Raysa Leite/FolhapressO atentado a Bolsonaro:

Uma facada na democracia

A degradação do ambiente político do país chega a seu ápice: Jair Bolsonaro, candidato à Presidência da República pelo PSL, é esfaqueado durante um evento de campanha na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais
07.09.18

O relógio se aproximava das 16 horas quando o sorridente Jair Messias Bolsonaro, líder das pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República, era carregado nas costas por simpatizantes no calçadão da rua Halfeld, tradicional ponto de campanhas eleitorais no centro da cidade mineira Juiz de Fora. Vestindo uma camiseta amarela onde se lia em verde a inscrição “Meu partido é o Brasil”, o candidato seguia para um comício a poucos metros dali. Ele acenava ao público que, dos prédios ao redor, observava o movimento quando, subitamente, uma faca de cozinha atingiu seu abdômen. Em poucos minutos as imagens captadas por dezenas de smartphones ganhariam as redes, revelando o drama por diferentes ângulos. Bolsonaro grita, curva o corpo para a frente e junta as duas mãos sobre a barriga. Seus seguidores de pronto providenciam um pedaço de pano para cobrir o ferimento e se apressam para levá-lo até uma viatura da polícia que o transportaria para o hospital mais próximo, a Santa Casa de Misericórdia da cidade. O agressor, Adélio Bispo de Oliveira, um ex-filiado do PSOL que na internet desferia ataques ao candidato e a outros políticos, foi logo cercado – e agredido pelos militantes antes de ser preso. Em uma das mais acirradas campanhas eleitorais de todos os tempos, a democracia acabara de ser ferida. A 31 dias da eleição, estava consumado o mais grave atentado a um candidato a presidente na história do país.

Bolsonaro chegou ao hospital em choque, correndo risco de morrer. Foi levado direto para o centro de exames de imagem. Uma tomografia constatou que a perfuração havia atingido seu intestino grosso e causado, ainda, três lesões no intestino delgado, o que obrigou a equipe médica a transferi-lo imediatamente para o centro cirúrgico. A artéria mesentérica, que irriga o sistema gastrointestinal, também havia sido atingida, o que provocou abundante hemorragia. O candidato precisou de uma transfusão de dois litros de sangue. Depois, numa cirurgia que durou quatro horas, seu quadro de saúde foi estabilizado. As lesões internas foram tratadas. A hemorragia, contida. Depois dos procedimentos, com o abdômen aberto, os médicos anunciaram que Bolsonaro encontrava-se “estável” e “sem risco iminente de morte”. Havia expectativa de o candidato ser transferido, nas horas seguintes, para o Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Mas, já no fim da noite, um novo boletim informou que, àquela altura, Bolsonaro não tinha “estabilidade hemodinâmica” suficiente para permitir a transferência e que uma nova avaliação médica seria feita pela manhã. Três médicos do Sírio viajaram a Juiz de Fora para acompanhar o caso. Crusoé atualizará, com notas no Diário, as informações sobre o estado de saúde de Bolsonaro.

Fábio Motta/Estadão ConteúdoFábio Motta/Estadão ConteúdoO candidato é socorrido: lesões no intestino e hemorragia interna
O modelo de campanha adotado por Bolsonaro ajudou na consecução do atentado. Entre os candidatos ao Planalto, ele é dos poucos a fazer o corpo a corpo com eleitores, sempre em meio a multidões e em ritmo alucinante. Para além da proteção dos policiais federais que fazem a segurança dos presidenciáveis, ele sempre contou com o auxílio de alguns seguidores, também policiais, que fazem as vezes de guarda-costas. Em Juiz de Fora, não foi diferente. Horas antes do atentado, em outro ato de campanha na cidade, ele foi visitar um hospital público. Houve problemas desde a chegada. A entrada estava bloqueada por apoiadores que queriam vê-lo. Seguiu-se um tumulto com pacientes. Logo depois, ao chegar a um hotel para almoçar com 600 empresários e lideranças da região, houve nova confusão, agora entre seguranças – os contratados para o evento e os que cuidam de Bolsonaro. O presidente do PSL e coordenador da campanha, Gustavo Bebianno, chegou a ser barrado na entrada. Bolsonaro fez um breve discurso e se retirou. Estava rouco e não se sentia bem. Dali ele partiria para a agenda seguinte, aquela que, pelo inédito ato de violência, marcaria indelevelmente a corrida presidencial deste ano.

