Ricardo Stuckert via Fotos PúblicasO petista no tour pelo Nordeste: salário mensal e assessores por conta do fundo partidário

Lula gasta, você paga

De salário mensal – que foi até reajustado recentemente – a mordomias como aluguel de jatinhos, o PT usa dinheiro público para bancar o projeto eleitoral do ex-condenado
03.09.21

De encontros políticos a um supostamente despretensioso passeio noturno na praia, todos os passos de Luiz Inácio Lula da Silva que servem à propaganda petista são registrados pelas lentes do fotógrafo Ricardo Stuckert e publicados nas redes sociais do ex-presidente. De volta ao xadrez eleitoral desde março, quando o Supremo Tribunal Federal anulou suas condenações na Lava Jato, Lula está em plena campanha para voltar ao Palácio do Planalto. Em maio, esteve em Brasília conversando com caciques como José Sarney. Na última semana, encerrou uma turnê de doze dias pelo Nordeste, onde se reuniu com governadores e abraçou militantes sem-terra. Em todas os compromissos, o chefe petista tem se empenhado não apenas em articular seu palanque, mas também na difícil tarefa de desfazer a imagem de corrupto junto aos eleitores, além de, a seu modo, procurar se mostrar bem-disposto para a briga política do alto de seus 75 anos. As fotos produzidas por seu paparazzo oficial – como aquela em que ele posa de sunga com a namorada em uma praia do Ceará – são parte de um plano meticuloso cuja conta, ao fim e ao cabo, quem paga é você.

O PT já torrou mais de 1,5 milhão de reais do fundo partidário – dinheiro público, portanto – para custear o projeto político de seu líder-mor, até há pouco condenado a 25 anos de prisão por participação no monumental esquema de corrupção que funcionou durante anos na Petrobras. Isso sem contar com outras despesas que, na prestação de contas apresentada pelo partido à Justiça Eleitoral, se misturam.

Fotógrafo, assessora, advogado e o próprio ex-presidente estão na folha de pagamentos do partido. Depois que deixou a carceragem da Polícia Federal no Paraná no fim de 2019, quando o STF revogou o entendimento de que condenados em segunda instância podiam ser presos, Lula passou a receber um salário como presidente de honra do PT. Hoje, o petista embolsa por mês 22,8 mil reais. Ele, aliás, foi o único integrante da cúpula do partido a ganhar um aumento neste ano. Enquanto os demais dirigentes tiveram o salário reduzido em 15% durante a pandemia, Lula ganhou um reajuste de 12%.

ReproduçãoReproduçãoO desembarque em Recife: ele só voa de jatinho particular e a fatura é espetada na prestação de contas do fundo
O staff do ex-condenado tem custado caro. Fotógrafo oficial do petista durante os oito anos em que ele esteve no Planalto, Stuckert migrou do Instituto Lula para a lista de funcionários terceirizados do PT em 2017, depois que a entidade criada pelo ex-presidente entrou na mira da Lava Jato por causa das acusações de propina pagas por empreiteiras por meio de doações. O fotógrafo, que o ex-presidente leva a tiracolo em todas as suas viagens, recebe 26,1 mil reais por mês. Assim como o chefe, ele também ganhou um reajuste quando o volume de trabalho aumentou – os pagamentos ganharam um acréscimo depois que Lula deixou a cadeia. Para alimentar os perfis do ex-presidente nas redes sociais, uma assessora recebe 9,8 mil mensais, também dinheiro do fundo partidário.

