Carlos Fernandodos santos lima

Mil dias e um desastre

01.10.21

Não há mal que nunca acabe! Talvez esse ditado não tenha antes trazido tanta esperança para os brasileiros como agora. Pense bem! Faltam pouco mais de 450 dias para nos livrarmos desse desastre autoritário e incompetente chamado Jair Bolsonaro e do flagelo de seu desgoverno. Este talvez seja o único sentimento positivo por trás desses mil dias desde sua posse.

Além disso, é possível comemorar que são pequenas as chances de Jair Bolsonaro ser reeleito o próximo presidente do Brasil, apesar do risco de que sua inaptidão para governar acabe coroando a volta de outro mal-intencionado, aquele que não faz muito tempo estava preso – e bem preso – por corrupção.

É certo que nesses mil dias pouco se pode apontar de progresso. Se o governo começou com a esperança de ministros competentes como Moro, Mandetta e Santos Cruz, dentre outros, Bolsonaro acabará seus quatro anos com um ministério de desqualificados que lhe são espelho, pois mais afeitos a baixarias como a de dirigir gestos obscenos contra manifestantes que a governar.

Nesse período, salvo pela reforma de Previdência, o país pouco fez para resolver os intrincados problemas estruturais que possui. Na verdade, essa incompetência para a construção de soluções não é surpresa, pois Bolsonaro jamais se comprometeu realmente com qualquer das promessas de campanha. É sempre bom lembrar que justamente por suas falhas morais e seu caráter pérfido e destrutivo, revelados ainda durante a ditadura com seu plano de plantar bombas em lugares públicos, ele foi reformado indignamente pelo Exército. Agora, da mesma forma pronto para atrapalhar, Bolsonaro passou a boicotar o seu próprio governo, incapaz que é de estabelecer uma agenda positiva, qualquer que seja.

Além disso, Bolsonaro é pequeno e invejoso. Ao perceber que seus ministros se empenhavam na construção de agendas positivas, seja Moro com seu projeto anticrime, seja Mandetta com o combate ao coronavírus, Bolsonaro deu vazão ao seu espírito mesquinho, passando a ver fantasmas nesses dois ministros, como possíveis adversários para a sua reeleição. Dessa forma, o ex-capitão do Exército passou a fazer o que sabe melhor, ou seja, a atirar em sua própria tropa pelas costas.

Esses tiros, contudo, não acertaram esses dois políticos, hoje nomes considerados para a terceira via contra Bolsonaro e Lula. Os disparos de Bolsonaro, na verdade, acertaram os avanços no combate ao crime organizado e corrupção, uma das bandeiras que empunhou falsamente durante a campanha. Aliás, Bolsonaro vangloria-se justamente de ter matado a Lava Jato, a operação anticorrupção que usou indevidamente para se contrapor ao Partido dos Trabalhadores. A verdade é que em nenhum outro governo na história da Nova República houve tamanho retrocesso nos instrumentos jurídicos e institucionais para investigações e punições de criminosos e corruptos.

Além do assassinato da Lava Jato, os tiros desferidos de seu cercadinho contra as medidas de prevenção na pandemia da Covid, especialmente contra o distanciamento social, isolamento, uso de máscaras e vacinas, resultaram em mais mortes de brasileiros que todas as armas de fogo no país no mesmo período ou que todas as baixas das Forças Armadas brasileiras em toda a sua história. Pode-se dizer, portanto, que o principal resultado do governo Bolsonaro é a morte, no seu sentido real e metafórico.

O seu despreparo – ou má-fé, dependendo do ponto de vista –, para governar é tão grande que só há dois grupos de políticos que aceitam hoje fazer parte desse governo. O primeiro é composto por arrivistas, despreparados ou aventureiros loucos por qualquer oportunidade de negócio ilícito, nem que seja o superfaturamento de vacinas contra a pandemia, enquanto brasileiros morriam pela política oportunamente negacionista do governo, até.

