Antonio Augusto/ASCOM/TSE

O drible dos doadores

Donos de empresas que, antes da proibição, costumavam fazer generosos repasses partidos usam o próprio CPF para doar como pessoas físicas e manter a boa relação com o mundo político
05.11.21

A proibição das doações empresariais a candidatos e partidos a partir de 2016, no auge dos escândalos de propina e caixa 2 de campanha descobertos pela Lava Jato, não inibiu que empresários endinheirados tirassem recursos do próprio bolso para financiar políticos e legendas de acordo com seus interesses. Mesmo com a explosão dos repasses de verba pública para as siglas, que já recebiam cerca de 850 milhões de reais do fundo partidário todo ano e passaram a contar com um fundo eleitoral bilionário para bancar suas candidaturas, acionistas e executivos de companhias dos mais variados segmentos ainda fazem questão de ajudar financeiramente a classe política. Seja de forma mais transparente, doando diretamente para os candidatos de sua preferência durante a eleição, seja de forma mais discreta, transferindo dinheiro para as contas bancárias dos diretórios, sob o pretexto de contribuir para a “manutenção do partido”.

Um levantamento feito por Crusoé nas prestações de contas dos 33 partidos brasileiros mostra que, além dos milhões de reais despejados nas campanhas para prefeito e vereador no ano passado, um grupo seleto de 20 empresários também repassou vultosas quantias para reforçar o caixa das legendas, já bastante abastecido com recursos públicos. É o caso de Rubens Ometto, que já havia despontado como o maior doador privado nas eleições municipais de 2020. Foram 2,5 milhões de reais destinados a onze diretórios e vinte candidatos de treze partidos diferentes, do DEM ao PT. Sócio-controlador de um conglomerado de empresas do setor energético, como a Cosan, a Raízen e a Comgás, ele também transferiu mais 1 milhão de reais para a “manutenção” do DEM e do Progressistas, o antigo PP. Os repasses foram feitos durante a tramitação de um projeto-chave para os negócios do empresário no Congresso: o marco regulatório do gás, conhecido como Lei do Gás.

Partido que comandava as duas casas legislativas à época, com Rodrigo Maia na Câmara e Davi Alcolumbre no Senado, o DEM foi o que recebeu a maior fatia das doações: 900 mil reais. Já o Progressistas, partido do relator do projeto, deputado Laercio Oliveira, recebeu 100 mil. O projeto sofreu forte lobby no Congresso a favor e contra uma maior abertura ao mercado privado e acabou sendo aprovado com uma regra coibindo o controle de todos os elos da cadeia, da geração à distribuição de gás, por uma mesma empresa, atrapalhando um pouco as ambições de Ometto. Nada que deva mudar a postura pragmática do empresário com o meio político. No ano passado, além das doações, ele emprestou seu jatinho particular para o governador paulista João Doria viajar com a família para o Caribe, como mostrou Crusoé, meses após ter recebido o presidente Jair Bolsonaro para inaugurar uma de suas fábricas de biogás. Em nota, o empresário afirmou que as doações “foram realizadas em caráter pessoal” e dentro da legislação eleitoral.

Bruno Poletti/folhapressBruno Poletti/folhapressRubens Ometto, da Cosan: 2,5 milhões de reais a 13 partidos
Dona da operadora de saúde Hapvida, a quarta maior do país, a família do empresário Cândido Pinheiro Koren de Lima também contribuiu com partidos que mantêm influência sobre órgãos do seu interesse, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS, que fiscaliza a atuação dos planos. O caso mais notório é o do Progressistas, que tem como tesoureiro o ex-ministro da Saúde Ricardo Barros, atual líder do governo Bolsonaro na Câmara. A legenda recebeu 300 mil reais em doações do fundador da operadora e de seus dois filhos em dezembro do ano passado, depois das eleições municipais. Como mostrou Crusoé, poucos dias depois, executivos da Hapvida tiveram duas reuniões com o atual presidente da ANS, Paulo Rebello, à época diretor de Normas e Habilitação das Operadoras dentro da agência, para tratar da aprovação da compra de uma operadora de Minas Gerais, um negócio avaliado em 1,5 bilhão de reais.

