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Brasília, fim de tarde de terça-feira, 7. As vias laterais e o canteiro central da Esplanada dos Ministérios estão tomados por mais de três centenas de caminhões. A passos ligeiros, dois homens vestindo verde e amarelo e carregando um megafone circulam entre as fileiras de veículos, estacionados lado a lado, convocando os motoristas para uma reunião nas proximidades do Palácio do Itamaraty. O chamado é também distribuído em grupos de WhatsApp. Em pouco tempo, dezenas de apoiadores de Jair Bolsonaro estavam aglomerados, em pé, bem no meio da pista bloqueada, a menos de vinte metros de uma barreira formada por homens da Tropa de Choque da Polícia Militar ali postada para impedir que os manifestantes avançassem em direção à Praça dos Três Poderes.
A reunião improvisada fora convocada para decidir se os caminhões deveriam ou não seguir estacionados ali pelos dias seguintes. Em cinco minutos, saiu o veredicto. “Não temos prazo para sair daqui, ninguém sai”, bradou um dos líderes, sob aplausos. A decisão de ficar, porém, não foi tomada apenas pelos caminhoneiros presentes àquela assembleia-relâmpago. A maior parte deles, na verdade, estava em Brasília a serviço: muitos são funcionários de empresas do ramo do agronegócio e foram parar na capital do país por ordem dos patrões. Até por esse motivo, a reunião que decidiu pela permanência na Esplanada contou com a participação, por meio de telefones ligados em viva voz, dos próprios empresários, que deram a palavra final.
Na noite anterior, véspera da manifestação, os caminhões haviam atravessado o bloqueio montado pela Polícia Militar do Distrito Federal a dois quilômetros da Praça dos Três Poderes e avançado sobre a Esplanada. Foram estacionados a algumas centenas de metros do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, à espera do ato do dia seguinte. Formaram longas filas, de mais de um quilômetro, em cada uma das duas vias que circundam o gramado entre os ministérios. Crusoé identificou 25 empresas que enviaram parte de suas frotas a Brasília. Algumas mandaram entre dez e vinte caminhões. Os veículos estão registrados em nome de empresários bem-sucedidos em segmentos como os de alimentos, defensivos agrícolas e venda de máquinas pesadas. Procurados para explicar as razões pelas quais enviaram suas frotas para a capital e por que decidiram mantê-las por lá mesmo depois do protesto do Sete de Setembro, eles desfiam um rosário de teorias conspiratórias – bem em linha com o discurso de Jair Bolsonaro e com as fake news que circulam nas redes sociais e grupos de WhatsApp, com o intuito de manter mobilizadas as claques bolsonaristas.
Marcelo Manoel Venturini mandou três carretas para Brasília. Repetindo o discurso do presidente, ele diz que o Supremo tem agido “fora das quatro linhas da Constituição” e defende que os ministros sejam substituídos. “A meu ver, a solução é ter concurso público para virar ministro do STF. E acabar com a indicação. Porque todo poder emana do povo”, diz, tentando teorizar. Dono da Megaton Máquinas, do ramo de manutenção de equipamentos agrícolas pesados, Venturini conta ter ajudado a organizar, em parceria com o sindicato rural da região onde mora, também no interior de Goiás, o envio de caminhões para a manifestação pró-governo. Segundo ele, até quarta-feira, 8, a ordem era para que a frota permanecesse na Esplanada. “Vamos ficar até haver uma resposta para a manifestação do dia 7”, dizia.
Os primeiros caminhões a acessar a Esplanada, na noite anterior à manifestação, formavam o que os motoristas apelidaram de “linha de frente” e de “linha de tiro”. As metáforas não surgiram à toa. Havia método. Os primeiros estavam preparados para o confronto. Já a turma da “linha de frente”, que vinha em seguida, tinha por objetivo dar apoio logístico. Esses caminhões passariam a servir de base de apoio para os manifestantes, com tendas, banheiros químicos e fogões para preparar a comida – os organizadores diziam ter um estoque de alimentos suficiente para passar 42 dias em Brasília.
Assim como Zago, outros empresários se mostraram preocupados com o envolvimento de seus nomes no ato – talvez por medo de represálias. É o caso de Arthur Chiari, um dos donos da Dez Alimentos, companhia de Morrinhos, em Goiás, que produz molho de tomate e macarrão instantâneo. Ele se assustou ao atender o telefone. “É a favor ou contra?”, quis saber. Indagado sobre a participação de caminhões de sua empresa na invasão da Esplanada, o empresário se irritou. “Quem falou em invadir? Não use essa palavra”, disse. “Meus caminhões não invadiram a Esplanada, não. Você está enganado. Meus caminhões chegaram aí, pararam lá em cima e entraram com consentimento da polícia”, emendou.
Uma parte dos caminhoneiros concentrados na Esplanada seguiu forçando a mão, mesmo depois de encerrado o ato de terça. Alguns insistiam em cruzar a última barreira que ainda os separava do prédio do Supremo. Eles alimentavam a esperança de que os policiais destacados para proteger a sede da corte relaxariam o esquema de segurança e os deixariam passar. Na quarta, um grupo chegou a invadir o prédio do Ministério da Saúde.
Na noite de quinta-feira, 9, os poucos manifestantes que ainda permaneciam na Esplanada foram tomados por um clima de decepção. Após a “Declaração à Nação” divulgada por Bolsonaro para apaziguar a relação com o Supremo, muitos começaram a desmontar suas barracas e iniciar o caminho de volta para casa. Por volta das 18 horas, menos de 50 caminhões permaneciam no local. Apenas quatro pequenos acampamentos continuavam de pé. Alguns diziam não acreditar que o presidente realmente tivesse divulgado a nota. “Essa nota é do sistema, Bolsonaro não faria isso com as pessoas que permanecem bravamente aqui. Tem o dedo da China nisso”, dizia Almiro Tristão, de Formosa, em Goiás. Se o roteirista dessa série amalucada que o Brasil protagoniza seguir na mesma toada, não vai demorar muito para essa turma começar a chamar Bolsonaro de comunista.
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