A despeito de não haver informes de inteligência da Polícia Federal sobre ameaças concretas nem relatos do próprio candidato sobre ameaças, em reuniões nas últimas semanas o staff de Bolsonaro chegou a discutir com ele os riscos de fazer campanha em lugares públicos e com muita gente. Coube ao general Augusto Heleno Ribeiro, um dos mais influentes auxiliares do candidato, fazer a advertência. “Alertei que o pior atentado era esse com faca. O revólver você percebe mais fácil, você tem que sacar e apontar para o seu alvo. A faca o cara pode esconder na manga da blusa e tirar já em cima do alvo”, contou Heleno a Crusoé. O general reformado diz que a preocupação com a segurança do presidenciável também cresceu na medida em que se tornaram mais intensos os ataques dos adversários nas redes sociais e na propaganda eleitoral no rádio e na TV: “Era natural diante da campanha que estava sendo feita contra ele, na base do ódio, da pregação de que ele era um inimigo do Brasil”.

ReproduçãoReproduçãoAdélio Bispo de Oliveira, filiado ao PSOL de 2007 a 2014, foi preso em flagrante
Aliados dizem que, embora o comitê de Bolsonaro não tivesse conhecimento de ameaças reais, Bolsonaro tentava precaver-se na medida do possível. “Ele sempre foi um cara muito preocupado com esse tipo de coisa. Botava o pessoal em volta dele”, afirmou o deputado federal Alberto Fraga, candidato a governador do Distrito Federal pelo DEM e um dos parlamentares mais próximos do ex-capitão do Exército. Embora tomasse alguns cuidados, Bolsonaro não gostava de usar colete à prova de balas. Em alguns eventos, ele até cedeu e usou. Mas, frequentemente, resistia à ideia. “Às vezes, colocava o colete pressionado pelo pessoal que acompanha as agendas. Mas evitava. O colete é muito pesado e imagine usar isso em um local que faz calor”, diz o general Heleno.

Adélio Bispo de Oliveira, o autor do atentado, tem 40 anos, trabalha na construção civil e vivia em Montes Clarinhos, cidade distante 1.000 quilômetros do lugar em que ele perpetrou o ataque. Há dez dias ele havia chegado a Juiz de Fora, onde estava morando em uma pensão. Seu perfil nas redes sociais, que já está sendo vasculhado com lupa pelos investigadores, é um tanto confuso. Evoca, por exemplo, o “prazer no triunfo da Justiça”. Tempos atrás, ele escreveu: “Não Inporta Em Que Partido Tu Militas, Nem A Ideôlogia Que Acreditas Ou Fè Que Tu Praticas, Se Você Tens Prazer No Triunfo Da Justiça Então Somos Irmãos!!! [sic]”. De acordo com os registros do TSE, ele está com o título de eleitor cancelado e, atualmente, não é filiado a nenhum partido. A inscrição pretérita no PSOL se deu em Uberaba, no Triângulo Mineiro. Ele manteve a filiação ao partido de 2007 a 2014.

ReproduçãoReproduçãoA arma: a faca de cozinha com lâmina de mais de 20 centímetros foi apreendida
O perfil revela ainda uma pessoa solitária. Em suas publicações, há pouca ou nenhuma interação com amigos. Nas fotos, Adélio está sempre sozinho. Quando aparece acompanhado, é em eventos públicos. Alguns de seus posts trazem críticas a Jair Bolsonaro, embora o presidenciável não seja seu único alvo. Junto a um foto do candidato do PSL, ele registrou que tinha “nojo só de ouvir, que dizer [sic] que a ditadura deveria ter matado pelo menos uns 30 mil comunistas”. Em outra publicação, criticou os apoiadores de Bolsonaro, comparando-os a alguém que tem fezes no lugar do cérebro. O esfaqueador, que foi preso e era mantido até a noite desta quinta-feira sob forte escolta policial, também dedicava uma parte das suas publicações a críticas ao presidente Michel Temer e à maçonaria. Ainda no Facebook, Adélio defendia a Venezuela e o comunismo. Em uma de suas postagens, ele elogia um vídeo do ditador Nicolás Maduro inaugurando uma avenida.

