Adriano Machado/Crusoé

A artilharia continua

Depois da CPI da Covid, a comissão de inquérito aberta para apurar a propagação de fake news pelas milícias bolsonaristas vai virar o novo front de parlamentares independentes e de oposição – e tem tudo para manter Bolsonaro sob tiro até 2022
17.09.21

O desfecho iminente da CPI da Covid, que levará ao indiciamento de Jair Bolsonaro e de alguns de seus aliados, não encerra a temporada de desgastes do Palácio do Planalto no Congresso Nacional. Assim que forem finalizadas as investigações sobre as omissões e equívocos do governo no combate à pandemia, será reaberta uma outra frente com potencial para atingir o presidente de forma ainda mais acachapante. Senadores e deputados que integram a CPI mista das Fake News já se preparam para retomar os trabalhos paralisados em março de 2020 e pretendem, agora, contar com uma preciosa ajuda, vinda do outro lado da Praça dos Três Poderes. A ideia é fazer com que a apuração sobre as milícias digitais bolsonaristas ganhe mais fôlego com informações já coletadas pelo Supremo Tribunal Federal nos inquéritos que apuram as ligações do próprio presidente, de familiares dele e de parlamentares governistas com a propagação de mensagens de ódio e notícias falsas nas redes.

Os parlamentares acreditam que, um ano e meio depois de os trabalhos da comissão terem sido interrompidos, o atual quadro político – com o próprio Bolsonaro desgastado e em crise com o STF – abre caminho para que a corte compartilhe as provas que possui. Eles também já se articulam para aprovar a convocação do vereador Carlos Bolsonaro, o filho 02 do presidente, e de outros integrantes do Gabinete do Ódio, como ficou conhecido o time de figuras próximas de Jair Bolsonaro encarregadas de comandar as claques cibernéticas de apoiadores do governo. Está nos planos, ainda, a convocação de empresários bolsonaristas suspeitos de financiar campanhas de ódio e de disseminação de notícias falsas.

Preocupado, o governo já manobra para tentar mudar a composição da comissão e tirar do front alguns de seus adversários mais ferrenhos. A CPI das Fake News tem 32 integrantes titulares – 16 deputados federais e 16 senadores. As indicações são feitas por blocos e, à exceção das siglas de esquerda, muitos partidos têm integrantes simpáticos ao governo. As emendas e cargos despejados sobre o Centrão serão usados como forma de pressão para tentar alterar a composição e obter um arranjo mais favorável – as decisões das comissões parlamentares de inquérito são tomadas por maioria de votos no plenário e a distribuição de forças é fundamental, por exemplo, para tentar barrar um requerimento de convocação. Na CPI da Covid, em que sete dos onze integrantes são de oposição ou independentes, o governo perdeu absolutamente todas as votações e sofreu com convocações capazes de causar forte desgaste.

Dida Sampaio/Estadão ConteúdoDida Sampaio/Estadão ConteúdoCarluxo é suspeito de comandar o chamado Gabinete do Ódio
Assim que forem retomados os trabalhos, os blocos serão instados a ratificar as indicações feitas em 2019, quando a comissão começou a funcionar. Algumas trocas partidárias recentes já deixaram o governo no prejuízo. Ao sair do Cidadania, por exemplo, o senador Jorge Kajuru perdeu sua vaga, que agora ficará com a senadora Eliziane Gama, do Cidadania, opositora declarada do governo. No PSDB, que na semana passada anunciou oficialmente que passará a fazer oposição ao Planalto, há um movimento para substituir o senador maranhense Roberto Rocha, que até esta semana seguia como representante do partido na CPI. Rocha é bolsonarista de carteirinha. O outro tucano na comissão é o deputado Alexandre Frota, hoje um oposicionista radical. “O PSDB tem sofrido um assédio enorme do governo Bolsonaro por conta da composição da CPMI das Fake News”, diz Frota, que pretende permanecer entre os titulares. “Essa apuração precisa chegar ao fim. Já foram identificados parlamentares e assessores que, de dentro da Câmara, faziam parte dessa milícia digital criada para atacar políticos, adversários e a imprensa”, emenda.

Pouco antes de parar em razão da pandemia, a CPI já havia feito descobertas importantes. Identificou, por exemplo, que a partir de um computador do gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro foi criada uma página destinada a desferir ataques contra adversários do governo. O e-mail vinculado à página é usado por Eduardo Guimarães, secretário parlamentar do filho 03 de Jair Bolsonaro. Guimarães segue no posto, com salário de 15,6 mil reais. Se os planos derem certo, a comissão terá condições de mapear até onde os filhos do presidente estão pessoalmente envolvidos com a máquina de fake news bolsonarista. Há tempos se diz que Carlos Bolsonaro, o 02, é o cabeça do esquema. Na CPI da Covid, até foi cogitada a convocação dele, mas os senadores preferiram não seguir adiante com o plano. O animus na CPI das Fake News, ao menos até agora, parece ser outro. A relatora da comissão, deputada Lídice da Mata, do PSB, acredita que até mesmo as quebras de sigilo bancário de Carluxo, recém-autorizadas pela Justiça, podem dar pistas sobre como a superestrutura é financiada.

“Os dois inquéritos do STF avançaram muito e têm relação estreita com os objetos de investigação da CPMI, como a organização de manifestações contra a democracia e ataques a membros do STF. Tudo isso está na nossa investigação e, na medida que tomarmos conhecimento dos detalhes desses inquéritos, nós vamos incorporá-los ao nosso relatório”, diz a deputada. Além da convocação de Carlos Bolsonaro, Lídice defende que a CPI também ouça imediatamente empresários apontados como patrocinadores da rede bolsonarista. É o caso, diz ela, de Otávio Fakhoury. O empresário paulista teve os sigilos quebrados pela CPI da Covid e o plano é requisitar os dados para eles possam ser escarafunchados à luz das investigações sobre fake news. Outro que está na alça de mira é o blogueiro Allan dos Santos, denunciado em agosto pelo Ministério Público Federal por ameaças ao ministro Luís Roberto Barroso. “Esse Allan precisa voltar para prestar novo depoimento. Ele fugiu do país porque todo bolsonarista que tem o rabo preso é covarde”, diz Alexandre Frota.

ReproduçãoReproduçãoPatrocinador da rede bolsonarista,Otávio Fakhoury também está na mira
A CPI das Fake News pretende se debruçar também sobre o suposto disparo irregular de mensagens em massa nas eleições de 2018, mas agora com menos ênfase – na primeira etapa, essa era uma das principais linhas de investigação. Para o presidente da comissão, senador Ângelo Coronel, do PSD, outro assunto que deve ser evitado é a difusão de notícias falsas relacionadas à pandemia, algo que já foi explorado pela comissão parlamentar de inquérito em andamento no Senado. “Não vamos misturar em hipótese alguma com o tema da CPI da Covid”, afirma Coronel. Ele defende que representantes das big techs que controlam as redes sociais também sejam convocados. “A liberdade de expressão não é para ser usada para difamar e caluniar”, afirma. A partir do momento em que for reaberta, a CPI ainda poderá se estender por um prazo de até 180 dias. Isso significa que ela funcionará até praticamente a data do início oficial da campanha eleitoral de 2022. Para Bolsonaro, é uma péssima notícia.

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