DiogoMainardina ilha do desespero

A vala comum do bolsonarismo

24.09.21

Hesitei um bocado antes de escrever esta coluna. Meu pai era cliente da Prevent Senior. Ele morreu de Covid em agosto do ano passado, no hospital Sancta Maggiore. Quando anunciei sua morte, os bolsonaristas abarrotaram as redes sociais com mentiras, negando que ele houvesse morrido de Covid. Nise Yamaguchi, a principal animadora do gabinete paralelo do Ministério da Saúde, encarregou-se pessoalmente de espalhar falsidades sobre ele em grupos de WhatsApp. Na véspera de sua morte, conversei com a médica que o atendia na UTI. Ela disse que o vírus havia atingido seu rim (ele só tinha um). Ela disse também que, com toda a probabilidade, meu pai havia sido infectado no próprio hospital, depois de ser internado com uma pneumonia.

O motivo pelo qual hesitei em escrever sobre a Prevent Senior foi esse meu envolvimento pessoal e direto. Falei diversas vezes sobre a morte de meu pai, sem o menor constrangimento, mas não citei o plano de saúde porque meu juízo estava envenenado pela dor. Além disso, eu queria evitar que seu nome fosse novamente conspurcado pelos bolsonaristas, que o usaram para acobertar seus crimes. Só resolvi escrever sobre o tema na quarta-feira, depois que a CPI da Covid acusou a Prevent Senior de ter fraudado os atestados de óbito de Anthony Wong e Regina Hang. Assim como meu pai, eles morreram de Covid. Assim como meu pai, eles estavam internados no hospital Sancta Maggiore. Assim como meu pai, houve a tentativa de ocultar a causa de suas mortes. Segundo o prontuário de Anthony Wong, a médica responsável por seu caso era aquela mesma Nise Yamaguchi.

Os documentos hospitalares obtidos pela CPI mostram que ambos foram diagnosticados com Sars-CoV-2 e, em seguida, medicados com o “kit Covid”, composto por hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina. Anthony Wong recebeu até ozonioterapia retal. Não sei se meu pai também foi submetido a esses experimentos sádicos. O fato é que, no atestado de óbito de Anthony Wong, consta que ele morreu de choque séptico, pneumonia, hemorragia digestiva alta e diabetes mellitus. No de Regina Hang, disfunção múltipla de órgãos, choque distributivo refratário, pneumonia bacteriana, síndrome metabólica e acidente cerebral isquêmico prévio. Tanto num caso quanto no outro, não há nem sombra do vírus. O diretor da Prevent Senior, em seu interrogatório na CPI, confessou que a Covid era apagada do registro dos pacientes depois de 14 dias no hospital.

Para fraudar a causa da morte de Anthony Wong e Regina Hang, o hospital Sancta Maggiore contou com a cumplicidade de dezenas de funcionários, entre médicos e enfermeiros, que seguiram as ordens de seus chefes. Como disse Mario Sabino, em O Antagonista, é preciso intervir judicialmente na Prevent Senior, afastando sua diretoria. É claro, porém, que essas duas fraudes refletem algo ainda mais pavoroso: a perversão assassina que acometeu o Brasil durante a epidemia, em que a insanidade bolsonarista foi manobrada por um bando de quadrilheiros, a fim de ocultar 600 mil mortes na vala comum da idiotice e da barbárie. O dever de todos aqueles que, como eu, perderam seus afetos para o vírus é revirar seus cadáveres e trancar os criminosos na cadeia.

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