Para tentar entender as razões do atentado a Bolsonaro, a Polícia Federal, responsável pelo caso, fez buscas no endereço do servente de pedreiro, apreendeu documentos e, segundo as primeiras informações, um telefone celular. Ainda nesta quinta, agentes também ouviram familiares dele. Alguns contaram que Adélio sempre apresentou sinais de distúrbios mentais. Logo após ser preso, ele disse ter agido a “mando de Deus”. Já no início da noite, a Polícia Civil de Minas e a Polícia Federal passaram a trabalhar com a possibilidade de participação de mais de uma pessoa no atentado ou mesmo de ter havido um mandante. Além de Adélio, foram presos dois suspeitos. “Mas não há nada confirmado ainda. Estamos investigando”, diz uma fonte ligada ao caso. A PF está revendo vários vídeos para averiguar a suspeita de que, nos  instantes anteriores ao ataque, a faca teria passado por outras mãos até chegar a Adélio Bispo.

ReproduçãoReproduçãoLogo após o atentado, a cúpula do governo, em Brasília, recebeu a imagem de um manuscrito com o quadro de saúde de Bolsonaro: “paciente grave”
O crime ocorreu um dia depois de o Ibope divulgar uma pesquisa em que Jair Bolsonaro aparecia com 22% das intenções de voto, seu maior índice na campanha. A sondagem revelou ainda que a rejeição ao presidenciável também havia chegado a um patamar inédito: 44% disseram que não votariam nele de forma alguma. Ainda é cedo para avaliar o impacto do atentado na campanha. A tendência é de que, em um primeiro momento, Bolsonaro seja beneficiado porque terá um nível de exposição, especialmente na televisão, que não teria em toda a campanha – na propaganda eleitoral, ele tem apenas oito segundos. Além disso, a repentina condição de vítima tende a arrefecer ou até  mesmo cancelar os ataques por parte dos adversários, principalmente de Geraldo Alckmin, detentor da maior fatia no horário eleitoral gratuito e cuja campanha estava focada em atacá-lo. A primeira sondagem que irá analisar o impacto do atentado será feita pelo Datafolha nesta segunda-feira, dia 10, e divulgada no mesmo dia.

Ao mesmo tempo, como a cirurgia vai impor a Bolsonaro um período de repouso forçado, ele terá de ficar longe das ruas. Em sua equipe, há quem considere que não será possível retomar a campanha tradicional e a agenda de candidato antes da votação de primeiro turno, marcada para o dia 7 de outubro. Os adversários de Bolsonaro foram unânimes em repudiar o ato criminoso. “A violência contra o candidato Jair Bolsonaro é inadmissível e configura um duplo atentado: contra sua integridade física e contra a democracia”, disse Marina Silva. Ciro Gomes classificou o ocorrido como uma “barbárie”. Geraldo Alckmin criticou o “ódio” da sociedade e chamou o atentado de “inaceitável humana e politicamente”. Já o petista Fernando Haddad declarou que repudia “totalmente qualquer ato de violência”. A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, afirmou ter “enorme preocupação” com a liberdade de candidatos e eleitores, de todas as ideologias. O presidente Michel Temer mandou reforçar a segurança dos presidenciáveis e disse que o “triste” episódio “não pode passar em branco”.

ReproduçãoReproduçãoO candidato depois da cirurgia: sinal de positivo
Enquanto uns tentavam pregar a pacificação, outros pareciam interessados em manter a toada de enfrentamento. Militantes de esquerda ironizaram o atentado e fizeram circular, também nas redes sociais, a mentira de que tudo não passaria de uma armação. Gustavo Bebianno, o coordenador da campanha, anunciou que “agora é guerra”. O candidato a vice na chapa do ex-capitão, o general Hamilton Mourão, culpou o PT pelo ataque. Em entrevista a Crusoé, Mourão declarou: “Se querem usar a violência, os profissionais da violência somos nós”. Se esse for o caminho, o maior ferido será o Brasil.

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