DiogoMainardina ilha do desespero

Quando Bolsonaro for preso

10.12.21

Alguns dias atrás, enquanto eu escrevia para O Antagonista uma notinha deprimente sobre uma imbecilidade qualquer vomitada por Jair Bolsonaro, meu filho mais velho, o célebre Tito, estava em seu quarto, a apenas 31 passos de mim, assistindo a uma aula online sobre o tratado de arquitetura de Sebastiano Serlio, o primeiro teórico do classicismo.

Se eu fosse sujeito a abalos de humor, e não tivesse a sensibilidade de um gnu, estaria agora prostrado em minha cama, tentando entender onde foi que errei, ao dobrar aquela esquina que, vinte anos atrás, me afastou de Sebastiano Serlio e me conduziu perversamente até o beco malcheiroso habitado por Jair Bolsonaro. O esnobismo cultural, que por quatro décadas me abrigou e me confortou, acabou desmoronando como os tempos romanos desenhados pelo arquiteto renascentista.

Mas eu tenho um plano. Assim que Jair Bolsonaro for preso, vou retomar o livro sobre Tiziano que estava escrevendo quando fizemos O Antagonista, sete anos atrás. O livro teria sido profético, porque um dos meus protagonistas era o fabricante de vacinas indiano que, em 2020, vendeu para o governo brasileiro as primeiras doses de imunizante contra o coronavírus. Sete anos atrás, eu desconhecia a existência de Jair Bolsonaro e do coronavírus, e faltava um arremate para o livro, capaz de ligar o fabricante de vacinas indiano, proprietário de um quadro de Tiziano (que morreu durante a epidemia de peste), à minha vida. A epidemia causada pelo coronavírus, seguida pelo encarceramento de Jair Bolsonaro, finalmente podem confeccionar esse arremate perfeito.

É claro que, se Jair Bolsonaro escapar da cadeia, o fio narrativo se desfaz, como ocorreu com Lula, que também escapou da cadeia. Na história pessimamente contada por Gilmar Mendes, que rasgou as melhores páginas jamais escritas no Brasil, acrescentando outras, porcamente alinhavadas, numa língua primitiva, o epílogo é sempre inverossímil e grotesco. Nesse caso, terei de inventar outro final, menos simétrico e harmonioso do que os modelos clássicos copiados por Sebastiano Serlio – que era amigo de Tiziano, por sinal.

Vou parar por aqui. O Antagonista está berrando na tela do computador, à espera de mais uma notinha deprimente sobre uma imbecilidade qualquer de Jair Bolsonaro, e o gnu precisa pastar. Sabe como é: dobrei a esquina errada vinte anos atrás.

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