Reprodução/TV CâmaraMargarete Coelho e Arthur Lira: o Centrão assina a proposta

Golpe anti-Moro

O Centrão inclui um contrabando na proposta de reforma da lei eleitoral para impedir que o ex-juiz e procuradores da Lava Jato possam disputar eleições. Nunca se viu um casuísmo tão escancarado
27.08.21

Mesmo após se mudar para os Estados Unidos para trabalhar em uma empresa de consultoria, mantendo-se a certa distância do debate eleitoral brasileiro nos últimos meses, Sergio Moro continua a ser uma ameaça para os representantes da velha política que tanto temiam a Operação Lava Jato. O ex-juiz tem dado sinais de que não pretende disputar a Presidência da República no ano que vem, mas a falta de alternativa competitiva no chamado centro liberal faz com que seu nome continue figurando nas pesquisas como opção para romper a polarização entre o atual chefe do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro, e o ex-presidente Lula. O establishment político decidiu que não quer pagar para ver e tirou do papel nesta semana um plano sob medida para excluir Moro – e também procuradores que atuaram na Lava Jato – das eleições de 2022.

Elaborado por uma comissão escolhida a dedo pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, um novo Código Eleitoral que impõe uma quarentena eleitoral a juízes, delegados e membros do Ministério Público deve ser votado – e aprovado – na próxima quinta-feira, 2. A proposta de 371 páginas, com 905 artigos, é assinada pela deputada Margarete Coelho, integrante do mesmo partido de Lira, o Progressistas, um dos protagonistas do escândalo do petrolão. Foi justamente por ordem do cacique do Centrão que Margarete incorporou ao texto uma emenda para tornar inelegíveis por cinco anos magistrados, procuradores, promotores de Justiça, policiais civis e até guardas municipais. As negociações em torno das mudanças no texto original – feitas de última hora – escancaram o casuísmo da iniciativa, cujo objetivo primordial é minar um possível projeto eleitoral de Moro.

De acordo com os trechos enxertados no projeto a mando de Arthur Lira, integrantes dessas categorias só podem disputar as próximas eleições se tiverem se afastado “definitivamente” de suas funções cinco anos antes do registro de candidatura, não importa para qual cargo. Por essa regra, Moro estaria impedido, porque largou a magistratura apenas em novembro de 2018, quando topou ser ministro da Justiça do governo Bolsonaro. O texto chegou pronto para Margarete Coelho, que apenas incorporou a sugestão ao projeto. Eleita pelo Piauí, a deputada integra a cozinha do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que acompanhou de perto toda a articulação. A costura teve a participação, ainda, de lideranças do PL e do Republicanos, outros partidos alvejados pela Lava Jato.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéSergio Moro é o personagem oculto da emenda: medo da Lava Jato
A medida também agrada à oposição, em especial ao PT, que se associa ao Centrão em iniciativas contra a Lava Jato e o combate à corrupção, a exemplo do que já ocorreu na PEC que altera a composição do Conselho Nacional do Ministério Público, a fim de ampliar as chances de punição para procuradores, e da nova Lei de Improbidade, que afrouxa as sanções para gestores que causam graves danos ao erário. A nova artimanha pegou muita gente de surpresa, embora já fosse bola cantada. O líder da bancada da bala na Câmara, deputado Capitão Augusto, do PL de São Paulo, ficou sabendo da novidade pela imprensa. Ele pediu a Arthur Lira para que o texto fosse modificado, mas ouviu do presidente da Câmara que a tendência é que a emenda seja aprovada exatamente como foi colocada no texto.

Lira conversa diariamente com a relatora Margarete Coelho, para acompanhar o andamento da proposta. Até aqui, ela tem se mostrado irredutível diante dos pedidos para flexibilizar a proposta. A única exceção foi aberta para ajustar um trecho que, se mantido, atingiria até mesmo políticos com mandato atualmente – o senador Alessandro Vieira, por exemplo, era delegado de polícia até ser eleito em 2018. Fez-se, então, um puxadinho na proposta: agora Margarete tem dito que a mudança não valerá para políticos já com mandato.

Além da emenda anti-Moro, a proposta de Margarete Coelho traz uma série de novidades com impacto direto na transparência sobre os recursos do fundo partidário e na aplicação de punições a condenados por crimes eleitorais e a suspeitos de desviar verbas públicas destinadas aos partidos. As legendas poderão, por exemplo, gastar esse dinheiro do pagador de impostos seu bel-prazer, desde que seus dirigentes digam que a despesa tem “interesse partidário”. Também poderão fechar contratos à base de dinheiro público sem necessidade de se submeter à Lei de Licitações. Na frente criminal, a reforma tipifica o crime de caixa 2, mas estipula a pena máxima em cinco anos. A cassação de mandatos por meio da Justiça Eleitoral passa a ser considerada uma medida “excepcional”, o que, na prática, ajuda políticos envolvidos em compra de votos a manterem seus cargos mesmo depois de serem pilhados burlando as regras eleitorais.

José Cruz/Agência BrasilJosé Cruz/Agência BrasilO PL de Valdemar da Costa Neto chancela a iniciativa
A ideia de impor veto eleitoral a juízes, promotores, procuradores e delegados não é novíssima. Em 2020, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, defendeu publicamente a inelegibilidade de oito anos para ex-magistrados e ex-integrantes do MP. O projeto contava com o apoio de Rodrigo Maia, então presidente da Câmara e também desafeto de Sergio Moro. Toffoli dizia, àquela altura, que a ideia era evitar que juízes e procuradores pudessem usar seus cargos para fazer “proselitismo” e se cacifar para cargos eletivos.

Líderes do Centrão esperam que o requerimento de urgência do projeto seja votado na semana que vem. Assim, o texto deverá ser pautado em plenário logo em seguida. Enquanto isso, aliados de Arthur Lira conversam com senadores para facilitar a aprovação do projeto até outubro, data limite para que a nova lei possa ser aplicada já em 2022. A resistência às tentativas da Câmara de modificar o sistema eleitoral é maior no Senado. A avaliação reinante hoje é de que “não há clima” para que o novo código seja aprovado assim, a toque de caixa.

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