Pedro Ladeira/FolhapressAécio critica Araújo: "outras lógicas"

‘Ele tem feito ofertas’

De volta à cena, Aécio Neves ataca João Doria. Ele reafirma que o governador paulista tem oferecido dinheiro em troca de apoio no PSDB e defende que o partido se abra para a “terceira via”
27.08.21

No país em que a Casa Civil da Presidência da República é comandada pelo multi-investigado Ciro Nogueira e o próprio presidente Jair Bolsonaro opera à luz do dia contra os avanços no combate à corrupção, figurões que haviam caído em descrédito pouco a pouco voltam à ribalta da política. Entre eles, está o ex-governador e ex-senador Aécio Neves, eleito deputado federal em 2018 com parcos 106 mil votos, quatro anos depois de disputar o Palácio do Planalto palmo a palmo com Dilma Rousseff. Colhido pela Operação Lava Jato, que chegou a gravá-lo em conversas nada republicanas com o empresário Joesley Batista, Aécio passou a ter proeminência novamente com a chegada do não menos enrolado Arthur Lira à presidência da Câmara. Depois de fazer campanha para Lira, ele foi agraciado com o comando da prestigiosa Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara e, a partir de lá, tem trabalhado para se reposicionar.

Nos últimos dias, o deputado protagonizou uma intensa troca de chumbo com o governador paulista João Doria, com quem disputa espaço no PSDB, partido de ambos. No programa Roda Viva, da TV Cultura, Doria afirmou que Aécio tem “a síndrome da derrota”, além de ter se transformado em “pária” dentro da legenda. Em resposta, o mineiro chamou o correligionário de “oportunista” e “desqualificado” e o acusou de tentar comprar o partido para ser escolhido candidato ao Planalto no ano que vem. Nesta entrevista a Crusoé, Aécio se mantém no ataque. “Eu acho que isso é a reação de quem não está confortável hoje no partido”, afirma. Entre outros assuntos, ele defende que, se os partidos de centro quiserem ter chances na corrida presidencial do ano que vem, não podem lançar várias candidaturas. Também diz o que pensa sobre o governo Bolsonaro e, a propósito de seus enroscos na Lava Jato, afirma que foi alvo de uma “armação”.

Nos últimos anos, o sr. foi alvo de diversas investigações e foi até gravado. Mesmo assim, diz que foi vítima de armação. Como assim?
É preciso compreender as circunstâncias. Eu fui vítima de uma das maiores armações que já se se tem notícia na história recente do país, onde um empresário, em conluio com autoridades públicas da própria Procuradoria, faz uma simulação de um crime onde jamais houve crime. Todas as ações contra mim estão sendo arquivadas, a maioria delas, inclusive, por iniciativa da própria Procuradoria-Geral. Então, eu estou absolutamente tranquilo, porque aquelas que ainda não foram estão a caminho de serem arquivadas. Acho que eu chego até o ano que vem sem nenhuma questão pendente.

O que exatamente teria sido “armado”?
Eu, na verdade, era o candidato de oposição ao PT à Presidência da República em um momento em que a Lava Jato conseguiu de alguma forma inviabilizar o PT por aquilo que havia acontecido nos seus governos, pelo ataque à Petrobras e a outras empresas públicas. Eu estava do outro lado da rua, era o alvo mais imediato, inclusive daqueles que, dentro da Procuradoria, faziam política. Eu recebi ataques de financiadores de campanhas eleitorais feitos na mais absoluta legalidade, porque as pessoas se esquecem que as campanhas eleitorais até pouco tempo atrás eram financiadas por agentes privados. Essa era a regra vigente no Brasil, e isso foi criminalizado. Quando essas investigações avançam, fica claro que nunca houve nenhum crime. Nunca houve da minha parte nenhum desvio.

E as gravações?
Naquela gravação, uma relação privada se transforma em algo com aparência de crime. Essa já é a compreensão da própria PGR e, inclusive, a questão deve caminhar para o arquivamento em breve.

