ReproduçãoAllan dos Santos com Eduardo Bolsonaro: mensagens indicam que o filho 03 do presidente bancava a casa que serviu de QG para o blogueiro em Brasília

‘Já estou no bunker pago pelo Eduardo’

Mensagens inéditas apontam que o clã presidencial bancava as ações do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, alvo de uma ordem de prisão
29.10.21

Alvo de um mandado de prisão expedido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, o blogueiro Allan dos Santos, do canal Terça Livre, tornou-se conhecido como um dos principais pontas de lança da milícia digital bolsonarista. Desde que saiu do anonimato para ganhar a ribalta como um dos maiores defensores de Jair Bolsonaro na internet, ele se esmerou em fazer proselitismo em favor dos interesses políticos do presidente e de seus filhos, disseminou largamente informações falsas e desfechou inúmeros ataques contra adversários do governo. Foi apontado pela CPI da Covid, cujo trabalho terminou nesta semana, como um dos maiores propagadores de mentiras relacionadas à pandemia. Investigado em dois inquéritos no Supremo, mudou-se para os Estados Unidos, para sair do foco.

Não deu certo. A iminência do retorno forçado ao Brasil guarda uma dor de cabeça não só para o blogueiro, mas também para o Planalto: investigações da Polícia Federal escancaram sua relação de intimidade com o núcleo duro do presidente Jair Bolsonaro. Mensagens inéditas de WhatsApp obtidas pela CPI da Covid e às quais Crusoé teve acesso com exclusividade indicam que a relação de Allan com o clã presidencial envolvia até mesmo ajuda financeira para a manutenção da milícia digital controlada por ele.

O material, reunido pela Polícia Federal no curso das investigações sobre as claques digitais bolsonaristas, mostra que os filhos do presidente costumavam se encontrar na casa de Allan dos Santos para discutir estratégias políticas e sugere que o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o filho 03 de Jair Bolsonaro, ajudava a financiar a atuação do blogueiro. Em um dos diálogos, Allan dos Santos afirma que o parlamentar chegou a “pagar” o aluguel do “bunker” que ele passou a usar quando se mudou para Brasília.

As mensagens deixam claro que o blogueiro, hoje afastado das redes sociais por força de seguidas decisões do STF, funcionava como uma extensão da família Bolsonaro para a execução de suas estratégias nas redes. Eduardo, o filho 03 do presidente, era a figura com quem, de acordo com as mensagens, ele mantinha uma conexão mais direta. A relação com o deputado envolvia encontros frequentes, nos endereços de ambos, e momentos de lazer e descontração – um deles, por exemplo, na casa de um sócio de Allan que logo depois viria a celebrar um contrato sem licitação com o governo.

Se antes da posse de Jair Bolsonaro a relação já era estreita, depois que ele assumiu a cadeira no Planalto a proximidade tornou-se ainda maior. Foi no primeiro ano de governo, em outubro de 2019, que Allan dos Santos, em um diálogo com um parlamentar bolsonarista, afirmou estar ocupando o tal bunker pago por Eduardo Bolsonaro. Em uma troca de mensagens com o deputado federal Filipe Barros, do PSL do Paraná, na qual ambos trocavam impressões sobre a vinheta de abertura dos programas Terça Livre e Onda Conservadora, o blogueiro escreveu: “Já estou no bunker pago pelo Eduardo. Cadê tu? Aparece aqui. Tenho algo grandioso para te mostrar. Sobre a viagem para SP”.

A afirmação chamou a atenção dos investigadores da Polícia Federal que atuam nas apurações sobre as milícias bolsonaristas. Em um dos relatórios produzidos pela equipe, o trecho que faz referência a Eduardo foi grifado.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéAllan na varanda casa, no Lago Sul, flagrado por Crusoé em setembro de 2019
As primeiras suspeitas de que o filho 03 do presidente da República bancava o aluguel da casa que Allan dos Santos passou a ocupar em 2019 no Lago Sul, uma das áreas mais nobres de Brasília, foram levantadas naquele mesmo ano. Quem puxou o assunto foi o cantor Lobão, àquela altura já um ex-bolsonarista, em uma entrevista. “A minha fonte lá de Brasília me mandou um WhatsApp: ‘Você sabe quem está morando aqui? O Allan dos Santos. Morando numa mansão no Lago Sul, que o Eduardo Bolsonaro está bancando’”, disse o artista. O blogueiro não negou, mas reclamou da exposição que considerava indevida. Disse que era vítima de ameaças de morte e que Lobão, ao falar sobre seu novo endereço, colocou-o em risco.

Àquela altura, Crusoé descobriu o exato endereço e chegou a flagrar Allan dos Santos trabalhando, em trajes informais, na varanda da casa, localizada a 12 quilômetros do Palácio do Planalto. Allan ocupou o imóvel até deixar o Brasil rumo aos Estados Unidos, onde vive desde agosto de 2020 – hoje, ele está em situação irregular no país. Espaçoso, o imóvel é de propriedade de uma empresária chinesa e está atualmente disponível para locação por 9 mil reais, incluindo impostos. Encravada em um terreno de 2 mil metros quadrados, com 600 de área construída, a casa de seis quartos tem dois andares, com um espaçoso salão de festas, piscina com mesas de concreto dentro d’água, banheiras, mirante, sauna e hidromassagem (veja aqui).

