SergioMoro

A agenda de reformas e a captura da política

27.08.21

A previsibilidade permite planejamento. Em escala nacional, a estabilidade das instituições, o império da lei e a racionalidade das políticas públicas favorecem os agentes econômicos na geração e distribuição da renda, promovendo bem-estar. O Brasil é um país com inúmeras riquezas e talentos, mas há muito vem se perdendo entre crises, clientelismo, corrupção e ineficiências generalizadas.

Na minha vida pública, os temas relacionados ao Direito e às políticas contra a corrupção sempre tiveram um lugar especial. A rigorosa aplicação das leis fortalece o Estado de Direito, preserva o bem público e evita condições desiguais entre agentes econômicos. Aqueles que operam à margem da lei fraudam a concorrência e corroem as estruturas institucionais e sociais, disseminando maus exemplos e colocando em questão a capacidade de reação estatal. Atuei para tentar gerar maior eficiência para o Estado brasileiro e reduzir a incerteza no relacionamento público-privado.

Para além das mazelas da corrupção, o Brasil vem padecendo de incertezas institucionais, políticas, sociais, ambientais e econômicas. Não é fácil, mas há certa clareza do que se fazer para acertarmos o rumo.

Em relação às instituições, os poderes seguem atuantes apesar de diversos solavancos como impeachment, escândalos pela má gestão de recursos públicos, prisões de criminosos – política ou economicamente poderosos, enquanto durou a Operação Lava Jato –, depressão econômica, pandemia, tentativas de desmantelamento de órgãos de controle, além da polarização excessiva. O povo brasileiro demanda a manutenção do Estado de Direito regido por nossa Constituição Federal. As pessoas passam, as instituições devem permanecer e ser aperfeiçoadas. Fortalecer a democracia e as instituições tem que ser o foco. Transparência nos gastos, eficiência na gestão do dinheiro público, impessoalidade no trato com a coisa pública devem ser o norte para qualquer gestor público.

Na esfera política, acredito, como cidadão, que projetos sem radicalismos reduziriam significativamente a incerteza projetada para os próximos anos. Uns podem ser mais conservadores nos costumes e outros menos; alguns podem ser mais liberais na economia, outros nem tanto. São discussões legítimas e devem ser promovidas com transparência e tolerância às divergências. O que não se pode admitir são projetos radicais e personalistas, focados na satisfação própria e na acumulação de poder, para a pessoa, os familiares ou o partido. O projeto verdadeiramente republicano está delineado em nossa Constituição Federal, que logo no início estabelece que o objetivo da República é construir uma sociedade livre, justa e solidária.

Para atingir esse objetivo, as políticas sociais precisam mirar na inclusão. Aperfeiçoar nosso aparato público para honrar os direitos constitucionais de todos: educação, saúde, segurança, justiça, seguridade social, emprego ou renda mínima para existência digna e, claro, liberdade e ausência de discriminação. São desafios que o Estado precisa enfrentar e resolver. A complexidade e a interação desses temas precisam ser equacionadas de acordo com as melhores técnicas econômicas e orçamentárias, precedidas do salutar debate público. O povo brasileiro não necessita de miragens, um futuro que nunca chega, mas de políticas públicas que funcionem, de forma descentralizada e eficiente, como convém a um federalismo cooperativo. O Brasil ainda tem muito para correr nessas frentes, mas evoluiu nas últimas décadas, entre avanços e retrocessos.

No lado ambiental, o Estado tem o dever de proteger o meio ambiente. Os custos financeiros e climáticos da destruição da natureza estão cada vez mais evidentes ao redor do mundo. Os recentes embargos de empresas estrangeiras a itens agroflorestais brasileiros ilustram o fracasso da política atual. Regras claras para os empreendedores agroindustriais, apoio institucional para adaptação às incertezas climáticas, incentivos ao ganho de produtividade agrícola e ao reflorestamento, além de estímulos às pesquisas científicas são caminhos a seguirmos para podermos explorar responsavelmente a abundância de recursos naturais e o clima privilegiado que tivemos a sorte de ter em nosso país.

Também, de extrema relevância, precisamos dirimir as incertezas econômicas e a algazarra institucional que está instalada. Adam Smith já dizia: “O que vai gerar a riqueza das nações é o fato de cada indivíduo procurar o seu desenvolvimento e crescimento econômico pessoal”. O empreendedor precisa de previsibilidade econômica e estrutural para alocar seu capital de forma a gerar emprego e distribuir renda. Para poder planejar, investir, contratar, produzir e vender, o empreendedor precisa de uma estrutura governamental que lhe propicie paz e estabilidade econômica. Empreender é, por si só, um risco e traz preocupações. Não deveriam ser as crises políticas, muitas vezes fabricadas para desviar a atenção dos problemas reais, mais um elemento de preocupação.

Parte dos empreendedores evitará investir em novos projetos enquanto o ambiente econômico permanecer permeado por dúvidas cruciais, como, por exemplo, sobre o valor do dinheiro no tempo, sobre a capacidade de o governo honrar suas dívidas e financiar a infraestrutura necessária para aliviar os diversos gargalos de crescimento e o peso de uma carga tributária disfuncional e altamente complexa. Um governo precisa usar as ferramentas econômicas de que dispõe para controlar a inflação, manter uma dinâmica sustentável da dívida pública, aumentar a eficiência dos gastos do governo, além de ter uma força-tarefa permanente para reduzir a burocracia, permitindo a transição ainda mais rápida de um estado burocrático e cartorial para um estado tecnológico e informatizado, em todas as áreas, especialmente a administrativa, a tributária e a social.

Apesar da clareza quanto aos passos a serem tomados em uma agenda de reformas para o Brasil, a política brasileira mostra-se incapaz há tempos de implementá-la. O principal motivo consiste na captura da agenda política por interesses especiais e não-republicanos. Patrimonialismo, clientelismo, corporativismo, às vezes suborno mesmo, têm dominado as relações na esfera política, a ilustrar a reação contra a Operação Lava Jato e o combate à corrupção. Enquanto não for iniciado um ciclo virtuoso para resgatar a política do sequestro pelos interesses especiais, a agenda de reformas não será implementada no ritmo e na amplitude necessárias. Ficaremos sempre um passo atrás da comunidade das nações, à semelhança do que ocorreu no passado quando fomos um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão. Sem as reformas modernizantes, são os mais pobres que mais sofrem, e temos o dever de abrir oportunidades a todos. Precisamos avançar no sentido correto, com integridade, respeito e transparência, sem malícia e com caridade, para que o Brasil não fique preso entre um passado corrompido e um presente caótico.

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