Carlos Fernandodos santos lima

A tentativa de domar o Ministério Público

15.10.21

A PEC 5/2021, proposta pelo deputado federal petista Paulo Teixeira, membro ativo da tropa de choque do Partido dos Trabalhadores, e encampada com entusiasmo pelo deputado Arthur Lira, comandante-em-chefe do nefasto agrupamento fisiológico chamado Centrão, é simplesmente a tentativa de destruição da independência do Ministério Público e a subversão definitiva dos princípios constitucionais criados pela Constituição Cidadã de 1988 para o combate ao crime, especialmente aqueles cometidos por poderosos.

É preciso lembrar que a situação atual é semelhante àquela que, às vésperas das gigantescas manifestações de 2013, acontecia no mesmo Congresso Nacional, que, por meio da PEC 37, pretendia impedir que o Ministério Público pudesse promover investigações autônomas, próprias e independentes sobre organizações criminosas de todas as espécies, inclusive aquelas que operavam dentro do próprio estado. Talvez prevendo o que viria no ano seguinte com a Operação Lava Jato, políticos defendiam que somente a polícia poderia investigar, certamente interessados em exercer algum poder sobre o destino de investigações importantes.

Não que se desconfie da polícia, que nestes últimos anos tem se revelado muito resistente e resiliente à influência dos políticos no desenvolvimento de grandes investigações, mas o episódio da renúncia de Sergio Moro do Ministério da Justiça demonstrou claramente que há muitas autoridades públicas, inclusive o próprio presidente da República, que desejam exercer esse controle, mesmo que ilegal, sobre as instituições, usando para isso de medidas administrativas cujo objetivo final é o de constranger delegados, agentes e peritos.

Não fosse a adoção da defesa do Ministério Público pelas manifestações espontâneas de 2013, certamente a famigerada PEC 37 teria sido aprovada e não teríamos tido as revelações da corrupção sistêmica na Petrobras, Eletronuclear, obras da Copa e Olimpíadas, Anel Rodoviário de São Paulo, governo do Rio de Janeiro, dentre tantas outras notícias de crimes promovidos não somente pelo governo do Partido dos Trabalhadores, mas também por outros partidos, todos envolvidos em uma “corrida pelo dinheiro público”, especialmente o ilícito, em todas as esferas da federação, tudo para financiar caríssimas campanhas eleitorais e o controle de partidos e bancadas.

Se as manifestações de 2013 e seguintes foram preponderantes para que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal pudessem desenvolver o trabalho extenso de mapeamento da corrupção política no Brasil que caracterizou a operação Lava Jato, o arrefecimento do apoio popular, com o cansaço natural da população pelos seguidos anos de manifestações e a desmobilização e desapontamento com a eleição de um outsider mentiroso como Jair Bolsonaro, falso apoiador do combate à corrupção, permitiu que a classe política se reaglutinasse e, na tentativa de retomar o controle, aprovasse seguidas leis que tornaram ineficientes diversos mecanismos legais de investigações usados pela Operação Lava Jato.

Além disso, na esteira do acordão Toffoli-Maia, o próprio Supremo Tribunal Federal passou a rever muitos dos seus posicionamentos, permitindo o enfraquecimento das investigações, que deixaram de existir inclusive na própria Procuradoria-Geral da República, sob controle do subserviente Augusto Aras, dócil representante do Ministério Público anterior à Constituição de 1988. O que aconteceu, portanto, foi uma reação orquestrada do “mainstream” político, com seus braços no Poder Judiciário, para reverter condenações e para bloquear qualquer nova investigação ao estilo Lava Jato no futuro.

Assim, usando a insidiosa estratégia desenvolvida por Rodrigo Maia na sua ultrajante presidência da Câmara dos Deputados, esse agrupamento de políticos fisiológicos percebeu que a aprovação sem discussão pela sociedade, na calada da noite e ao atropelo do regimento interno de medidas contra o combate à corrupção, é relativizada por boa parte da imprensa, que se encontra amortecida intelectualmente pelos abusos de Jair Bolsonaro e reage de maneira maniqueísta a tudo que possa ser entendido como motivo de sua eleição, inclusive, mas equivocadamente, a operação Lava Jato. Mesmo bons jornalistas repetem a ladainha de que a operação cometeu abusos, mas são incapazes de nominar qualquer fato irregular relevante que tenha sido cometido pelos procuradores da República ou policiais federais.

Dessa forma, num país dividido e polarizado, com uma população cansada de abusos reais, mas confusa pelas fake news, e com uma parcela importante da imprensa incapaz de ir além de um pensamento simplório, a classe política vem nadando a braçadas na busca de tornar a política uma terra sem lei, utilizando para isso não só a imposição de uma mordaça ao Ministério Público, com a Lei de Abuso de Autoridade, mas a perseguição de membros da operação Lava Jato.

Nesse aspecto é que se pode entender o abuso, para não falar da evidente inconstitucionalidade, da PEC 05/2021. É justamente com o controle da nomeação de membros do Conselho Nacional do Ministério Público, o CNMP, que políticos fisiológicos ou corruptos vêm exercendo pressão ilegal, ilegítima e imoral sobre o Ministério Público. O que a PEC 5 traz é a consolidação do controle da classe política sobre procuradores da República e promotores de justiça, coisa que já acontece hoje em decorrência da ausência de sabatina de 3 membros do CNMP pelo Senado Federal, fazendo com que a proporcionalidade da representação da classe naquele conselho esteja subvertida.

Dessa forma, vemos uma vendeta contra Deltan Dallagnol e Diogo Castor, membros da operação Lava Jato, utilizando-se de procedimentos administrativos disciplinares para torná-los exemplos do que acontecerá com aqueles membros do Ministério Público que ousarem a investigar novamente poderosos. Para tanto, compreende-se o motivo e relevância do controle do cargo de corregedor do CNMP, um dos principais objetivos da PEC, pois é justamente com o desvio da finalidade desses procedimentos disciplinares é que se pretende atemorizar e calar o Ministério Público.

A hipocrisia é tamanha que é exatamente aquele Congresso Nacional que não puniu qualquer dos parlamentares envolvidos na corrupção revelada pela Operação Lava Jato quem pretende impor aos membros do Ministério Público um definitivo cala-boca, uma mordaça, uma obrigação de fazer vista grossa, sob o risco de que qualquer incômodo aos sacrossantos políticos possa a vir ser usado para punições severas. O certo é que não podemos nos fiar nem mesmo no reconhecimento da inconstitucionalidade dessas medidas pelo STF, pois este órgão encontra-se dividido entre os defensores da Constituição e os advogados da classe política.

Entre este momento que escrevo este artigo e sua publicação, veremos intensa movimentação de deputados fisiológicos e/ou corruptos para aprovar a PEC. A única esperança é a reação social e a proximidade das eleições para o legislativo federal. O que os políticos temem é a perda de poder. Nominar um a um cada um desses traidores da Constituição de 1988 é a única estratégia para os conter. Os danos para o país que a PEC 05/2021 pode trazer ao país, interna e externamente, pois a própria OCDE tem acompanhado a destruição dos mecanismos de combate à corrupção, serão muito difíceis de reverter.

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