Rebello foi chefe de gabinete de Ricardo Barros no período em que o deputado comandou o Ministério da Saúde, entre 2016 e 2018, durante o governo de Michel Temer. Ele deixou a pasta em setembro daquele ano, para assumir a diretoria na ANS, por indicação do ex-ministro e tesoureiro do Progressistas. No fim do ano passado, no mesmo mês em que a Hapvida contribuiu com o partido, Rebello foi indicado pelo presidente Bolsonaro para chefiar a ANS, sob influência de Barros. A posse dele no comando da agência ocorreu em julho deste ano, após a aprovação de seu nome em sabatina no Senado. No início do mês passado, ele voltou à casa para explicar aos senadores da CPI da Covid uma eventual omissão da agência na fiscalização da operadora Prevent Senior, acusada de obrigar médicos a prescreverem o chamado “Kit Covid”, com remédios sem eficácia comprovada, para pacientes com coronavírus. As mesmas suspeitas também pairam sobre a atuação da Hapvida durante a pandemia.

Aos senadores, o dirigente tentou se desvincular de Ricardo Barros, investigado no escândalo envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin, dizendo que não havia sido indicado pelo ex-chefe para a ANS, mas por seu sucessor no ministério, Gilberto Occhi, também do Progressistas. A resposta não convenceu os senadores. “Você acha que nós somos inocentes para achar que, sendo chefe de gabinete do Ricardo Barros, ele não teve interferência na sua indicação? Está faltando com a verdade”, disse o senador Otto Alencar, do PSD da Bahia. Além das aprovações de aquisições de outras operadores menores obtidas na agência, a Hapvida também negocia com o órgão um acordo de ajustamento de conduta que prevê atenuar multas por infrações cometidas na oferta dos serviços aos segurados, em troca de investimentos para atendimento de casos de Covid, o que beneficiaria a própria rede de hospitais da empresa. Barros disse a Crusoé que não foi ele quem pediu as doações da Hapvida para o seu partido e que “não há relação de doações com as audiências” com o chefe da ANS. Os controladores da operadora afirmaram, por sua vez, que fizeram doações para diretórios de sete partidos políticos, “de todos os espectros ideológicos”, e que “toda grande empresa de saúde tem dezenas de reuniões com seus reguladores a cada ano”.

Thiara Montefusco/Governo do CearáThiara Montefusco/Governo do CearáKoren, da Hapvida: doações para partidos com influência na ANS, área de interesse de seu grupo empresarial
Doações generosas também direcionadas aos diretórios partidários colocaram o empresário Eduardo Robson Raineri de Almeida, presidente do conselho da construtora paulista Pacaembu, no topo do ranking de financiadores de partidos no ano passado. Além de ter doado 500 mil reais a oito candidatos a prefeitos em cidades do interior de São Paulo, onde sua empreiteira executou obras públicas, como construção de escolas e unidades de saúde, e lançou moradias populares em parceria com as prefeituras e com a Caixa, por meio dos subsídios do programa Casa Verde Amarela, antigo Minha Casa Minha Vida, o empresário doou 1,45 milhão de reais para o DEM custear suas atividades – 750 mil acabaram transferidos para campanhas eleitorais e o restante permaneceu no caixa do diretório. Já o Progressistas recebeu 200 mil de Almeida, que já havia repassado outros 600 mil reais para campanhas do PSDB de João Doria. Em junho deste ano, o governador autorizou um aporte de 1,6 milhão de reais em subsídios para famílias de baixa renda que comprarem casas da construtora Pacaembu em Piracicaba, no interior do estado.

