Evangélicos unidos contra o PT
Há tempos as menções a Deus não eram tão recorrentes em uma eleição presidencial. Nos debates, nas propagandas e nos discursos. A devoção eleitoral é explicada especialmente pelo vertiginoso crescimento, nas últimas décadas, dos evangélicos no país. Segundo estimativas, eles já são um terço da população e devem ultrapassar os católicos em aproximadamente 20 anos. Embora seja uma imensa colcha de retalhos, com dezenas de denominações, e não tenha um comando único, o segmento evangélico tem em comum o fato de a maioria de seus líderes atuar com desenvoltura no jogo da política, negociando o apoio e o voto de seus rebanhos em troca das benesses do poder. Assim foi nas últimas campanhas, e assim está sendo nesta. Com uma diferença importante a ser observada: se antes os chefes das igrejas mantinham relações estreitas com o PT, desta vez eles se alinham para evitar o risco de um petista voltar a ocupar a cadeira mais importante da República. Viram no que consideram traições a oportunidade de alinhar prática e discurso.
Trata-se de uma inflexão crucial, com potencial de impactar no tabuleiro da eleição. E representa uma perda incalculável para os planos petistas. No final de 2014, a então presidente reeleita Dilma Rousseff se encontrou no Palácio da Alvorada com o presidente do PRB, Marcos Pereira. A legenda, controlada pela cúpula da Igreja Universal, caminhava com o petismo desde o primeiro mandato de Lula, motivo pelo qual Pereira avaliou que era chegada a hora de cobrar, pela longa parceria, um incremento na fatura. O partido já tinha alguns cargos relevantes no governo, mas, a Dilma, o presidente do PRB insinuou ter interesse na vaga aberta no Supremo Tribunal Federal com a saída de Joaquim Barbosa. Pereira pediu, mas não levou. Pouco mais de um ano depois, o pastor liderou o processo para deixar a base aliada da petista e anunciar o apoio ao impeachment. Não sem antes negociar com Michel Temer seu espaço no governo. O PRB ganhou o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. E Pereira se escalou para o posto. Lá, ele acabaria arrastado para o epicentro do escândalo da JBS. Foi incluído entre os políticos que receberam propinas de Joesley Batista e companhia.
O vai-e-vem de Pereira e José Wellington neste ano se repete em grande parte das outras denominações evangélicas, que se aproveitam da maior fragmentação da disputa presidencial e da imprevisibilidade do resultado das eleições para aumentar seu cacife junto aos candidatos. E, à diferença do que ocorreu nas campanhas passadas, em que a polarização entre PT e PSDB reduzia a duas as possibilidades de uma aliança político-religiosa vitoriosa, na disputa de agora foi preciso reajustar a estratégia. No primeiro turno, os pastores acenam à maioria dos presidenciáveis, em especial àqueles situados mais à direita do espectro político, sem fechar explicitamente com nenhum deles. A Universal é uma das poucas, dentre as maiores denominações, a ter declarado oficialmente seu apoio a um candidato (Alckmin). Se não há para a maioria delas uma definição muito explícita sobre quem apoiar, existe uma certeza: se o PT estiver no segundo turno, os pastores já sinalizam que estarão do outro lado. “Estamos nos preparando para a orientação aos fiéis na reta final. Vamos escolher um candidato ligado a nossas bandeiras, princípios e valores. Mapearemos onde foram depositados os votos da esquerda no primeiro turno e vamos para lá fazer campanha contrária. O que não fizemos com Aécio em 2014 vamos fazer neste ano contra a esquerda. Corpo a corpo, sentar com pastores, orientar”, afirmou a Crusoé o bispo Robson Rodovalho, da Sara Nossa Terra, em uma das sedes de sua igreja, na periferia de Brasília. A Sara Nossa Terra tem mais de mil templos espalhados pelo país.
O pastor integra a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que cerrou fileiras com Bolsonaro. Uma das principais lideranças da denominação é o polêmico pastor Silas Malafaia, responsável por abençoar a aliança com o ex-capitão do Exército. Embora negocie nos bastidores, publicamente Malafaia tenta minimizar a capacidade de interferência das igrejas nos resultados eleitorais – algo que, por sinal, a lei proíbe. “Com o advento da rede social, acabou o monopólio da informação. Não temos mais esse efeito todo”, diz o pastor. Assim como Rodovalho, Malafaia também avalia que o voto evangélico vai caminhar majoritariamente para Bolsonaro. “Os evangélicos estão em sua maioria com o Bolsonaro porque ele fala sobre crenças e valores que estão internalizados neles”, diz. O pastor conversa com frequência com o candidato do PSL. Há algumas semanas, o aconselhou a ser mais agressivo com o PT. Ele também foi um dos que operaram mais fortemente para que o senador evangélico Magno Malta fosse vice de Bolsonaro. Uma pesquisa do Ibope divulgada em agosto mostrou que Bolsonaro tem a preferência dos evangélicos, mas divide a preferência com Marina Silva, ela própria evangélica — em quem os pastores não confiam, por ser uma candidata demasiadamente celestial, digamos. Daqui a um mês, as urnas mostrarão se eles conseguirão entregar os votos que têm oferecido, sempre em nome de Deus.
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