O sr. se sente à vontade no jogo político novamente?
Como diriam em Minas Gerais, eu estou onde eu sempre estive. Sou um homem público por essência. Acredito na política e dou a minha contribuição para que o Brasil supere esse momento de radicalização que muito tem atrapalhado aquilo que é essencial: a retomada do crescimento e da geração de empregos, o enfrentamento da pandemia. Eu busco na função que ocupo hoje no Congresso, como presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, em parceria inclusive com o ministro Carlos França, o novo ministro das Relações Exteriores, contribuir para resgatar a capacidade do Brasil de interlocução com as outras regiões do mundo.

Após um semestre à frente da comissão, que leitura o sr. faz da política externa do governo Bolsonaro?
O Brasil tem demandas externas graves para serem enfrentadas. Eu poderia citar aqui algumas delas, mas a primeira é a ratificação do acordo Mercosul-União Europeia, que foi paralisado em razão de equívocos graves na condução da política ambiental brasileira em relação à Amazônia, mas também pela resistência de países protecionistas europeus, em especial a França. Acho que nunca foi tão necessária a diplomacia parlamentar para ajudar a superar os obstáculos que, em boa parte, foram criados nesse próprio governo. O Brasil tem sido muito infeliz na condução das suas políticas externas ao longo da última década e meia. Nós viemos de um alinhamento a um quase que caricato bolivarianismo, que ainda sobrevive em algumas regiões aqui da América do Sul, no governo do PT. Esse alinhamento inclusive nos fez perder a natural liderança regional que nós tínhamos, nos submetendo à agenda da Venezuela e afastando de interlocução com outras regiões.

Por que, afinal, o sr. se absteve na votação da PEC do Voto Impresso?
Essa discussão se apequenou. Ela emburreceu muitas pessoas. Deixou-se de discutir as vantagens ou não de um voto impresso acoplado à urna eletrônica, que é o que faz todo o mundo civilizado, todo o mundo democrático que usa uma eletrônica, com exceção de Bangladesh e do Butão, para se transformar em uma discussão assim: quem é a favor do Bolsonaro vota a favor do voto impresso e quem é contra o Bolsonaro vota contra o voto impresso. E quem é contra o Bolsonaro e a favor do voto impresso, como vota? Eu discuti essa matéria internamente no meu partido. Em 2015, o PSDB votou unanimemente a favor dessa conferência. A Câmara dos Deputados, por mais de 400 votos, e o Senado por mais de 60, aprovaram essa matéria. É sinal de que ela não era tão absurda assim.

O texto dessa PEC propõe a apuração pelo voto impresso.
O que nós estávamos propondo não era o que constava naquele texto. O que nós queríamos era a possibilidade, através de uma amostragem, de permitir quase que uma autoauditoria por parte do TSE. O sistema eleitoral tem que ter duas características: ele precisa ser eficaz, e eu acho a urna eletrônica eficaz porque sou remanescente daqueles que estavam aqui quando ela começou a ser discutida, e precisa de confiabilidade, gostemos ou não eu, você e o (Luís Roberto) Barroso. Se todos nós consideramos (a urna eletrônica) a oitava maravilha do mundo, há uma parcela considerável da população que ainda tem questionamentos em relação à eficácia. É natural, é da nossa natureza humana. Garantir a confiabilidade, que se juntaria à eficácia, a meu ver, era algo natural.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/Folhapress“O maior serviço que o PSDB e outros partidos do centro podem prestar à polarização é lançarmos várias candidaturas”
A sua abstenção não pode ser considerada como uma espécie de leniência em relação ao comportamento golpista de Bolsonaro?
Não. A abstenção não dá voto para aprovar, como o presidente gostaria. A abstenção não conta para o eventual alcance dos 308 votos. Foi uma sinalização que eu fiz, absolutamente consciente. Eu me sentiria muito mal se, tendo defendido o voto impresso em vários pronunciamentos, chegasse aqui e votasse contra simplesmente, porque o Bolsonaro ficou a favor e fez disso um discurso político a meu ver sem qualquer sentido. Eu não contribuí para aprovar o voto impresso, o meu voto vale tanto quanto o daqueles que votaram contrariamente, porque precisaríamos dos 308 votos, mas é um voto de alerta, de que esse tema deve voltar. Não acho que os meus filhos, os meus netos e bisnetos vão estar fadados a votar nesta urna de primeira geração pelo resto das suas vidas, porque o presidente do TSE ou seja lá quem for a considera intocável. Eu não acho que ela seja uma cláusula pétrea que não possa ser, pelo menos, discutida. Mas também considero que, neste momento, essa discussão perdeu todas as condições de avançar.

