Marcos Corrêa/PR

Valorize o poder do voto

30.12.21
JUAN GUAIDÓ

Participei da Cúpula pela Democracia, representando todos os países do mundo que padecem das mais cruéis ditaduras. Naquela oportunidade, 110 líderes de todo o mundo nos reunimos para levantar nossa voz e alertar sobre o avanço do autoritarismo, cooperar na luta contra a corrupção e promover a defesa dos direitos humanos.

Em minha condição de presidente encarregado, ajudei a dar voz ao anseio do povo venezuelano de recuperar o que já fomos um dia: uma das democracias mais estáveis da região e uma das economias mais pujantes do continente.

Na Venezuela, estamos lutando contra uma das piores ditaduras da história da América Latina. Iniciada por Hugo Chávez e aprofundada por Nicolás Maduro, essa ditadura tem gerado a segunda maior crise migratória do mundo, superada apenas pela da Síria, ao expulsar 6 milhões de venezuelanos de nossas fronteiras e empurrar 95% de nossa população para a pobreza.

Para 2022, estima-se que 8,9 milhões de venezuelanos deixarão a nossa terra. É mais do que a população do Rio de Janeiro, de Brasília ou de Belo Horizonte. Enquanto a ditadura seguir no poder, o êxodo só aumentará.

A origem de nossa tragédia está na queda da democracia. A causa do governo encarregado que presido é clara: lutar por eleições presidenciais livres, justas e verificáveis, de modo que possamos recuperar as bases democráticas.

Para termos êxito nesse objetivo, o apoio da comunidade internacional e do governo brasileiro é indispensável. Calcula-se que existam mais de 260.000 migrantes venezuelanos hoje no Brasil. São compatriotas que fugiram da fome, da miséria e da falta de oportunidades. Cada um deles é testemunha viva de nossa tragédia.

O apoio do governo brasileiro à causa da democracia na Venezuela obedece também a importantes razões de segurança. Nossos países dividem 2.199 quilômetros de fronteira comum. Do lado venezuelano, esse território é a base das operações de mineração ilegal do chamado Ecocídio do  Arco Mineiro, rota para o narcotráfico e santuário de grupos como as dissidências das Farc, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, e o ELN, o Exército de Libertação Nacional da Colômbia. Enquanto a ditadura de Maduro estiver no poder, o povo brasileiro não estará seguro em casa.

Como apoiar, porém, a recuperação da democracia na Venezuela? A resposta: respaldando a continuidade constitucional do governo encarregado em 2022. Nossa Constituição, violada e ignorada pela ditadura, é clara: na ausência de presidente legitimamente eleito, o presidente encarregado deve ser mantido nas suas funções até que ocorram eleições livres. Defender a continuidade do governo encarregado é defender a vigência da Constituição.

A ditadura nos tem roubado a possibilidade de votar livremente e escolher os nossos governantes. Como são uma minoria rechaçada e repudiada, seus integrantes sabem que, se a maioria do povo venezuelano tiver oportunidade de se expressar, ela escolherá a liberdade e os expulsará do poder.

Quando perdemos o direito de votar, compreendemos melhor a importância de eleições livres. Aos povos que ainda gozam da possibilidade de votar livremente, nós, venezuelanos, queremos enviar uma mensagem de alerta. Em 2022, a região tem dois compromissos importantes: as eleições presidenciais no Brasil e na Colômbia. Essas decisões definirão as próximas décadas. O chamado para nossos irmãos brasileiros e colombianos é para que, independentemente de quem serão os ganhadores dos pleitos, cobrem de seus governos a necessidade de apoiar a democracia na Venezuela.

Eleger governos que, por simpatia ideológica ou interesses pessoais, não estejam comprometidos a apoiar a liberdade na Venezuela aprofundará a situação de emergência humanitária completa em nosso país, o que levará a uma maior pressão nos sistemas de assistência social dos países irmãos que tão solidariamente têm recebido os nossos migrantes.

Respaldar a causa da democracia na Venezuela significa apoiar a causa dos direitos humanos. Hoje, Maduro é o primeiro ditador da história de nosso continente a ser investigado na Corte Penal Internacional por crimes contra a humanidade. A razão: sequestrar as instituições, acabar com o Estado de Direito e perseguir, torturar, exilar e assassinar dissidentes políticos, para se manter no poder. Sem respeito aos direitos humanos, não pode haver democracia. Apoiar a nossa luta é também  lutar pelo fortalecimento da democracia em toda a região.

Em nível global, a democracia não vive seu melhor momento. Vivemos uma era em que a democracia tem perdido terreno frente ao autoritarismo. A América Latina não escapa dessa realidade. Líderes populistas se aproveitam da insatisfação dos cidadãos e de suas demandas por mais qualidade de vida para oferecer utópicos paraísos na Terra, atentar contra as instituições e desmontar a democracia.

No século XX, a democracia se desmontava a partir de um disparo. Neste século, o processo é gradual, lento e por etapas. Curiosamente, os novos ditadores usam os mecanismos da democracia para chegar ao poder e destruí-la por dentro. Nicolás Maduro, na Venezuela, e Daniel Ortega, na Nicarágua, são dois exemplos.

Diante do avanço do autoritarismo, devemos fortalecer a democracia como marco para executar políticas públicas eficientes, eficazes e inclusivas. Se quisermos ter melhores serviços públicos, mais oportunidades para progredir e maior qualidade de vida, a resposta deve ser mais e melhor democracia.

Na cúpula, fiz cinco propostas concretas a esse respeito: construir uma frente única, com enfoque multilateral, que responsabilize os autocratas; criar mecanismos para proteger as forças democráticas e os ativistas de direitos humanos que estão em campo; priorizar a prestação de contas, a justiça e a reconciliação para construir paz duradoura; comprometer-se com uma solução política inclusiva e negociada no caso da Venezuela; e apoiar os estados que recebem refugiados e migrantes.

A luta pela democracia, contudo, não tem como inimigos somente os ditadores regionais, mas também seus aliados internacionais. Os regimes totalitários são os principais interessados em que os latino-americanos não recuperem suas liberdades e sua soberania. Eles fornecem apoio político, financeiro, know-how e segurança para as ditaduras de Venezuela, Cuba e Nicarágua. O objetivo é fazer da nossa região uma base de operações para seus negócios ilícitos, além de atacar os valores da democracia, da liberdade, da inclusão e do pluralismo representados pelo Ocidente.

Nós, irmãos latino-americanos, não podemos ser ingênuos. A luta contra o autoritarismo é uma batalha global que não se dá apenas nas ruas de Caracas, de Havana ou de Manágua, mas também em campanhas políticas em Brasília, Bogotá ou Santiago. As ditaduras se mantêm no poder porque se apoiam entre si. É hora de as democracias avançarem no sentido de fazer uma defesa mais decidida, firme e ativa dos valores que elas representam.

Dizem que os “bad guys” estão ganhando. Mas eu estou convencido de que os “good guys” somos a maioria. A exigência de eleições presidenciais livres, justas e verificáveis na Venezuela é um primeiro passo para recuperar a democracia em nosso país, derrotar o autoritarismo global e alcançar um continente mais seguro, estável e próspero.

Juan Guaidó é presidente interino da Venezuela, reconhecido por dezenas de países, entre eles o Brasil.

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