Carlos Fernandodos santos lima

Perspectivas pós-manifestações

17.09.21

A adesão significativa do movimento bolsonarista às manifestações de Sete de Setembro – que tiveram como pauta a destituição dos ministros do Supremo Tribunal Federal e a intervenção militar com Bolsonaro no poder – e a baixa adesão da população às manifestações de 12 de setembro a favor do impeachment do presidente levantam algumas reflexões a respeito do futuro pleito presidencial.

A primeira delas é a respeito da capacidade real do movimento bolsonarista de mobilizar sua base, cada vez menor, é verdade, mas muito aguerrida, em torno de inimigos escolhidos pelo gabinete do ódio do Palácio do Planalto. Fica claro que a linguagem populista, o uso das fake news e das redes sociais e a manipulação de preconceitos encontram forte eco em cerca de 20% da população, e que a influência dessa máquina durante a campanha não pode ser subestimada, especialmente para demonizar os adversários e criar adesões de última hora.

Por outro lado, está óbvio que o impeachment de Bolsonaro não empolga a população tanto quanto empolgou a mesma campanha contra Dilma Rousseff. Apesar de a maioria da população apoiar o impedimento – 58%, segundo pesquisa realizada entre 16 e 18 de agosto – e desaprovar o atual governo – 61%, de acordo com pesquisa divulgada no último dia 6 –, há uma imensa fragmentação no campo democrático que torna bastante difícil nesse momento a união em torno de uma pauta comum. Uma coisa é responder a uma pesquisa, outra é ir a uma manifestação onde pautas estranhas e antigos adversários também lá estarão.

De qualquer modo, já se percebe uma maturidade maior das lideranças da chamada terceira via, pois a manifestação da Avenida Paulista, originalmente organizada pelo MBL e pelo VemPraRua, contou com a participação expressiva da esquerda, representada significativamente por seu nome mais forte para as próximas eleições depois de Lula, Ciro Gomes, e da direita liberal, representada por João Amoêdo, passando pelos centristas Luiz Henrique Mandetta e João Doria. Estarem todos esses nomes na mesma manifestação já indica que é possível pensar em uma frente anti-Bolsonaro nas próximas eleições.

Mas há ainda o Partido dos Trabalhadores, que não somente não aderiu às manifestações, como ainda incentivou o seu boicote, preferindo apostar em uma manifestação própria no dia 2 de outubro próximo. Não se poderia esperar atitude diferente do PT e de Lula, pois jamais esse partido apoiou qualquer coisa que não fosse por ele liderada. Assim como votou contra a Constituição de 1988 e contra o Plano Real, o PT mantém a mesma ideia de ser Lula o “grande timoneiro” da esquerda, mesmo que para isso tenha que impedir a ascensão de qualquer outra liderança interna significativa ou de atropelar candidatos de outros partidos, como aconteceu com Marina Silva na eleição de Dilma e Ciro Gomes, na eleição de Bolsonaro. Além disso, o PT aposta em um segundo turno contra Bolsonaro para alcançar a vitória, temendo enfrentar um nome que não tenha a mesma rejeição do atual presidente.

Diante de tudo isso, fica claro que a vitória da terceira via passa pela superação dessa fragmentação e dos rancores acumulados nesses últimos anos, com a costura de um apoio ao nome que durante a campanha surgir com maior probabilidade de tirar um dos dois extremistas do segundo turno. Pelo lado da esquerda, é necessário que Ciro Gomes realmente se apresente como um candidato capaz de vencer Lula. Se Ciro Gomes chegar ao segundo turno contra Bolsonaro, terá maior facilidade de vencê-lo que Lula, pois não carrega como este a pecha de corrupto, que será lembrada durante toda a campanha. Além disso, Ciro poderá buscar apoio centrista com mais facilidade do que Lula, sem, contudo, perder tantos votos da esquerda mais radical.