O presidente Bolsonaro costuma alegar, sem provas, que o sr. venceu as eleições de 2014. O sr. tem alguma dúvida do resultado?
Eu não tenho nenhuma prova de que isso tenha ocorrido. O que fizemos, no sentido até de contribuir para o processo eletrônico, foi pedir uma auditoria para saber como esse processo se dava, em razão de inúmeras denúncias que chegavam, o que nada tem a ver com contestação de resultado eleitoral. Às 20h30 daquele domingo, cumprimentei a presidente da República pela vitória, desejei a ela sucesso, que ela pudesse unir o país ao entrar em seu novo governo.

O sr. vê risco golpe no país?
Eu não dou a importância que as pessoas dão a isso, de que há um “fantasma” de interrupção do processo democrático a todo momento. “Ah, porque tanques foram desfilar na Esplanada…” Eu acho que nossa democracia é sólida, enraizada não apenas nas instituições, mas na cultura da população brasileira. Não acho que um presidente da República, qualquer que seja, incluindo o atual, tenha qualquer condição de atentar contra a democracia. Na verdade, ele (Bolsonaro) está, com esses rompantes, atentando contra o seu próprio governo. Eu não vejo possibilidade de golpe. Não vejo condições, de quem quer que seja, hoje, de arrastar o Brasil para um período autoritário. Minha função como presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional me faz conversar com muitas pessoas da área militar. Eu presido também a CCAI, a comissão que cuida dos assuntos de inteligência, e recentemente recebemos aqui o ministro Heleno com toda a área de inteligência do governo. Por essas e outras conversas laterais que eu tenho, não há menor condição, o menor clima ou possibilidade de interrupção do processo democrático brasileiro. Se o presidente, por alguma razão, achar que isso é possível, simplesmente vai se frustrar.

Em entrevista ao programa Roda Viva, o governador João Doria chamou o sr. de “covarde” e “pária” no PSDB. O que lhe pareceu?
Eu acho que isso é a reação de quem não está confortável hoje no partido. O PSDB não vai ser cooptado por ninguém. Pode até ser conquistado, como foi em todas as últimas candidaturas. Esse estilo da pressão e da ofensa não tem a ver com o PSDB. Eu acho que ele é que é um estranho no ninho tucano. Esse é o meu sentimento. O que eu faço é uma crítica política que ele, lamentavelmente, não consegue responder politicamente. Se ele vier a vencer as prévias, o que eu espero que não aconteça, o PSDB vira realmente um partido nanico, porque muitos vão embora e muitos não vão se eleger. O Brasil precisa do PSDB fortalecido. É importante para o Brasil ter um partido como o PSDB. Eu acho que essas prévias têm a ver com a sobrevivência de um partido que tem um projeto para o Brasil.

Em nota, o sr. afirmou que emissários de Doria viajam pelo país oferecendo o pagamento de dívidas de campanha e financiamento de campanhas futuras, para comprar o resultado das prévias. O sr. pode detalhar essas acusações?
Eu não vou detalhar. O que está ali está mais do que explícito. Não tenho como dizer mais do que isso. Eu estou alertando para o que está acontecendo. Ele tem feito essas ofertas através de emissários e o partido inteiro sabe disso.

