O buraco de Biden
Com os terroristas do Talibã em avanço constante e os soldados americanos abandonando suas bases no Afeganistão, jornalistas pressionaram Joe Biden a falar sobre o assunto durante uma coletiva de imprensa que havia sido marcada para o presidente americano discorrer sobre o feriado americano de Quatro de Julho. “Eu quero falar sobre coisas felizes. Eu não vou responder a nenhuma pergunta sobre o Afeganistão”, disse Biden.
Nas semanas seguintes, a realidade que o presidente tentou ocultar se impôs com violência extrema. O Talibã tomou o controle do país e mandou as mulheres para suas casas, alegando que seus milicianos “ainda não tinham sido treinados para não as machucar”. O país afundou no caos, com milhares de pessoas tentando fugir. Mais de 100 mil foram evacuadas para o exterior em dez dias. Nesta quinta-feira, 26, o grupo terrorista Estado Islâmico, inimigo do Talibã, realizou ao menos dois atentados suicidas nos arredores do aeroporto, matando treze militares americanos e ferindo 18. Mais de 70 afegãos perderam a vida. Fala-se em torno de 140 feridos. Foi o dia mais letal para os militares dos Estados Unidos no Afeganistão desde que um helicóptero foi derrubado há dez anos.
Novos ataques são muito prováveis nos próximos dias, o que pode multiplicar o número de mortos. Se o Talibã já era um pesadelo, nesta semana o mundo lembrou que existe algo ainda pior, o Estado Islâmico, que disputa com os radicais recém-chegados ao comando do Afeganistão algumas posições na escala do terror: quem é o mais cruel, quem tem a versão mais radical do islamismo e quem é capaz de humilhar mais os americanos.
A facção que executou o ataque é conhecida como Estado Islâmico da Província de Khorasan (em inglês, Isis-K). O bando surgiu em 2015 a partir de uma dissidência do Talibã. Seus membros juraram lealdade a Abu Bakr Baghdadi, ex-líder do EI, e passaram a competir com o Talibã por prestígio, fundos e recrutas. Na disputa com o antigo rival, o Estado Islâmico da Província de Khorasan tem se propagandeado como um grupo religiosamente mais puro. A aplicação que eles fazem da lei islâmica é ainda mais rígida. Estima-se que tenham hoje 2 mil integrantes.
A primeira delas é o discurso a favor dos direitos humanos. Na campanha do ano passado, Biden prometeu que essa seria uma questão central. O presidente americano marcou para dezembro uma cúpula que discutirá, entre outros temas, a proteção aos direitos individuais. Soa incoerente, porém, entoar esse discurso e, ao mesmo tempo, deixar meninas, jovens e mulheres expostas ao arbítrio de um bando extremista.
“Estou decepcionado com a abordagem de Biden aos direitos humanos. Até acredito que a questão seja importante para ele, mas certamente não é tão relevante quanto sua a agenda política interna e sua determinação de se retirar do Afeganistão”, diz o historiador americano Warren Cohen, autor do livro Uma nação como qualquer outra (em tradução livre), sobre a política externa americana.
O governo também sai seriamente comprometido no quesito da eficiência. “Ao longo deste ano, o presidente projetou uma imagem de alguém competente e rápido. Ele ampliou a campanha de vacinação contra a Covid, aprovou um auxílio econômico para as famílias na pandemia e um pacote de infraestrutura, mas essa imagem de eficaz em grande parte acaba de ser arruinada”, diz o embaixador brasileiro Rubens Ricupero.
Os erros acumulados das últimas semanas lembram a sina de outro presidente democrata, que também empunhava a bandeira dos direitos humanos. Eleito em 1976, Jimmy Carter teve sua popularidade corroída pela Revolução Iraniana, que nem ele nem a agência de inteligência CIA foram capazes de antecipar. Durante os últimos catorze meses do mandato de Carter, jornais trataram incessantemente do drama dos americanos feitos reféns na embaixada em Teerã. Incapaz ainda de controlar uma inflação de dois dígitos, o presidente não se reelegeu e entregou o poder para o republicano Ronald Reagan.
Em um pronunciamento nesta quinta sobre os atentados em Cabul, um acabrunhado Biden prometeu se vingar do Estado Islâmico, mas não explicou como pretende executar a tarefa. Ele reiterou, porém, sua convicção de que era preciso deixar o Afeganistão. “Vamos continuar nossa missão depois que nossos soldados se retirarem. Vamos encontrar maneiras para encontrar qualquer americano que queira sair do Afeganistão. Nós vamos encontrá-los e tirá-los de lá“, disse. “Vamos caçá-los (os terroristas do Estado Islâmico) e fazê-los pagar”. O fosso, por ora, continua aberto.
Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.