Já no campo centrista, os nomes ainda deverão amadurecer. É realmente muito cedo para pensar em definições, pois até mesmo os nomes já conhecidos enfrentam dificuldades em seus partidos para se lançar candidatos. Assim, por exemplo, João Amoêdo desistiu de sua pré-candidatura a presidente pelo Partido Novo, devido a divergências internas, e Luciano Huck preferiu comandar o Domingão na Globo que se lançar em uma aventura eleitoral. Muitos nomes estão indo e vindo no noticiário, como o do senador Alessandro Vieira, do Cidadania, e o da senadora Simone Tebet, do MDB, existindo ainda muitas especulações sobre o futuro de Sergio Moro nessa disputa, possível candidatura essa que quase foi – ou ainda pode ser, pois nunca se sabe o nível de manipulação de Arthur Lira, obstada pela votação acelerada e sem discussão pública adequada do novo Código Eleitoral. De qualquer forma, não se pode esperar nenhuma definição dessas candidaturas no curto prazo.

Por outro lado, certo é que a disputa interna no PSDB resultará em um nome forte para o próximo pleito, pois tanto João Doria quanto Eduardo Leite possuem forte presença em seus estados, além de representarem um partido tradicional na política da Nova República. Outro nome forte é o do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que se capitalizou como liderança nacional ao se contrapor a Jair Bolsonaro no início da pandemia da Covid-19. Apesar de seu partido, o Democratas, ser tradicionalmente um partido reboque, seu nome pode surpreender, pois se trata de um político articulado e capaz. Além disso, há notícias de uma possível fusão do Democratas com o PSL, o que garantiria abundantes recursos para sua candidatura.

Algumas colunas dão notícia, aliás, que Mandetta, Moro, Santos Cruz, todos ex-ministros do início do governo Bolsonaro, e João Amoêdo realizam reuniões semanais para tratar da conjuntura política. É significativo que lideranças fora do espectro populista estejam conversando, pois estabelecer pontes nesse momento é mais importante que discutir nomes, mesmo porque ainda falta mais de um ano para as eleições.

Aliás, será esse um longuíssimo ano, no qual Jair Bolsonaro enfrentará fortes problemas na área econômica, com uma inflação persistente e um altíssimo índice de desemprego, coadjuvado por uma crise hídrica que poderá levar a um apagão elétrico, mas que certamente já impacta as expectativas inflacionárias. Em decorrência desse cenário, projeta-se um dólar próximo de 5 reais, o que levará a inflação a ficar, novamente, acima do teto da meta para 2022, bem como manterá em um nível excessivamente alto o preço dos combustíveis, retroalimentando todo esse círculo vicioso. Dessa forma, salvo pelo arrefecimento da pandemia em virtude da vacinação, não parece que o governo Bolsonaro terá qualquer bonança para o próximo ano.

Mesmo assim, a menos que tente novamente o caminho da aventura golpista, Jair Bolsonaro seguirá até o fim de seu mandato. Possivelmente não chegará fortalecido até lá, mas não se pode descartar, como alertamos, que o uso da máquina de mentira lhe faça alcançar algo em torno de 25% dos votos. Como Lula deverá alcançar um patamar maior que esse, o adversário a ser derrotado pela terceira via no primeiro turno chama-se Jair Bolsonaro. Depois dele é que será a vez do sapo barbudo, lembrando o apelido dado a Lula por Leonel Brizola.

Resta saber se algum dos nomes mencionados para a terceira via conseguirá empolgar os eleitores a ponto de os votos dos demais candidatos migrarem para ele. Para isso, seria ideal que houvesse um pacto entre os candidatos da terceira via em renunciar à disputa ainda no primeiro turno e transferir seu apoio ao candidato mais viável, aquele que o momento próximo das eleições apontar como favorito, construindo assim uma frente ampla a favor da democracia e contra a polarização que vivemos nos últimos anos. Certo é que se permitirmos que um dos dois extremistas chegue ao poder, em 2023, teremos novamente quatro anos perdidos, pois a guerra ensandecida entre os seus grupos impedirá qualquer política positiva que nos leve ao crescimento e permita o desenvolvimento do país no longo prazo. E certamente a maioria dos brasileiros já está cansada disso.

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