SergioMoro

A PEC da Recessão

19.11.21

Meu plano era explicar ao leitor da Crusoé os motivos pelos quais decidi ingressar na política.

Resolvi escrever, porém, sobre a Proposta de Emenda Constitucional 23/2021, recentemente aprovada na Câmara dos Deputados e atualmente em trâmite no Senado. O assunto é mais urgente. Ela é conhecida como a PEC dos Precatórios, embora vulgarmente seja chamada de PEC do Calote ou Fura-Teto. Embora as consequências de sua aprovação ainda estejam sendo calculadas, não estaremos errados se a chamarmos de PEC da Recessão ou, no mínimo, da estagnação econômica.

Aumentar, como pretende a proposta, o Bolsa Família, cuja denominação foi alterada para Auxílio Brasil, como havia feito também o governo do PT em relação ao anterior Bolsa-Escola, é medida justificável, diante das dificuldades geradas pela situação econômica ruim do país e pelo agravamento da pobreza. Mas os programas de transferência de renda estão sendo utilizados como uma espécie de cavalo de Troia para furar o teto de gastos e com claros propósitos eleitoreiros.

Não podemos fechar os olhos para as consequências. Serão elas a perda da credibilidade fiscal, a depreciação maior do real, a elevação da inflação, o aumento da taxa de juros, a queda do investimento, do crescimento econômico e do emprego, nessa ordem.

Desde o segundo mandato do presidente Fernando Henrique, a estabilidade econômica, condição necessária para a prosperidade, fundava-se em um tripé: regime de metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. O governo do PT manteve inicialmente essa política, mas paulatinamente a substituiu pela “nova matriz econômica”, aumentando os gastos públicos e ampliando subsídios fiscais, o que gerou a elevação da dívida pública, a perda do grau de investimento e a recessão iniciada no final de 2014 que perdurou até o final de 2016.

Já no governo Temer, a criação do teto de gastos foi uma das medidas adotadas para recuperar a credibilidade fiscal. Isso gerou a redução do Risco Brasil e a valorização do real. A restauração da confiança permitiu que o Banco Central iniciasse a redução da taxa de juros, passando do ápice de 14,15% ao ano, em agosto de 2016, para 6,40%, em dezembro de 2018, ainda antes do governo Bolsonaro.

Apesar da aprovação da reforma da Previdência, em 2019, o governo Bolsonaro abandonou a disciplina fiscal durante a pandemia para, justificadamente, atender uma emergência sanitária, mas – mesmo com o aumento da vacinação e a queda dos óbitos e internações – não retomou o cuidado com as contas públicas e não dá sinais de que pretenda fazê-lo em algum momento. O último ato da tragédia consistiu na apresentação da PEC da Recessão, que representa, na prática, o fim do teto de gastos.

Se o objetivo da PEC fosse apenas viabilizar o pagamento de programas de transferência de renda, seria possível fazê-lo com melhor alocação de recursos orçamentários ou corte de despesas e, de nenhuma forma, se justificaria agregar novos gastos com a ampliação do fundo eleitoral para 5 bilhões e garantir mais 16 bilhões de reais para as obscuras emendas parlamentares do relator. Como consequência, o Banco Central foi obrigado a elevar a taxa de juros para 7,75% ao ano, com o prognóstico de novas elevações. O incremento da taxa de juros significa, na melhor hipótese, a diminuição do crescimento em 2021 e 2022 e, na pior, a recessão, com impacto nos empregos e no bem-estar geral. Também significa o aumento dos encargos da dívida pública e maiores dificuldades para a estabilização da relação dívida/PIB.

Para evitar tão graves consequências, é necessário alterar a PEC da Recessão ou substituí-la por medidas que permitam a elevação dos valores pagos nos programas de transferência de renda sem arrebentar com o teto de gastos. Do contrário, o governo dará com uma mão, usualmente ineficiente, pois fazer os benefícios chegarem a todos os necessitados é sempre um desafio, e retirará com outra, muito mais implacável, com o aumento da inflação e dos juros, o que afetará a todos, mas especialmente a população mais pobre.

Uma alternativa consiste na aprovação da PEC 41/2021, apresentada na semana passada pelo senador Oriovisto Guimarães, do Podemos, que estabelece recursos orçamentários para o financiamento do programa Auxílio Brasil com respeito ao teto de gastos. A proposta mantém o resultado primário necessário para a manutenção da credibilidade fiscal.

Surpreendentemente, o mercado não reagiu tão drasticamente à aprovação da PEC da Recessão pela Câmara, aparentemente com a crença de que é melhor um fim horroroso do que um horror sem fim, o que seria o caso de uma tramitação prolongada da emenda no Parlamento.

Sinceramente, entendo que o mercado age como o personagem Pangloss, de Cândido, ao crer que a aprovação da PEC é o melhor dos mundos possíveis. Não é. A PEC revela que a responsabilidade fiscal não é mais um objetivo do governo. Já estamos pagando e ainda pagaremos um preço caro por isso. O dragão da inflação é o maior inimigo do crescimento econômico e dos mais pobres. O horror sem fim talvez tenha apenas começado.

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