O diretório nacional do PT, comandado pela deputada Gleisi Hoffmann, ainda reserva um pedaço de seu orçamento para pagar o escritório que defende Lula nos processos da Lava Jato. Desde setembro de 2019, a banca de Cristiano Zanin tem recebido religiosamente 46,9 mil reais por mês, a título de “consultoria jurídica”. Ao todo, já foram pagos 938 mil reais aos defensores de Lula. Nos documentos enviados à Justiça Eleitoral, o PT informou que o dinheiro pago ao escritório de Zanin vem das doações recebidas de pessoas físicas e do dízimo pago pelos filiados. Para cuidar dos seus próprios processos, o partido já paga a outros oito escritórios de advocacia que atuam, principalmente, na esfera eleitoral. Ainda assim, há entre eles advogados que atuam em causas particulares de Lula. É o caso do escritório de Eugênio Aragão, que foi ministro da Justiça no governo de Dilma Rousseff, e já recebeu 3,4 milhões de reais da legenda desde o ano passado. Só neste ano, Aragão assinou cinco ações de calúnia e danos morais movidas na Justiça paulista contra pessoas que xingaram ou ameaçaram Lula nas redes sociais.

Além do salário do PT, Lula recebe uma aposentadoria como anistiado político que é paga desde 1993. Em 2017, os advogados do petista informaram à Justiça que o benefício era de 8,9 mil reais por mês. Por conta dos cofres públicos, ele também conta como uma estrutura de até quatro seguranças, dois assessores, dois motoristas e dois carros da frota presidencial garantida por lei a todos os ex-presidentes. O custo mensal desse staff, incluindo salários, passagens, diárias e gastos com combustível, gira em torno de 80 mil reais por mês.

Dono da segunda maior cota do fundo partidário, com cerca de 100 milhões de reais (fica atrás apenas do PSL), o PT gastou de janeiro a junho deste ano 37,2 milhões de reais com pagamentos de folha salarial e fornecedores. Os gastos tendem a subir neste semestre, com as viagens programadas por Lula. Em agosto, por exemplo, o partido fretou um jatinho cuja diária custa 40 mil reais para o tour do ex-presidente pelo Nordeste. Foi a bordo da luxuosa aeronave Bombardier Challenger 604, que pertence a uma empresa do grupo de saúde Prevent Senior, que Lula percorreu seis estados em doze dias, acompanhado de Gleisi, de sua namorada, Janja, e de integrantes de seu staff.

Ricardo StuckertRicardo StuckertA foto na praia: paparazzo particular também tem salário pago pelo contribuinte
A agenda típica de candidato incluiu reuniões com governadores e líderes de outros partidos, além de eventos para enaltecer os feitos da era petista e visitas a obras que receberam recursos do seu próprio governo e do de Dilma Rousseff. Tudo, claro, devidamente registrado em foto e vídeo. O Nordeste foi escolhido para o ex-condenado fincar bandeira novamente na região sobre a qual Jair Bolsonaro agora tenta avançar com a promessa de aumento no benefício do Bolsa Família. Na linha oposta à de Lula, quem ajuda o atual presidente hoje em sua tentativa de avançar sobre o eleitorado nordestino são os chefes do Centrão, como o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que até pouco tempo atrás apoiavam o PT. Mas Lula está confiante de que a lua de mel não durará muito — ele tem dito que Ciro e companhia devem abandonar Bolsonaro antes da eleição.

Por onde passa, Lula tem repetido como mantra que foi perseguido pela “quadrilha” de procuradores da Lava Jato e pelo ex-juiz Sergio Moro e sustentado, falsamente, que foi “absolvido” pela Justiça – na verdade, o STF anulou as decisões de Moro nos processos que tramitaram na Justiça Federal do Paraná. Com base nessa decisão da Suprema Corte, as principais provas obtidas pela força-tarefa nos casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia foram consideradas inválidas.

Em sua volta ao jogo político, Lula tem sido aconselhado a resgatar o figurino do “Lulinha paz e amor” adotado nas eleições de 2002, quando chegou à Presidência pela primeira vez, mas não consegue esconder o ódio. Outro alvo frequente de seus discursos é a imprensa. Em Salvador, a última escala de sua excursão pelo Nordeste, ele ressuscitou uma antiga bandeira, a regulação dos meios de comunicação. Em entrevista a uma rádio, Lula prometeu que, se eleito, regulará a mídia tradicional. “A regulamentação dos meios de comunicação é do tempo que a gente conversava por carta, de 1962. Olha a revolução que houve. Você acha que a internet não tem que ter regulamentação?”, afirmou. Na terça-feira, 31, durante um evento do PT sobre os cinco anos do “golpe” – como o partido insiste em chamar o impeachment de Dilma –, ele voltou a dizer que a “regulação da mídia” é necessária e afirmou que o partido continua sendo “coagido” pela imprensa.

