MarioSabino

Flashback

24.09.21

Eu gosto de dançar. Rock e pop, basicamente. Dança de salão: sou incompetente, ao contrário de um dos meus irmãos, verdadeiro pé de valsa (ou salsa). Muitos anos atrás, ele e a sua primeira mulher pararam uma discoteca em Nova York, enquanto dançavam ao som de La Isla Bonita, da Madonna. Era um verdadeiro deleite vê-los rodopiar juntos.

Meu negócio é apenas sacudir o esqueleto. Nunca pensei que gostar de dançar pudesse ser um problema, até ter filhos. Quando pequenos, eles dançavam comigo. Ao adolescer, não apenas deixaram de me acompanhar nas coreografias caseiras, como passaram a ter vergonha de assistir ao pai dançando. E eu comecei a me sentir intimidado.

Não é fato intransferível. Alguns anos atrás, assisti a uma entrevista do Mick Jagger. Lá pelas tantas, ele disse que os seus filhos, quando adolescentes, tinham vergonha de ver o pai dançando — o que convenhamos era um problema, visto que, bem, ele era o Mick Jagger. Como não parou de procriar, a estrela dos Rolling Stones deve ter sido alvo de vergonhas alheias juvenis durante mais anos do que a média de nós todos.

Tendo a crer que os filhos adolescentes têm menos de vergonha de ver os pais dançando como casal do que os ver dançando individualmente. Além da dança individual apontar para uma liberdade indesejada para os pais, sexual e social, ela representa a quebra de um código segundo o qual somente os jovens teriam direito a fazer uso do seu corpo da maneira que quiserem. É como se as sucessivas revoluções de costumes tivessem prazo de validade para cada um: se você passou de certa idade, nada de sair requebrando por aí, da forma que bem entender. Contente-se com dançar limitado por passos pré-determinados.

A coisa piora se você gosta de dançar músicas que eles ouvem ou que os amigos deles ouvem. Aí, é caso de prisão. Como assim você ousa gostar da Dua Lipa? Não seja ridículo, pai. Mas a Dua Lipa, filho, só existe por causa da Lady Gaga, que por sua vez só existe por causa da Madonna, que por sua vez só existe por causa da música disco, que é da minha época…

Você percebe que está ficando velho quando começa a falar em “minha época”. Como se a época atual não fosse igualmente nossa e herdeira da que vivemos décadas antes. Somos obrigados e nos obrigamos a pensar nas nossas juventudes como momentos estanques — e ficamos, então, aprisionados no nicho da indústria cultural de que são expressão as “noites flashback”, um bando de velhos lembrando-se dos “bons tempos”, enquanto estalam os ossos ritmadamente, sem o olhar reprovador de quem geramos e criamos. Até que um dia nos surpreenderemos ao olhar para o lado e verificar que os nossos filhos adultos também estão lá, longe da condenação que os nossos netos lhes impõem, quase todos, enfim, vivendo na mesma época passada.

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  1. Adoro tudo o que você escreve, Mário. Vou comprar o livro amanhã. Tentei agora e não consegui. Deve ser a pane das redes.

  2. Mario Sabino, meu filho tem 7 e desde os 4 anos não gosta de me ver dançar... quando danço e canto Don't stop me now do Queen é quase uma ofensa para ele 😆. Obrigada por mais um texto delicioso...

  3. Mario,tenho 73 anos,final de semana ponho musicas variadas dos anos 60 ,danço sozinha, meus filhos dão risadas não estou nem aí , adoro dançar,não sou dançarina mais procuro relaxar meu esqueleto .

    1. Eu também danço na sala..Meus filhos riem mas aprovam.

  4. Console-se, Mário. Todos nós passamos a ser "vergonha alheia" quando os filhos se tornam adolescentes. Aqui também não foi diferente.

  5. Sou radical. Tenho horror dessa moçada dançando garrafinha, rap e macaquices de auditório sacudi do as asas e dando pulo nos pros lados. Gosto do huly guly, twist e rock and roll. Beatles, for ever.

  6. Sabino, como já escrevi aqui, sou cinéfila é tarada por dança de salão, frevo , roda de samba e Verdi. Uma de minhas frustrações é que casei com Argentino navegador solitario trazido pelo mar ! Marina do Iate Club de Natal na Copa de 98, jogo Brasil Martocos. O portenho veio 1a vez em casa, pra me ensinar tango...Só dançamos essa vez e mais 4 até hoje...

  7. É verdade. Saber rodopiar no salão, com a namorada (já estabelecida) ou com a “escolhida” pra ser a provável “futura”, era um fator diferencial importantíssimo nos meus 15,20,30 anos. Eu treinava horas pra encaixar os passos certos e poder “paquerar” aos pés dos ouvidos delas, sussurrante. Será que ainda existe isso?

