AlexandreSoares Silva

Os caça-wokes

10.12.21

Todos os dias acordamos, nós que acordamos, e vamos para a internet começar o jogo diário de “Você viu isso?”, “Você viu aquilo?”. Mandamos os links de notícias absurdas para os amigos, para não nos irritarmos sozinhos. Os absurdos de sempre, que parecem se multiplicar em ubiquidade e absurdidade: estátuas sendo derrubadas, boicotes contra empresas cujos donos são brancos, carros matando gente por vontade própria porque as pessoas que estavam dirigindo pertencem a um grupo protegido etc.

Mas estamos errados. Temos que parar de bufar, e de revirar os olhos, e de nos irritar, e de sofrer. Temos que começar a nos divertir com isso tudo. O movimento woke é uma das coisas mais divertidas que aconteceram na história — a coisa mais divertida desde a dança de São Guido. Ou aprendemos a rir da nossa própria destruição, e da destruição de tudo o que amamos, ou vamos acabar com gastrite. Se não podemos preservar o mundo, podemos pelo menos preservar a nossa digestão.

É claro, eu sei: em todas as épocas os velhos diziam “Onde isso vai parar?”. Mas esta é a primeira em que isso é dito várias vezes por dia por pessoas com 40, 30, e mesmo 20 anos. Não se trata mais de velhos querendo preservar os costumes da sua juventude: agora são pessoas de todas as idades tentando preservar os costumes de dois anos atrás.

Para um conservador, a história às vezes parece um pêndulo que só vai para um lado – e, o que deveria ser fisicamente impossível, esse pêndulo parece ir eternamente para esse lado, de um jeito acelerado ainda por cima. Scott Adams, o criador do Dilbert e analista político (ou “analista político” se você o odiar, porque sempre colocamos aspas na profissão das pessoas de que não gostamos) é o primeiro que vejo dizer que esse pêndulo já está começando a voltar.

Ele escreveu isto no Twitter, no início de dezembro:

“A indústria do cinema está condicionada a esperar finais surpreendentes. Talvez seja por isso que ela parece estar acordando mais rápido que as outras indústrias com tendência à esquerda.”

Os sinais apresentados eram só algumas figuras isoladas de esquerda que recentemente disseram coisas levemente anti-woke (Debra Messing, Trevor Noah, Jon Stewart). Mas, pelo que conheço de executivos de cinema, faz sentido. Eles não são pessoas de muitas ideias. As poucas que têm são banais. Uma ideia banal que os domina é que, de tantos em tantos anos, precisam mudar de caminho, “inovar”, “pensar fora da caixa. Como passaram os últimos anos fazendo propaganda, obviamente algum executivo com poder, em algum momento, vai declarar que chega de filmes com propaganda política (“Isso é tãão 2020/2021!”). Logo depois todos o seguirão; e, depois de seis ou sete anos, isso vai acabar chegando ao Brasil também.

Um pequeno sinal disso, se formos tão otimistas quanto Scott Adams, é o filme Ghostbusters – Mais Além. Depois do fracasso da versão inteiramente feminina de 2016, o diretor e roteirista Jason Reitman, o filho do diretor do filme original, disse em um podcast que iria ignorar o filme de 2016 e “devolver o filme para os fãs”. Isso causou a ira da imprensa. Ou talvez “ira” seja uma palavra mais adequada para um herói de Homero que para críticos de cinema – isso causou a raiva da imprensa. “Devolver Ghostbusters ‘De Volta aos Fãs’ Encoraja os Fãs Tóxicos” é o título de uma das matérias mais calminhas.

O resultado é um filme divertido, um pouco no tom de Stranger Things. Não é politicamente incorreto – é inocente demais pra isso. Mas é um filme que poderia ter sido feito se o movimento woke nunca tivesse existido, e o mundo tivesse continuado no caminho em que estava indo até alguns anos atrás – ficando gradualmente menos e menos racista, menos e menos sexista. Afinal, o movimento woke surgiu quando tanto o racismo quanto o sexismo estavam no seu ponto mais baixo na história do Ocidente.

O novo Ghostbusters tem uma personagem negra, ninguém verbaliza que é negra, não se fala uma sílaba sobre racismo, e o resultado é que ela parece (que choque!) um ser humano como qualquer outro. A menina científica e nerd é a heroína, mas não é (que frisson artístico, em 2021!) irritante nem por um segundo. Tudo se encaixa de um jeito natural, nada é um panfleto. É como eu gostaria que todos os filmes fossem, cá entre nós. E é (mas lamento se com isso ofendo alguma memória da sua infância) melhor que o original.

Enfim, talvez eu esteja errado em ser tão otimista. Mas quando foi que eu estive errado antes?

A verdade é que o mundo vai ficar mais sadio quando o movimento woke finalmente desaparecer, mas também vai ficar bem menos engraçado. Isso é um fato. Vou ter menos notícias ridículas para compartilhar com os meus amigos. Mas tudo bem: as gerações futuras vão poder ler a respeito nos livros de história, quando quiserem rir dos seus antepassados.

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  1. O mundo nunca mais vai deixar o woke, porque isso dá dinheiro e curtidas rpos espertos que acordaram primeiro e perceberam isso.

  2. Também parei de me irritar de uns tempos para cá com os wokes, é um besteirol tão grande que uma hora as minorias vão perceber o ridículo., vão perceber que isso não as ajuda.

  3. É engraçado que o movimento de consciência de classes, quando é praticado pelo Copom, pela Fiesp, pela Febraban, pela Bancada da Bala, pela OAB e outros grupos de grande poder político, econômico, social, isso tudo nos parece muito “natural”. Esses, ao que parece, podem praticar, com bênçãos publicitárias e anúncios bem pagos, o terceiro degrau de Maslow. Contudo, aos demais, os rigores da crítica, sinda que disfarçada de jocosidade.

  4. Seu otimismo me fascina. Ouso dizer q o politicamente correto veio pra ficar, por um fator muito simples: tem muita gente ganhando $ com isso.

  5. O mundo precisa dos otimistas pra continuar rodando😜. Mas não entendo essa sanha dos compartilhamentos! Muito raro compartilhar algo com alguém, principalmente agora, que parece q cada um é um espécime diferente no "nosso planeta".

  6. ... Eu imprimi uma bela imagem - de gente viva e sorridente - com o respectivo crédito: 'Pare de rir, Anne Frank' e colei na parede do meu "hospício".

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