Adriano Machado/Crusoé"Hoje temos forças polarizadas e um conjunto grande de pessoas que pensam em alternativas"

‘Tem muito espaço para a terceira via’

O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, defende que seu partido evite uma aliança com Lula na corrida presidencial e diz não acreditar na ameaça de ruptura propalada por Bolsonaro
03.09.21

Uma das principais vozes do PSB, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, segue na contramão de setores do partido que defendem uma aliança com o ex-presidente Lula nas eleições presidenciais do ano que vem. Embora cultive boa relação com o petista, Casagrande diz preferir uma aliança que passe ao largo da polarização em curso no país. Para ele, há tempo e espaço para o surgimento de outra força política com potencial de embaralhar o cenário eleitoral de 2022.

Em 2018, o Espírito Santo foi um dos estados onde Jair Bolsonaro venceu com maior folga. No ano que vem, prevê o governador, o cenário não deve se repetir em razão dos tropeços do presidente. Nem mesmo as manifestações pró-governo marcadas para a próxima semana o preocupam. Casagrande garante que a polícia local, que no passado recente fez uma barulhenta greve sob a liderança de forças hoje alinhadas ao bolsonarismo, está sob controle. Para ele, Jair Bolsonaro faz um governo inclassificável. Eis a entrevista:

O sr. acredita na possibilidade de golpe ou de ruptura institucional?
Eu não acredito na possibilidade de ruptura definitiva. O que eu estou vendo é instabilidade. Não acredito na ruptura porque não tem apoio internacional, de qualquer país importante, não tem apoio da sociedade brasileira, não tem apoio do Congresso Nacional e das demais instituições. Não tem apoio e unidade nas Forças Armadas e não tem apoio nem dentro do próprio governo. Então, não acredito em ruptura. Mas esse ambiente de enfrentamento permanente entre as instituições vem assoreando e consumindo a vida dos brasileiros. As pessoas vão perdendo a esperança depois de um ano e meio de pandemia, porque acreditavam que a gente poderia entrar em uma fase de geração de emprego, de recuperação da economia, de proteção social. E o que vemos todos os dias é um enfrentamento insano entre as instituições, com temas que não têm importância. Isso afugenta investidores do Brasil. Adia investimentos de brasileiros aqui, impede que os cidadãos tenham oportunidade, vai criando instabilidade que aumenta o dólar, que gera inflação. É um ciclo que se retroalimenta e que tira a esperança da população.

O Espírito Santo teve uma greve da Polícia Militar com grande repercussão em 2017. O sr. vê risco de PMs apoiarem uma eventual aventura golpista de Bolsonaro?
Não vejo nenhum ambiente dentro da polícia para isso, até porque nosso diálogo com a polícia é permanente, e o que aconteceu em 2017 foi uma ausência completa de investimento e de diálogo. Há, dentro da corporação, forças mais polarizadas, mas a grande maioria da Polícia Militar, da Polícia Civil e do Corpo de Bombeiros é formada por pessoas equilibradas, ponderadas, que têm responsabilidade. Nós apostamos no diálogo e na responsabilidade para manter esse ambiente de tranquilidade.

Bolsonaro tem transformado o orçamento federal em uma ferramenta de operação política, usando a máquina pública para a cooptação de aliados no Congresso. Isso tem diminuído a influência dos governadores sobre as bancadas estaduais?
Eu considero que o que foi feito com o Orçamento nos últimos anos, não só no governo Bolsonaro, levou a que o Congresso crescesse em cima do Poder Executivo. Isso fez com que houvesse uma deformação no Orçamento. Na hora em que o Congresso avança sobre essa área, e os recursos são distribuídos para os parlamentares, que destinam esses recursos de forma pulverizada para suas bases, o poder central perde a capacidade de fazer obras estruturantes, seja uma grande rodovia ou uma grande ferrovia, por exemplo. Isso não é só de agora, do governo Bolsonaro. Começou com a presidente Dilma, que se fragilizou e teve que enfrentar o processo de impeachment. Depois, seguiu com o presidente Michel Temer e, agora, com Bolsonaro.

Agora tem a emenda de relator, em que parlamentares aliados são agraciados sem qualquer tipo de transparência.
Sim, está na conta do relator. É lógico que o Congresso vai buscando aperfeiçoar esse processo de pulverização, e quanto mais se pulveriza o Orçamento, menos estruturante ele é, e menos ele interfere na vida dos brasileiros. Já há uma vinculação de despesas com saúde e educação que é grande, e os encargos da dívida consomem outra parte. Na hora em que se vincula também o atendimento aos parlamentares de forma pulverizada, porque o parlamentar pode decidir onde vai aplicar o dinheiro, o Executivo perde a capacidade de promover o desenvolvimento.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Eu não acredito na possibilidade de ruptura definitiva. O que eu estou vendo é instabilidade”
No estado que o sr. governa, Bolsonaro recebeu 63,06% dos votos válidos em 2018 e venceu em 64 dos 78 municípios. Essa votação expressiva tende a se repetir em 2022?
É difícil fazer uma avaliação hoje para outubro do ano que vem. Vai depender muito do próprio Bolsonaro, vai depender muito do governo, dos adversários. Hoje, a situação de Bolsonaro no estado não é a mesma de 2018. A realidade é diferente no Brasil, não só no Espírito Santo. O Espírito Santo é mais conservador, é verdade, e isso é compreensível pela cultura e pelo histórico do estado. Por isso, deu a Bolsonaro uma vitória robusta em 2018. Mas, ao mesmo tempo, me deu uma vitória também no primeiro turno, e eu tenho uma posição mais progressista. As pessoas fazem uma análise com diversas variáveis para tomar a decisão do seu voto. A eleição de 2022 vai depender muito do momento que estaremos vivendo. É difícil projetar hoje o resultado para 2022. Por mais que o estado do Espírito Santo seja um estado conservador, que tenha sido bolsonarista em 2018, não dá para ser taxativo no sentido de que isso vai acontecer no ano que vem. O que tínhamos em 2018 era uma decepção com o PT, e foi ela que alavancou o bolsonarismo.

