Jefferson Rudy/Agência SenadoO ministro da Economia, Paulo Guedes: a cada dia mais fraco e mais vulnerável

Guedes derrete

Quatro integrantes da cúpula do Ministério da Economia pedem demissão. Bolsonaro garante que o ministro fica, mas uma certeza inquieta Brasília e o mercado: ele já não é mais o garantidor de uma política econômica responsável
22.10.21

Na manhã desta quinta-feira, 21, o ministro da Economia, Paulo Guedes, trocou de pele diante de todo o Brasil. O liberal cascudo, o homem que havia prometido apresentar ao país o “capitalismo de verdade”, o adepto intransigente da austeridade fiscal, realizou uma live para explicar como ele e Jair Bolsonaro, em parceria com luminares do Congresso, pretendem arrebentar o teto dos gastos públicos. Não deixa de ser chocante. Até poucos dias atrás, parecia que Guedes seria apenas o personagem derrotado numa guerra em que se opunham um grupo político empenhado em instituir um novo e polpudo programa assistencial, apto a aumentar os índices de aprovação do presidente, e uma equipe econômica comprometida com o controle dos gastos públicos. Depois da live, ficou claro que o ministro abandonou suas próprias ideias.

Foram muitas as consequências. O dólar subiu a 5,67 reais e fechou só um pouquinho abaixo disso, a 5,66. A Bolsa chegou a cair 4%, recuperou algum terreno e encerrou o dia com queda de 2,75%. Esses são sinais de que os investidores – aqueles com dinheiro grosso, capazes de criar novos negócios e novos empregos, e de fortalecer a economia – já não confiam no governo.

Quem acha que os solavancos na Bolsa e na cotação do dólar são apenas reflexos de um mercado excessivamente arisco deve olhar as taxas de juros de longo prazo. As taxas de 30 anos, que estavam em 4,2% no final de 2020, chegaram agora a 5,4%. É uma variação enorme para esse tipo de indicador, em apenas dez meses. Significa que o mercado já percebia as pressões para um relaxamento da disciplina fiscal. Agora que o próprio Guedes se abandonou à esbórnia, é improvável que essas taxas desçam.

Uma outra demonstração de perda de confiança veio de dentro do próprio Ministério da Economia. Quatro auxiliares de Guedes pediram demissão: o secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, e seus respectivos adjuntos. Todos alegaram “motivos pessoais”, mas ninguém acreditou. Como apurou O Antagonista, os secretários temiam responder por eventuais irregularidades na gestão das contas públicas.

Fred Loureiro/Secom-ESFred Loureiro/Secom-ESFunchal era visto como o fiador da responsabilidade fiscal
Pouco depois da debandada no ministério, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, do Progressistas, disse que Paulo Guedes permaneceria no governo. Mais tarde, Jair Bolsonaro disse o mesmo em uma entrevista. Isso mostra que eles não entenderam a verdadeira dimensão dos acontecimentos. A permanência de Guedes já não tem o mesmo significado. Desde que endossou a manobra para burlar o teto de gastos, o ministro já não é o garantidor de uma política econômica responsável.

“A percepção de que Paulo Guedes servia como dique de contenção já era”, afirma o economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado da FGV-Ibre e um dos grandes especialistas em contas públicas no Brasil. “O governo está incidindo em todos os erros históricos de condução da economia brasileira. Encurtou-se bastante o caminho que nos separa dos desastres de uma Argentina.”

A opinião de Giambiagi tem um peso peculiar porque ele não é um xiita do teto de gastos. No final de 2019, Giambiagi e o colega Guilherme Tinoco divulgaram um estudo cuidadoso, sugerindo uma flexibilização progressiva do teto a partir de 2023 – três anos antes da data estabelecida para uma revisão. A dupla partiu da hipótese de que o Brasil pode chegar a 2023 não só com capacidade nula de investimento, mas também sem recursos para cobrir os seus gastos correntes.

“Nosso argumento é que uma discussão honesta do assunto, pensando no longo prazo, não deveria ser tabu. Mas não é isso que está acontecendo agora. Do jeito que está sendo feita, a mudança que o governo quer fazer é puramente casuística e eleitoreira”, afirma Giambiagi.

O governo procura há meses um meio para viabilizar o lançamento do Auxílio Brasil, um Bolsa Família turbinado. Imaginou-se, primeiro, interromper uma série de programas assistenciais menos vistosos para liberar recursos para a nova iniciativa. Bolsonaro avaliou que os riscos políticos eram excessivos.

Mais recentemente, Guedes se articulou com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, para instituir a tributação dos dividendos em meio a uma reforma do Imposto de Renda. Essa cobrança seria a fonte de recursos para o Auxílio Brasil. Logo ficou claro que havia uma espécie de desvio de finalidade na mudança do IR. Ela não servia a nenhum objetivo propriamente tributário, como simplificar o sistema fiscal ou aumentar a sua progressividade: servia apenas para atender ao desejo de Bolsonaro de ter um Bolsa Família para chamar de seu. A reação foi grande e o projeto empacou no Senado.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéBolsonaro: em entrevista, ele garantiu que Guedes fica no governo
Diante desses fracassos, Guedes capitulou. Deixou de pensar em cortar gastos existentes ou criar novas fontes de receita. Apelou à gambiarra. Pelas regras do teto de gastos, o governo precisa manter estáveis suas despesas de um ano para o outro, reajustando-as apenas segundo a inflação. Atualmente, esse índice é o IPCA apurado entre julho de um ano e junho do ano seguinte. Pretende-se, agora, utilizar o IPCA apurado entre janeiro e dezembro. Estima-se que essa mudança possa aumentar em 44,7 bilhões de reais a margem de despesas do governo.

A gambiarra do IPCA foi incluída nesta quinta-feira numa PEC que já tinha um quociente elevado de malandragem. Trata-se da PEC dos Precatórios, que permite ao governo atrasar o pagamento de dívidas do poder público já reconhecidas pela Justiça. Os precatórios a serem pagos em 2022 equivaliam a 89 bilhões de reais. O governo foi pego de surpresa pelo valor – o que, dito sem rodeios, significa que foi incompetente. O espantoso é que, ao pedirem ao Congresso e ao Judiciário licença para dar calote em quem tem precatórios para receber, Guedes e Bolsonaro se dispuseram a desembolsar no ano que vem menos do que desembolsaram neste ano com essa conta. O valor cairá de cerca de 60 bilhões de reais em 2021 para 41,5 bilhões em 2022. A PEC foi aprovada ainda nesta quinta.

Entre a mutreta do IPCA e o calote dos precatórios, o governo terá aproximadamente 86 bilhões de reais para torrar acima do teto de gastos, no ano que vem. Cerca de 30 bilhões serão direcionados ao Auxílio Brasil, que deve entregar todos os meses 400 reais a 17 milhões de famílias – 300 reais dentro do teto, e 100 fora dele.

Depois do baque da pandemia, não seria justo e correto direcionar recursos para quem mais precisa? Sim. O problema é como isso está sendo feito. Lembremos que os cofres públicos não contam com esse dinheiro. O país vai aumentar ainda mais o seu rombo fiscal ao despender esses recursos. Como visto, o baque na confiança do mercado causado pelos ardis do governo tem reflexos como a desvalorização do real diante do dólar. Tudo isso se reflete em mais inflação, em menos crescimento da economia e num Brasil que se afasta da rota do desenvolvimento. E quem pagará mais caro por isso são os cidadãos mais pobres, que o governo diz querer ajudar sem interesse eleitoreiro.

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