  8. Mario: Aos 70 -e sempre dancei os passos da moda - tenho envergonha alheia de ver esta juventude batendo o pé fora do tempo da nota musical ! Não importa o som tudo são notas musicais . Aritmética !!

  9. Dizem que mãe é tudo igual; só muda o endereço! Filhos também são todos iguais e as estórias se repetem em todos os domicílios. Já com netos a coisa muda de figura… adoro dançar com os meus netinhos de 4 anos - tanto o menino quanto a menina. Aos olhos deles devo ser a melhor dançarina do mundo!

  10. Você me faz lembrar do “Zorba, o grego”, que dizia que quando estava muito triste ou muito feliz tinha que dançar para não explodir. Acho que é assim mesmo. Dançamos para não explodir. Os filhos, um dia entenderão, ou não.

  11. que sentimento bom de não me sentir culpado de ser feliz por alguns momentos enquanto me divirto lendo o que escreveu! essa sacada da evolução musical até dua lipa foi brilhante! por conta dos filhos, as obrigações do cotidiano nos impedem de ouvir rádios, trocar fitas, falar das novidades... os pais ficamos sem ar para que os filhos respirem,então ficamos presos ao que ouvíamos em nossa juventude. felizmente agora está mais fácil, basta dar uma escapadinha pela internet, que é uma brasa, mora ?

    1. ... Um português primoroso. ... Ajuda-me a ficar menos analfabeto.

  12. Filhos acharem que estão pagando mico por causa dos pais é algo tão antigo quanto a mais antiga das profissões. Que se dane, a vez deles vai chegar, rsrsrsrs.

  13. Me veio à mente quando um dia peguei meu tio dançado sozinho na sua cozinha. -Dançado sozinho tio? _Você viu? _Claro que vi né! _Então eu não estava sozinho. A dança deve aguçar humor também.

  14. O pior que me vejo caçoando da minha mãe cantando os sucessos de Silvio Caldas e Pixinguinha, só depois aprendi a valorizar o que é bom, se bem que nos anos 70 e 80 concordo que houve muito entulho musical exceto Led Zeppelin

  15. Lembrei imediatamente da música "Eu não sei dançar", interpretada pela Marina. É uma música melancólica, como têm sido as tuas crônicas ultimamente. Também sou velho e já gostei de dançar - não gosto mais. Me veio também à lembrança, e ai não sei bem o motivo, a música "Baladas", do Nei Lisboa, na qual ele diz, entre outras coisas, que "vivemos de paixão e alguma grana", bem anos 70/80. É uma balada bonita, que vale a pena escutar.

  16. Mario, um dia ainda te “tiro pra dançar”. Juntos ou separados, não importa. De qualquer maneira já vou me contentando em bailar ao ritmo de suas belas palavras toda semana por aqui mesmo.

  17. Rsrsrs...eu adoro dançar...rock...forró...samba...pop...pagode...quase tudo...e hoje...já avó...nem ligo se alguém se envergonhar...porque ninguém tem nada a ver com isso...e tenho plena consciência da minha idade. "Sacudir o esqueleto" faz um bem grande a alma...deixa o espírito mais leve.

  18. Realmente Mario ,nesse deserto de boas crônicas , onde possamos lembrar de reminiscências, sua crônica é um oasis. Sempre se superando . Um enorme abraço.

  19. Que m....da! Nunca aprendi a dançar e morro de inveja de quem sabe. Acho que vou morrer com essa frustração pois já tenho 75 nas costas.

  20. Minhas pequenas amam dançar cmg! Meus 450 pequenos tb (sou prof. de educação física e todos os alunos da escola são meus), mas eu lembro que rolava de rir qdo meu pai dançava, aliás eu já estou rindo feito boba aqui só de lembrar! 🤣🤣🤣 Aaaiii na minha vez....🥴

  21. Delícia Mário! Um texto Soft no meio de um bombardeio de artilharia pesada , e você nos aparece com essa flor , para nos lembrar de que sobretudo, mesmo em guerra, veneramos a paz!! Obrigada!🌹🌹

  22. Sempre um texto primoroso!!! Amo música e nunca soube dançar, acho que já nasci velho, mesmo ainda tendo 38 anos!! Adoro seus textos, políticos ou não, são sempre leitura obrigatória nas sextas-feiras e prazeirosas

    1. Parabéns Mário! Sua coluna hoje foi um verdadeiro baile, até mesmo para os que não sabiam dançar, conseguiram mexer o "esqueleto"...

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