O ex-presidente Lula foi a Recife na semana retrasada com o objetivo de buscar o apoio do PSB e postou fotos com Paulo Câmara e João Campos. Quem, afinal, o seu partido vai apoiar em 2022?
O PSB só tomará a decisão em abril do ano que vem. O partido queria ter uma candidatura à Presidência da República, mas nós não conseguimos viabilizá-la. Tinham até solicitado que eu pudesse colocar meu nome, mas o momento não era adequado. Internamente, vejo que existe uma parte do PSB que tem uma aproximação com o Lula e há outra que gostaria de ter outra candidatura no campo progressista. Eu, pessoalmente, tenho boa relação com o PT, tenho boa relação com o Lula, mas penso que, para o primeiro turno da eleição do ano que vem, a gente deva avaliar o nome de Ciro Gomes, do PDT. O PDT é um partido importante, aliado, e o PSB deve fazer essa reflexão. Isso é o que defendo internamente.

Apoiar Lula, como uma parcela do partido defende, não significaria apostar na continuidade da polarização que tanto tem prejudicado o país?
Por isso que tenho feito a reflexão interna de que a gente deve fazer uma avaliação sobre uma alternativa que não esteja dentro dessa polarização. Se a polarização se estender para o segundo turno, aí é outra história. No primeiro turno, eu defendo que a gente fuja dessa polarização.

Existe espaço para uma terceira via em 2022?
Eu considero que tem muito espaço para a terceira via. Hoje temos forças polarizadas e um conjunto grande de pessoas que pensam em alternativas. Então, tem espaço. O processo eleitoral só vai se mover em momentos estratégicos, em momentos de concentração de energia. Na hora das prévias do PSDB, o processo político pode ter uma concentração de energia. Pode haver algum movimento no momento em que o PSDB definir a sua candidatura. Mas, efetivamente, a energia se concentrará no instante em que começar o debate eleitoral mais intenso. Então, por mais que candidatos estejam colocados hoje, eles vão ter que ficar do mesmo tamanho até iniciar o processo eleitoral, quando as coisas de fato vão acontecer. Quem pode sofrer mais nesse período é o presidente Bolsonaro, se ele não compreender a necessidade de acalmar o ambiente. Mas considero, sim, que tem um espaço grande para outra força política no Brasil, e há efetivamente espaço para resultados inesperados nas eleições de 2022.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“O que foi feito com o Orçamento nos últimos anos, não só no governo Bolsonaro, levou a que o Congresso crescesse em cima do Poder Executivo”
Como o senhor classifica o governo Bolsonaro?
Não tem classificação. O governo Bolsonaro é um governo a cada dia, não tem planejamento. Politicamente, não dá para classificar. É um governo conservador nas palavras, mas com pouca prática conservadora de forma orgânica. É um governo que vai vivendo o dia a dia.

E do ponto de vista da condução da economia?
É um governo que quis ser liberal, mas não conseguiu. Até porque Bolsonaro é oriundo de uma corporação e tem um espírito de corpo muito forte, de proteção das corporações. Tanto é que a reforma da Previdência foi aprovada porque o Congresso Nacional a liderou. Ele anunciou um governo de economia liberal, mas não consegue ser liberal porque tem muitas contradições internas.

O senhor enxerga algum aspecto positivo no atual governo?
Tem alguns ministros que têm interesse em fazer as coisas. Mas o desequilíbrio fiscal, a instabilidade permanente e a falta de perspectiva fazem com que esses ministros que têm boa vontade encontrem dificuldades para realizar o que desejam. Acho que tem gente de boa vontade no governo, e quero registrar isso como ponto positivo, mas essas pessoas têm dificuldade de implementar as suas políticas.

E qual é o reflexo dessa crise permanente alimentada por Brasília lá na ponta?
Afeta a vida real das pessoas porque elas perdem o poder de compra. A cada crise, o dólar aumenta, o combustível aumenta, a inflação e os preços dos alimentos aumentam. Muitos dos nossos preços são dolarizados, o combustível é dolarizado, diversos produtos que a gente consome são produtos com preços internacionais. Essas instabilidades tiram o poder de compra do brasileiro, geram desemprego, mais conflito social e, sem esperança, a gente não consegue entrar em um ambiente de prosperidade, que é fundamental para que as pessoas tenham oportunidades. Esse ambiente de conflito não interessa a ninguém. Por isso, nós (governadores) estamos lançando sinais de diálogo para acalmar o ambiente e tentar construir uma agenda no Congresso Nacional e nos estados.

O sr. crê que Bolsonaro continuará insistindo no voto impresso até as eleições do ano que vem?
É uma cortina de fumaça. Não tem problema discutir voto impresso. É saudável debater se vamos imprimir parte dos votos para uma auditoria avaliar. O problema é que (Bolsonaro) transformou o voto impresso em debate ideológico, para ocultar outros temas, e para ser implantado às pressas para as eleições de 2022, sem as condições operacionais para tanto. Então, não é um assunto que interessa à população brasileira neste momento. Até porque nós não temos nenhum sinal de fraude no processo eleitoral.

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