Para além de indicar quem financiava a estadia de Allan dos Santos no confortável endereço, as mensagens mostram que a casa sediava “reuniões quinzenais” do blogueiro com apoiadores dos Bolsonaro e integrantes do governo. Em razão do canal direto que tinha com os filhos do presidente, Allan fazia pedidos frequentes, inclusive para que fossem destacadas para os encontros autoridades do governo com as quais tinha interesse em se aproximar.

Em mensagem de agosto de 2019, o blogueiro pede a Eduardo Bolsonaro para marcar um encontro com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, de quem o deputado é muito próximo. Na ocasião, o blogueiro convidou o próprio Eduardo para participar da próxima “reunião quinzenal” na casa, e lembrou que o senador Flávio Bolsonaro, filho 01 do presidente, já havia passado por lá. “Flávio já veio aqui. Falta você”, escreveu ao 03. Eduardo Bolsonaro respondeu: “Alan, hoje estou em São Paulo. Reunião na Fiesp com empresários que têm interesse nos EUA”. O blogueiro, então, replicou: “Daqui a quinze dias teremos outra (reunião). Fala pro Gustavo ir. Do BNDES. Se ele estiver por aqui”. Eduardo arremata assim: “Me passa o dia. Que daí já bloqueio aqui na agenda”.

Os tais encontros quinzenais a que Allan dos Santos se referia com frequência serviam para alinhar estratégias e costumavam contar com a presença de pessoas que o blogueiro classificava como “parceiros políticos”. Os convites eram disparados para uma lista com 18 nomes, dentre os quais estavam os de Flávio e Eduardo, o de Fabio Wajngarten, então secretário de Comunicação da Presidência da República, e os de várias outras personalidades do primeiro time do bolsonarismo, como o assessor especial da Presidência da República Filipe Martins e os deputados federais Bia Kicis, Caroline de Toni, Filipe Barros, Felipe Francischini e Luiz Philippe de Orleans e Bragança.

Outro integrante do grupo era o médico bolsonarista Hélio Angotti Neto, que viria a ser nomeado, em junho de 2020, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. Assim como Allan dos Santos, Wajngarten e os filhos do presidente, Angotti Neto teve o indiciamento proposto pela CPI da Covid – no caso dele, pelos supostos crimes de epidemia com morte e incitação ao crime.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéCom 650 metros quadrados de área construída, a casa pertence a uma empresária de nacionalidade chinesa
No material reunido pela Polícia Federal, mais um personagem que se destaca é o elemento que Allan dos Santos costumava apresentar como seu sócio. Dono de uma casa próxima ao “bunker” ocupado em Brasília pelo blogueiro, o empresário Bruno Ayres participava com frequência não apenas das reuniões de trabalho, mas também de convescotes com Eduardo Bolsonaro. De acordo com as mensagens, a convite do blogueiro, Eduardo esteve em uma confraternização com sauna, churrasco e piscina na residência de Ayres. A festa ocorreu em 30 de dezembro de 2018, dois dias antes de Bolsonaro assumir a Presidência da República.

A anotação de Allan com a resposta de Olavo de Carvalho: nenhum limite para aportes do governo ao projeto
Era o começo de um relacionamento que, anos depois, iria se revelar muito promissor, inclusive financeiramente. Em fevereiro de 2021, por exemplo, a AYR, empresa de Bruno Ayres com atuação na área de informática, assinou um contrato de 360 mil reais com a Presidência da República, para prestar “serviços técnicos de manutenção” para o programa Pátria Voluntária, tocado pela primeira-dama Michelle Bolsonaro. O contrato foi firmado sem licitação. As tentativas de fazer negócio com o governo prosseguiriam. Em fevereiro deste ano, por exemplo, a mesma AYR participou de uma licitação para prestar serviços ao BNDES, mas dessa vez não chegou a levar o contrato.

Ganhar dinheiro rápido no governo para manter seus negócios ativos e vigorosos era uma obsessão de Allan dos Santos. Os relatórios da Polícia Federal mostram que o blogueiro chegou a consultar o guru bolsonarista Olavo de Carvalho sobre os “limites” da ajuda financeira que seu canal poderia receber do governo. Em um manuscrito apreendido pelos policiais, Allan registrou uma conversa que teve com Olavo na qual tratava explicitamente do tema. A resposta foi animadora. “Perguntei: Professor, qual o limite para o TERÇA LIVRE receber aporte financeiro do Governo? Olavo: NENHUM”, anotou Allan dos Santos. No mesmo manuscrito, o blogueiro registra algumas das diretrizes que guiavam seu trabalho, baseadas na conversa que teve com Olavo de Carvalho, em janeiro de 2019. Uma delas dá a medida da afeição do grupo a opiniões políticas divergentes: “Banir a oposição ideológica para sempre”.

Crusoé tentou ouvir Allan dos Santos, mas não teve retorno. O advogado do Terça Livre, Renor Oliver, disse que não teve acesso à investigação da Polícia Federal e que não tem procuração para responder pelo blogueiro como pessoa física. Também procurados, Eduardo e Flávio Bolsonaro não se manifestaram. O ex-secretário Fabio Wajngarten respondeu que nunca participou de qualquer reunião na casa ocupada por Allan dos Santos em Brasília.

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