Chama a atenção que, embora mais de 70% dos repasses feitos por Raineri de Almeida aos diretórios tenham sido classificados como “doações para manutenção do partido” nas prestações de contas – ou seja, para custear despesas cotidianas da legenda –, uma parte expressiva das transferências foi feita em pleno período eleitoral, entre outubro e novembro, o que pode caracterizar uma tentativa de ocultar o verdadeiro destinatário da doação privada, para não vincular o doador à imagem do político beneficiado. “Sempre existiu a prática de doadores tentarem burlar a vinculação com o candidato beneficiário do recurso, que é chamada de doação oculta. Mas o Tribunal Superior Eleitoral criou nos últimos anos mecanismos para coibir isso e os partidos são obrigados a informar quem é o doador originário quando repassam uma doação para um candidato”, explica Filippe Lizardo, especialista em direito eleitoral.

As doações às campanhas são informadas quase que em tempo real ao TSE não apenas para garantir a transparência dos financiamentos aos eleitores, mas também para permitir que a Justiça Eleitoral fiscalize se o doador não ultrapassou o limite de contribuição. Por lei, pessoas físicas só podem doar, no máximo, até 10% de seus rendimentos anuais para campanhas eleitorais. No caso de doações para manutenção de partidos, não existe limite. Mas ainda há brechas que permitem que esse controle seja driblado. Um expediente bastante utilizado é o diretório usar as doações privadas para pagar suas despesas e destinar o fundo partidário, que tem exatamente essa finalidade, para irrigar campanhas, o que é permitido por lei. O DEM, por exemplo, usou dinheiro do fundo partidário nas campanhas dos prefeitos Eduardo Paes, do Rio de Janeiro, e Bruno Reis, de Salvador, no ano passado – além, é claro, de parte da sua cota o fundão eleitoral de 2 bilhões de reais liberados em 2020.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéAlcolumbre e Maia: posição de comando da dupla no Congresso atraiu recursos para o DEM
O antigo partido de ACM Neto, que acaba de se fundir com o PSL no novo União Brasil, recebeu outros 750 mil reais a título de “manutenção” da legenda de outro dirigente da mesma empreiteira. Somada às doações de campanha, foram 2,51 milhões de reais para cinco diretórios e nove candidatos. Procurados por Crusoé, os dirigentes da construtora afirmaram, por meio de nota, que as doações “são exclusivamente de cunho pessoal” e que “foram realizadas com a intenção de contribuir para a melhoria do processo eleitoral” dentro da legislação. No apagar das luzes de 2020, o DEM recebeu ainda uma generosa contribuição de 1 milhão de reais do empresário Washington Cinel, que fez duas transferências de 500 mil para a conta do partido nos dias 22 e 29 de dezembro. Dono da empresa de segurança privada Gocil, Cinel foi o anfitrião do jantar de empresários com o presidente Jair Bolsonaro, realizado em abril deste ano. Washington Cinel e ACM Neto não quiseram falar sobre as doações.

Não são apenas os partidos de centro-direita que atraem figuras proeminentes do empresariado dispostas a reforçar seus cofres com quantias expressivas em doações privadas. Defensora de causas feministas e anti-rascistas, a escritora Beatriz Bracher adotou uma prática mais ortodoxa. Ao longo de todo o ano passado, ela transferiu religiosamente, todo mês, 50 mil reais para a conta do diretório nacional da Rede. A irmã dela, a artista plástica Elisa Bracher, também repassou 600 mil reais para a legenda presidida pela ex-senadora alagoana Heloísa Helena. Além disso, as filhas do banqueiro Fernão Bracher, fundador do banco BBA, também desembolsaram, juntas, mais de um milhão de reais na campanha passada com quase 50 candidatos de partidos de esquerda, entre eles Manuela D’Ávila, do PCdoB, e Guilherme Boulos, do PSOL.