O outro apoio que lhe resta é o de seus ex-correligionários do Centrão, agora firmemente nas rédeas da máquina estatal e que também se junta aos arrivistas, quando enxergam oportunidades. O Centrão nada mais é que um gigantesco verme parasita do poder na Nova República, garantindo apoio para a governabilidade a todos os presidentes eleitos, desde que devidamente alimentados por dinheiro público lícito e ilícito, sempre em detrimento da tísica sociedade brasileira. Mas, inconfiáveis que são, tão logo percebem um novo governo ou a derrocada do atual, abandonam seu velho hospedeiro para, felizes, parasitarem o novo.

Entretanto, como o Centrão apenas almeja o controle indireto da máquina pública por meio da venda de apoio ao governo, não são seus membros vistos por Bolsonaro como concorrentes a sua reeleição, pelo que o presidente se sente tranquilo com a tutela que lhe é oferecida, pois assim pode contar com o apoio parlamentar que precisa para evitar o impeachment.

Assim, a única vitória política de Bolsonaro foi a de ter evitado o seu impedimento, mas não há qualquer esperança de que os seus 450 dias faltantes de governo sejam de alguma forma melhores que os mil que ficaram para trás. Não bastassem sua pequenez moral e intelectual, destrutividade e falta de espírito público, Bolsonaro enfrentará circunstâncias adversas durante todo o ano de 2022. Como dizia o grande Barão de Itararé, “de onde menos se espera, daí que não sai nada”. Se de Bolsonaro, na bonança, não se pode esperar muita coisa, imagine em um possível cenário de inflação, desemprego e baixo crescimento.

Dessa forma, salvo pela superação gradual da pandemia – graças à vacinação que lhe foi imposta pela sociedade brasileira –, os indicativos gerais da atividade econômica lhe são bastante desfavoráveis, especialmente no que se refere à situação fiscal, câmbio, preço do petróleo e inflação.

Assim, a perspectiva de manutenção do dólar em patamares elevados, causado pela desconfiança generalizada na economia brasileira, coloca sob pressão os índices inflacionários. Ninguém acredita mais na existência de um super ministério da Economia, comandada pelo Posto Ipiranga Paulo Guedes, pois a incapacidade deste ministro na articulação de reformas e sua insensibilidade social já esgotaram a crença em sua competência para o cargo. Aquele que era para ser um ministro insubstituível, pois garantia das promessas de campanha de Bolsonaro na área econômica, hoje se agarra ao cargo como um náufrago a uma boia.

Dessa forma, Paulo Guedes será incapaz de conter o avanço da tropa comandada por Arthur Lira e Ciro Nogueira, sob aplausos de Jair Bolsonaro, contra os cofres públicos em um ano de reeleição, especialmente considerando o derretimento dos índices de aprovação do presidente. Isso pressionará ainda mais a difícil situação fiscal, gerando mais descrédito no mercado. Esse círculo vicioso, entretanto, está longe de estar completo.

Se o dólar alto já introduz um componente de difícil controle para a equipe econômica, o preço do petróleo em alta realimenta ainda esse processo, fazendo com que o preço dos combustíveis – e de toda cadeia do petróleo – encaminhe-se para altas recordes, pressionando a inflação e derretendo ainda mais a base de apoio ao presidente, especialmente entre os caminhoneiros.

A inflação, portanto, carregada ainda de forte componente inercial, persistirá durante boa parte do próximo ano. As perspectivas externas também são preocupantes, pois uma desaceleração no crescimento chinês pode impactar significativamente nossas exportações. Já vemos isso com o preço do minério de ferro e o valor das ações da Vale. Assim, um dos poucos setores de nossa economia pujantes durante a pandemia, o de exportação de commodities, pode ser seriamente afetado.

Resta a Jair Bolsonaro rezar para São Pedro ou contratar uma dança da chuva em escala continental para evitar, em uma contradição irônica, a tempestade econômica perfeita, pois a escassez de chuvas pode ainda acrescentar aos atuais problemas econômicos e sociais um cenário de apagões do sistema elétrico e alta de tarifas, com reflexos inflacionários e até mesmo de falta de água para o abastecimento da população e para a agricultura e pecuária.

Certamente os brasileiros não merecem o drama que se desenha para o próximo ano, assim como a população do Egito não mereceu as sete pragas enviadas por Deus, para punir as negativas do faraó a Moisés. Mas, se o faraó Bolsonaro continuar esse seu desgoverno, certamente em 2022 seremos atingidos pela versão moderna dessa punição bíblica.

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