RuyGoiaba

Saudades do ópio do povo

17.12.21

Ando sonhando com futebol mais do que o normal. Raramente me lembro do que sonho, mas outro dia mesmo a seleção brasileira tinha acabado de ganhar a Copa e eu estava na correria para escrever para a Crusoé um texto com o título “Rumual ékissa” — qual não foi minha tristeza, amigos, ao acordar e perceber que a Copa ainda estava a um ano de distância, o Brasil não tinha vencido e, o pior de tudo, a coluna não tinha sido escrita. Dias atrás sonhei com Cafu, o capitão de 2002, fazendo uma propaganda em que dizia “venha estudar na Cafudade, a faculdade do Cafu!”. Quando até seu inconsciente é um tiozão do pavê, você sabe que não tem salvação (Paul McCartney sonhava com a melodia de “Yesterday”, eu sonho com a Cafudade: cada um com seu dom especial).

Tentei bancar o Sigmund Freud de mim mesmo e analisar esse sonho recorrente. A explicação mais fácil — e talvez menos psicanalítica — é que no mundo não onírico meu time, o glorioso São Paulo FC, só tem provocado pesadelos. Mas logo cheguei à conclusão, também evidente, de que está cada vez mais difícil acordar e continuar cercado de Brasil por todos os lados. A sensação diária de derrota só piora se sua profissão exige que você não se aliene totalmente das notícias.

Confira comigo no replay: o cidadão brasileiro se levanta da cama e, antes mesmo de tomar a dose de café que lhe permitirá um mínimo de interação com outros seres humanos, descobre que o idiota do Planalto divulgou MAIS um vídeo antivacina. Que o cretino do Ministério das Comunicações publicou um “cálculo” daquela rádio chapa-branca mostrando que a “variação” da inflação no Bananão foi menor que nos EUA e na Europa (sim: de 0,1 para 0,4 a diferença é de 300%, e afinal inflação de dois dígitos é uma delícia mesmo). Que o demente da Caixa fez os executivos do banco “pagarem flexões” em um evento. É uma overdose diária de idiotices, um Dia da Marmota from hell — que muito em breve deve incluir o terrivelmente evangélico do STF falando em línguas durante as sessões (eine grosse Konfusion, como diria aquele outro ministro exemplar).

E aqui voltamos ao futebol: acho sintomático que seja mais fácil lembrar a escalação dos 11 do STF que a dos 11 da seleção. Pode ser que as torcidas de Palmeiras e Atlético-MG, campeões recentes, discordem —com boas razões—, mas o futebol brasileiro já foi muito melhor na sua função de “ópio do povo”, manobra diversionista, escapismo. Aliás, costumava ser bem melhor que o país, mesmo naquelas épocas em que os brasileiros chegaram a achar (por cerca de cinco segundos) que havia alguma chance de o Bananão dar certo. No fundo, era otimismo demais esperar que o esporte resistisse à desorganização e ao subdesenvolvimento que é obra de séculos aqui: hoje assistimos ao pé de obra brasileiro na Premier League e somos eliminados da Copa assim que topamos com o primeiro Time Europeu Melhorzinho. Isso quando não tomamos de 7 a 1.

Sim, pode ser que meu estado de espírito mude quando o São Paulo voltar a ganhar alguma coisa. Por enquanto, as alegrias oferecidas pelo futebol têm sido extracampo: coisas como o palmeirense Jair Bolsonaro anunciando sua torcida pelo Flamengo na final da Libertadores e afundando o time, ou Luciano Hang levando um banho de cerveja da torcida do Athletico-PR na decisão da Copa do Brasil (desperdício de cerveja, pensando bem). Já que o Bananão não deve sair do atoleiro nos próximos séculos, torço para que algum milionário com vocação para mecenas esteja me lendo e convença o Cafu a investir na Cafudade — e me dê participação nos lucros, já que o copyright do sonho é meu. Não é direito autoral de “Yesterday”, mas já me permitirá ser um tiozão do pavê monetizado.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Marcia Tiburi, que o PT achou que seria um bom nome para disputar o governo do Rio em 2018, deve ser um cavalo de Troia da direita para desmoralizar a esquerda. É impossível ser mais caricatural que a filósofa, que do seu “exílio” na França celebrou Lula “unindo a América Latina (ou Abya Yala, como preferimos nós, avessos a essas héterodenominações [sic] patriarcais europeias e capitalistas)”. Agora, sim, os povos originários oprimidos — incluindo os índios brasileiros, que nada têm a ver com o peixe — vão se unir e adotar o nome dado por um grupo indígena do Panamá à região, só para deixar contente a tribo dos esquerdistas chiques. Resta saber se o novo hino latino-americano (perdão, abyayalano) será “ô, abya yala que eu quero passar” ou “abya yalando o tchan aí”.

O meme do “rumual ékissa”, que deve continuar válido no Brasil por muitos anos

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