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  1. Concordo que deveria acabar com esta bandidacem de doacoes a candidatos e partidos politicos, pois sao entidades privadas e como tal fica patente a ilegalidade que cria um jogo de interesses entre privados ou privadas que desaguam na cumplicidade e falta de carater dos politicos que eleitos passam a administrar a coisa publica como se privada fosse e o povo pagando toda a conta. Este sim, a vitima de todo este conluio.

  2. Não há nada mais obsceno do que os Fundos partidário e eleitoral. Os Partidos são entidades privadas e como tal, deveriam ser mantidos exclusivamente pelos seus filiados. O TSE tem culpa no cartório ...

  3. Engraçado e triste e decepcionante não ter direita-centro-esquerda. Os partidos são apenas empresas, mais parecidos com lojinhas, cujos donos sangram o dinheiro público e privado para se enriquecerem e manterem o poder. Pobre e amaldiçoado Brasil.

  4. É só essa a manutenção da qual essa "tchurma" não esquece jamais...ah! tem também o estoque de óleo de peroba que não pode faltar...

  5. Investigação no Brasil não coíbe ninguém que tem muito dinheiro de praticar crimes. Sabem que podem contar com os tribunais superiores, principalmente o STF. MS

  6. Política é jogo de interesses. Eu te apoio e vc me beneficia. Ou vc acha que o empresário vai jogar dinheiro no bolso do do candidato, sem contrapartida " Desde criancinha eu sei disso. O mundo é de quem tem poder, de quem tem money

  7. Por isso que uma reforma tributária não avança no Congresso, elite atrasada que não vê que um baixo imposto sobre o consumo alavancaria o desenvolvimento e movimento no comércio com repercussões em todas as atividades produtivas

    1. Até se tornar presidente Bolsonaro era do terceiro mundo da Câmara. Só vivia das rachadinhas. Introduziu três filhos e a ex- mulher no mesmo esquema para aumentar a renda familiar. Só idiotas acreditam na sua honestidade. Não têm capacidade de analisar.

  8. Incrível, só falou o nome do Bolsonaro duas vezes 🤣😃😆😂😁. Não acusou e não falou mal🤣😃😆😂😁. Ninguém presta, se tem a solução, dá nomes.🐁🐁🐁🐁🐁. Como faz mal as mamatas.🤣😃😆😂😁

  9. É preciso regulamentar logo o tal do lobby. Quantas boas leis continuam engavetadas no Congresso, tais como a da supressão do privilégio dos políticos que roubam descaradamente e nunca vão para a cadeia...

  10. por isto.melhor ser um dono da havan. que todo mundo sabe seu lado. nao vejo problema nenhum nas doações. porém o doador deve se expor apoiando um único lado. Havan é bolsonarista e pronto. crosué é Moro é acabou. Inadmissíveis é doar do PCO até o PSL. aí não tem posição só interesse.

  11. Todos os doadores preocupados com o bom funcionamento da democracia brasileira que rende a eles mutos bons frutos. É um bordel.

  12. O assalto aos cofres do dinheiro do contribuinte, desde que o PT criou esse financiamento público de campanha, deve direcionar o candidato Moro a liberar com limites as 2 alternativas, doações privadas e públicas, com limites claros.

  13. Isso foi em 2020 para eleições menores, imagina a “festa” que será em 2022? Enquanto a Lei não for alterada esse esquema irá se perpetuar.

  14. os EXEMPLOS EXECRÁVEIS que uma SOCIEDADE tão CORRUPTA é capaz de produzir! São DEGENERADOS MORAIS que IMPEDEM o BRASIL de AVANÇAR! Em 2022 SÉRGIO MORO “PRESIDENTE LAVA JATO PURO SANGUE!” Triunfaremos! Sir Claiton

  15. Lixo, uma lata de lixo de pocilga essa gente, mas que apesar disso se dão bem a favor deles mesmos e contra um povo ignorante de 220.000.000 de analfabetos funcionais que votam em mintos e salvadores da pátria.

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