Enquanto Lula se apresenta como vítima de perseguição judicial e da imprensa, para tentar apagar da memória dos brasileiros o seu protagonismo nos escândalos do mensalão e do petrolão, o PT, que até hoje não fez mea culpa pelos escândalos que protagonizou, se movimenta para fazer o grande público acreditar que a corrupção não será mais tolerada pelo partido. Como Crusoé mostrou no início da semana, a direção da legenda apresentou à Justiça Eleitoral um curioso “Manual Anticorrupção” (conheça aqui a íntegra). A cartilha proíbe uma série de práticas que já levaram vários dos dirigentes petistas, incluindo o próprio Lula, para a cadeia. O material foi produzido por um escritório de advocacia do Paraná ao custo de 150 mil reais. O cartapácio, dizem os documentos, é parte de um plano, o “Programa Ostensivo de Combate à Corrupção”, que a sigla promete implantar.

Rafael Luz/STJRafael Luz/STJZanin, o advogado de Lula, recebeu quase 1 milhão de reais do PT
Embora não tenha punido até hoje nenhuma de suas lideranças denunciadas ou condenadas nos escândalos, admitidos por gente de dentro, como o ex-ministro Antonio Palocci e o marqueteiro João Santana, o partido coloca no papel oito condutas “consideradas ilícitas”. Várias delas integram o extenso rol de acusações feitas a petistas de proa pela Lava Jato, como recebimento de propina e caixa 2 de campanha. O manual estipula que suspeitas desse tipo de práticas devem ser investigadas, punidas internamente e denunciadas às autoridades. Ironicamente, o documento trata como “vantagem indevida” digna de punição o ato de receber dinheiro, presentes, viagens, doações ilegais e, acredite, “benfeitorias em bens particulares”, exatamente como fizeram as empreiteiras OAS e Odebrecht no tríplex e no sítio de Atibaia.

Outra contradição com a prática petista está no capítulo que trata dos “indícios de ilicitude”, que devem servir de norte para os dirigentes evitarem casos de corrupção. A cartilha reza que, antes de estabelecer relacionamento com fornecedores e afins, é preciso avaliar se eles têm “fama desabonadora”. Se isso for levado adiante, o partido terá de trocar alguns dos seus principais fornecedores. A prestação de contas entregue à Justiça Eleitoral, a mesma que traz as despesas com Lula e companhia, revela uma série de pagamentos para várias empresas ligadas ao partido que já estiveram encrencadas em diferentes momentos. Entre elas estão, por exemplo, duas firmas do publicitário Valdemir Garreta, antigo homem forte da comunicação petista que chegou a ser preso pela Lava Jato, acusado de receber valores indevidos da Odebrecht. Juntas, a FG e a VG Marketing Eleitoral receberam mais de 1,4 milhão de reais do diretório nacional só no ano passado.

Outras três empresas ligadas ao empresário Carlos Cortegoso, que ficou conhecido como “garçom” de Lula e chegou a ser denunciado por participação em esquemas do partido, também seguem na folha de pagamentos do PT. A lista inclui ainda uma empresa do notório Freud Godoy, tido como faz-tudo de Lula, que recebe cerca de 450 mil reais por ano por serviços de segurança, embora esteja com seu registro de funcionamento cassado.

A despeito do novíssimo manual, e de tudo que os escândalos dos últimos anos revelaram, a vida real mostra que o PT está bem longe de aprender a lidar com o dinheiro público como deveria.

Colaborou André Spigariol

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO