Isac Nóbrega/PRO presidente com seu novo ministro: aliança tática não é garantia de apoio

O Centrão na sobremesa

Com o notório Ciro Nogueira na Casa Civil, Bolsonaro cede ainda mais à ala fisiológica do Congresso, que mesmo assim não lhe garante apoio irrestrito até o final do governo
30.07.21

Ao oficializar nesta semana o senador Ciro Nogueira no comando da Casa Civil e se render por completo ao suprassumo do fisiologismo no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro fez um movimento calculado, embora previsível. Com a iniciativa, ele tenta resolver duas questões de uma tacada só: se safar do risco de perder o mandato, em um momento de deterioração crescente de sua popularidade, e amarrar o Centrão a seu projeto da reeleição, o que é algo ainda incerto.

Em audiência com Ciro Nogueira, o quarto ministro da Casa Civil do atual governo, o presidente prometeu a ele total autonomia, a partir de agora, para exercer a articulação política do Planalto com o Congresso. Significa que o até agora presidente do Progressistas terá, como ministro, sinal verde para negociar nomeações e articular a liberação de emendas dos parlamentares –  a segunda função ele fará em parceria com a ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, do PL de Valdemar Costa Neto. Com isso, o Centrão passa a controlar o ciclo de indicações políticas para postos no governo de ponta a ponta. “Fomos nos moldando”, reconheceu sem corar o presidente, ao ser indagado sobre sua rendição aos profissionais da política.

O problema, para Bolsonaro, é que nada garante que os partidos que compõem o Centrão irão lhe franquear apoio incondicional até o final – muito menos que abraçarão o seu projeto de reeleição. Essa, inclusive, é a exata condição em que Centrão se sente mais confortável. A de, como principal bloco de sustentação de um presidente frágil, poder sempre amealhar mais e mais poder até que uma possibilidade real de impeachment os leve a abandonar o governo sem a menor cerimônia.

Luis Macedo/Câmara dos DeputadosLuis Macedo/Câmara dos DeputadosLira, outro chefão do Centrão: por ora, proteção contra o impeachment
Hoje, o Progressistas, que até outro dia era PT de carteirinha, tem cacife político para negociar com qualquer candidato ao Planalto que tope as condições impostas pela ala mais fisiológica do Congresso. Em fase de crescimento, o partido deve ganhar outro integrante do primeiro escalão de Bolsonaro em breve: o ministro das Comunicações, Fabio Faria, de saída do PSD. Atualmente, o partido conta com a terceira maior bancada na Câmara, com 41 deputados. Nas eleições municipais, foi um dos partidos com maior aumento no número de eleitos. Elegeu 685 prefeitos e 6,3 mil vereadores, atrás apenas do MDB.

Na condição de presidente da legenda, Ciro Nogueira administrou a quarta maior fatia do fundo eleitoral. Se o fundão alcançar mesmo os 4 bilhões de reais, com a bênção de Bolsonaro, o Progressistas deve abocanhar 280 milhões de reais para a eleição nacional. Para que toda essa estrutura esteja a serviço de outra candidatura que não a de Bolsonaro, basta que o governo termine de se inviabilizar politicamente e outro aspirante ao Planalto apresente uma negociação mais vantajosa.

Ciro Nogueira, por exemplo, que até há pouco tachava Bolsonaro de “fascista” e hoje é chamado por ele de “filho 05”, não terá a menor dificuldade para mudar de lado se lhe for mais conveniente. Menos de três anos atrás, ele era aliado de primeiríssima hora de Lula e Dilma Rousseff. Em 2018, durante a campanha para senador, chegou a dizer que deixar Lula de fora da disputa presidencial – na ocasião, o petista estava na cadeia – era “tirar do eleitor um direito de escolha”. Afirmou ainda que ficaria com Lula “até o fim”. “Se preciso for, ele volta a ser lulista”, afirma um interlocutor do senador.

Marcos Oliveira/Agência SenadoMarcos Oliveira/Agência SenadoO plenário da CPI: investigação pode debilitar ainda mais o governo
Bolsonarista de quatro costados, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, é um dos que acham que o presidente corre altíssimo risco de ser traído. Ex-integrante da tropa de choque de Fernando Collor, Jefferson traça um paralelo entre a escolha de Nogueira e a decisão do ex-presidente do PRN – meses antes de renunciar para não sofrer impeachment, em 1992 – de nomear Jorge Bornhausen, do então PFL, para a recém-criada Secretaria de Governo. “Quando o presidente (Collor) abriu os olhos, toda a liderança junto ao Congresso Nacional era do Bornhausen. Não era dele”, afirmou o ex-deputado.

A ala militar do governo, que está sendo engolida pelo Centrão, também torce o nariz para a ascensão de Ciro ao coração do Planalto. Depois que soube que não permaneceria mais no posto de chefe da Casa Civil, o general Luiz Eduardo Ramos batalhou até o último minuto para evitar ser substituído pelo senador do Progressistas. Não deu certo. Ramos teve de aceitar em silêncio ser deslocado para a Secretaria-Geral da Presidência na mesma dança das cadeiras que guindou Onyx Lorenzoni – então ocupante do cargo transferido para o general – ao novo Ministério do Emprego e Previdência.

A convivência dos militares com o Centrão nunca foi pacífica, mas piorou há duas semanas quando o próprio Ciro Nogueira e o presidente da Câmara, Arthur Lira, também do Progressistas, foram acusados de vazar para a imprensa que o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, teria dito que sem voto impresso não haverá eleição em 2022. Ali, o caldo entornou de vez.

O que pode contribuir para que o Centrão vire a casaca são os desdobramentos da CPI. A comissão de inquérito, que retoma os trabalhos na próxima semana, volta com agenda cheia. Senadores pretendem lançar luz, por exemplo, sobre o turvo contrato entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos para a aquisição da vacina indiana Covaxin, que tem como pivô o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, do mesmo partido de Ciro Nogueira.

Divulgação/PRDivulgação/PROs generais Heleno e Ramos: Centrão está tratorando os fardados do governo
Em outra frente, a CPI pretende avançar sobre as suspeitas de corrupção reveladas por Crusoé no contrato do Ministério da Saúde com a VTCLog, empresa distribuidora de medicamentos e vacinas. Nesse caso, o próprio Ciro Nogueira aparece entre os suspeitos de receber propina, assim como o presidente da Câmara, Arthur Lira.

Mas o mais encalacrado é mesmo Jair Bolsonaro. Para integrantes da CPI, as gravações trazidas à tona por Crusoé de reuniões interministeriais ocorridas em 2020 para debater a adesão do Brasil ao consórcio de vacinas Covax Facility, liderado pela OMS, constituem prova de que o presidente boicotou a compra dos imunizantes que poderiam ser usados em 50% da população. Isso, por si, já configuraria crime de responsabilidade.

“Já estão comprovados crimes contra a saúde pública, que chegam a crime de responsabilidade, e que poderiam ser usados pela Câmara para abrir um processo de impeachment”, diz a senadora Simone Tebet.

As provas coletadas pela comissão de inquérito serão encaminhadas à Procuradoria-Geral da República. Se Augusto Aras não servir de escudo para o Planalto, integrantes da comissão acreditam que haverá evidências suficientes para acusar o presidente pelo crime de epidemia, na forma qualificada, com pena de reclusão de 20 a 30 anos. Há ainda a possibilidade de uma acusação pelo crime de prevaricação, que teria ocorrido tanto na omissão na compra de vacinas quanto na inação de Bolsonaro após ser informado pelo deputado Luís Miranda e seu irmão, Luis Ricardo Miranda, sobre as graves suspeitas em torno da compra da Covaxin. Agravado o quadro político do presidente, se alguém no Planalto gritar “cadê o Centrão?”, pode ser que nem ouça resposta. Por ora, a turma de Ciro Nogueira, Arthur Lira e companhia faz aquilo que mais gosta: se lambuza no banquete.

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