado federal e candidato ao Senado Major Olímpio, que integra o núcleo político da campanha, diz que um modelo mais amador foi idealizado pelo próprio Bolsonaro. “Nós fugimos do perfil tradicional e das estratégias de marketing. Há carências de recursos e o próprio candidato rejeita um marqueteiro. Acaba que a campanha é focada toda na imagem e nas ideias do Bolsonaro”, afirma. Ele admite que “muitas vezes há declarações deslumbradas e demonstrações de força”. Mas diz que “esses bate-cabeças são naturais”. É fato que o formato vem dando certo até agora. Bolsonaro lidera todas as pesquisas e seu eleitor é dos mais convictos. O jogo, contudo, ainda não está encerrado.

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