O sr. também se referiu na nota a supostos esquemas envolvendo o grupo Lide. A que se refere?
Eu não tenho que detalhar mais do que isso. Ele fez acusações pessoais muito graves e eu estou respondendo com aquilo que eu acho que acontece. Tudo que eu estou falando, para quem convive lá, não é novidade. Meu limite, por enquanto, é o que está na nota. O que eu falei é o que efetivamente vem acontecendo, e agora é esperar que o PSDB compreenda que não precisa ter um dono, não pode se apequenar diante desse tipo de ação.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/Folhapress“Não vejo condições, de quem quer que seja, hoje, de arrastar o Brasil para um período autoritário”
O projeto de Doria coloca a terceira via em risco?
O maior serviço que o PSDB e outros partidos do centro podem prestar à polarização é lançarmos várias candidaturas. Esse é o passaporte que estaremos dando para que a eleição seja decidida entre Bolsonaro e LulaO que eu tenho alertado ao partido, aos meus companheiros de partido, é que o PSDB tem todas as condições de lutar para ter um candidato, pode até ter esse candidato da terceira via, mas precisará agregar forças também fora do PSDB, na sociedade e nos partidos políticos. Não vejo no governador de São Paulo essas condições. A minha questão com ele é eminentemente política, não é pessoal.

Haverá, de fato, uma terceira via?
Ainda acredito na possibilidade de termos uma terceira via fortalecida, seja ela do PSDB ou também fora do PSDB, se se apresentar amanhã uma candidatura com melhores condições de romper essa polarização.

O governador Eduardo Leite sinalizou que abriria mão de sua candidatura, em nome de um candidato com mais chances. É essa a sua posição?
Eu acho que o Eduardo está mostrando muita maturidade política. O ruim é quando alguém constrói projeto político olhando apenas para o seu umbigo.

É o caso do governador Doria?
É o caso… Eu acho que está claro o que eu disse.

Eduardo Leite, a seu ver, teria mais condições de enfrentar a polarização?
Eu acho que, se vencer as prévias, ele tem grandes condições de ser a novidade desse jogo. Ele pode ser uma lufada de oxigênio nesse ambiente tão contaminado da política. Tem experiência administrativa, tem jovialidade, fala para o jovem, tem uma agenda moderna — eu acho que ele tem boas chances de ser o candidato que venha a aglutinar outras forças. O nosso esforço tem que ser nessa direção. Mas se amanhã surge nesse campo uma outra candidatura com maior capacidade de aglutinar forças, o que nós temos que dizer? Não vamos com ela? É mais importante perder com o PSDB do que ganhar com essa força política? Vamos ter prévias, provavelmente muito disputadas, mas eu acho que o melhor é aquele que consegue caminhar na busca da sua vitória olhando para os lados com generosidade, com desprendimento.

Eduardo Leite é o seu candidato?
Tenho evitado estar à frente de qualquer uma das candidaturas, mas há hoje, em Minas e em outros estados, uma aproximação maior com Eduardo. Prefiro não ter um posicionamento oficial em favor dessa ou daquela candidatura, até para não gerar uma polêmica maior do que as que já existem dentro do partido. Não é a minha posição que vai definir os resultados da eleição. Faço uma análise política de alguém que conhece razoavelmente o PSDB, que presidiu o partido por muitos anos.

O governo Bolsonaro hoje depende absolutamente do Centrão. Como o sr. enxerga essa situação?
No sistema político que nós vivemos hoje, com a pulverização dos partidos, essa talvez seja uma das principais raízes dos nossos problemas. Qualquer um vai precisar de apoio no Congresso. Você vai ter de um lado e vai ter de outro. O PT teve o apoio da sua base e de boa parte do Centrão. Lula e Dilma governaram com o PMDB e com o PP.

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