O clube do colchão
Em setembro do ano passado, a Polícia Federal atingiu uma marca sem precedentes até para os padrões da corrupção no Brasil. Depois de 14 horas de trabalho usando sete máquinas de contar dinheiro, os policiais chegaram à incrível cifra de 51 milhões de reais em dinheiro vivo, apreendidos em um apartamento vazio em Salvador. A montanha de cédulas levou à prisão de Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Michel Temer e uma das estrelas do MDB que até hoje segue no presídio da Papuda sem conseguir convencer a Justiça sobre como era possível ter esse patrimônio às escondidas. Mas o bunker de Geddel parece não ter melindrado políticos a seguirem na prática arcaica (e estranhíssima) de guardar fortunas em espécie. Um levantamento feito por Crusoé mostra que cerca de 2.400 candidatos nas eleições deste ano guardam um total de incríveis 300 milhões de reais em espécie, o que dá uma média de 125 mil reais por cabeça. Se as “malas de Geddel” fossem uma unidade de medida, seriam necessárias 53 delas para guardar todo esse dinheiro — o ex-ministro usou nove.
Guardar dinheiro em espécie, vale dizer, não é crime. Mas, em 2018, com os inúmeros casos de corrupção e as operações de busca e apreensão da Lava Jato mirando políticos envolvidos em transações ilegais, o que levaria alguém a manter valores tão elevados em casa? E, mais do que isso: por que declarar ser portador de tanto dinheiro vivo? Uma das “vantagens” para os enrolados que se enquadram nessa situação é que, em caso de flagrante, é possível sempre dizer que a bufunfa estava devidamente informada à Receita. Outra é ter sempre uma margem para justificar a movimentação de recursos sem deixar rastro. Não há, obviamente, registro de quando um valor desses entra ou sai – nem de sua origem ou destino.
O registro da posse é feito, geralmente, na declaração de imposto de renda. No caso dos políticos, como a lei obriga que eles informem seu patrimônio à Justiça Eleitoral, esses dados são tornados públicas. Assim, de quatro em quatro anos, é possível saber quem nutre o estranho hábito de guardar dinheiro debaixo do colchão. Nessa turma há alguns que chegam ao paroxismo de declarar a posse de mais de 1 milhão de reais em espécie. O clube do milhão congrega 38 candidatos. Entre eles há empresários, agricultores e também alguns políticos de longa data. O campeão é Juraci Carvalho, conhecido com Juraci da Tesoura de Ouro, dono de uma rede de lojas de confecção no Distrito Federal. Ele quer ser deputado federal pelo PTB e registrou guardar 5,3 milhões em cash. Seu patrimônio é de 7,1 milhões — ou seja, 74% de tudo o que declara é dinheiro vivinho. O potentado é um ilustre desconhecido. Mas há excelências mais ilustres no clube. Como Marx Beltrão, deputado federal pelo PSD de Alagoas e ex-ministro do Turismo de Michel Temer.
O levantamento de Crusoé mostra ainda uma situação curiosa. Valdir Raupp, do MDB, é senador e um dos políticos mais influentes de Rondônia. Candidato à reeleição, ele empobreceu desde 2010, última vez que declarou bens ao Tribunal Superior Eleitoral. Somando todo o seu patrimônio, ele tinha 728 mil reais, dos quais 412 mil eram em espécie. Neste ano, o total do patrimônio do senador caiu para quase um terço – e o dinheiro em espécie desapareceu de sua declaração. Mas Raupp está longe de passar por algum tipo de crise financeira. A bonança segue em família, mas com a mulher dele. Marinha Raupp, deputada federal, aumentou seus bens em 40% desde 2014. Só em dinheiro vivo, são 620 mil reais em 2018 – ou seja, ela tem em cash o triplo de todo o patrimônio do marido e principal fiador de sua candidatura. Achou estranho?
No passado, a ex-presidente Dilma Rousseff também guardava valores em espécie. Eram 152 mil reais. Certa vez, indagada sobre o assunto, ela gaguejou e disse que dava dinheiro para a filha viajar, mas não fazia transferência eletrônica, e vez ou outra acabava depositando na poupança. Agora candidata ao Senado, ela não mais declara ter valores em casa. Além de imóveis, Dilma diz ter cerca de 500 mil reais no banco – parte na poupança e parte em uma conta corrente.
Presidente da Unafisco, a associação que reúne os auditores da Receita Federal, Kleber Cabral diz que o dinheiro vivo “deve ser causa de suspeição porque pode ser para esquentar recursos e ter respaldo em operações futuras. Muitas vezes o dinheiro nem existe”. Ele acrescenta que a Receita tem como verificar a existência dele ou não, mas, como a ênfase é na arrecadação, “muita coisa acaba passando, vira caso policial e só depois vamos atrás”. Não é preciso ir longe para encontrar exemplos. Propinas da Lava Jato, por exemplo, circularam em dinheiro vivo e ficaram por anos fora do radar das autoridades. Mas havia também as consultorias de fachada, utilizadas para esquentar os valores e justificar a entrada e saída das contas. Com direito a nota fiscal, o imposto era recolhido e tudo ficava em paz.
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