Os 285 milhões de reais da turma da Lava Jato
Eles estão mais ricos e em poucos dias surgirão na televisão e no rádio pedindo humildemente o seu voto. Apesar do terremoto político causado pela Lava Jato, os investigados pela maior operação de combate à corrupção no país seguem bem, obrigado. Crusoé levantou os patrimônios declarados à Justiça Eleitoral por 60 políticos investigados pela Lava Jato, nesta campanha e na anterior. Resultado: a turma enriqueceu 50,8 milhões de reais desde 2014 e acumula hoje 285,4 milhões de reais em bens. Dá uma média de 4,75 milhões de reais para cada candidato investigado pela operação.
Esta corrida eleitoral tem ainda um novo fator, graças ao Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. As declarações de patrimônio de candidatos estão mais genéricas e, por tabela, mais obscuras. É impossível saber mais detalhes financeiros da turma da Lava Jato, bem como dos outros 27 mil candidatos em todo o país. A Justiça Eleitoral dificultou acesso a informações básicas sobre os bens. Uma Ferrari que antes tinha de ser declarada como tal agora pode ser listada simplesmente como “veículo automotor”, assim como uma bicicleta elétrica.
A última declaração de bens de Lula ao TSE data de 2006, quando foi reeleito ao Palácio do Planalto. Ele declarou ter 839 mil reais. Em 2018, ao registrar a candidatura mesmo preso e condenado em segunda instância, inelegível pela Ficha Limpa, a cifra saltou para perto de 8 milhões de reais — um acréscimo de 7,1 milhões. A principal diferença foi a inclusão de 6,3 milhões de reais de um plano de previdência privada. As aplicações financeiras do petista no Banco do Brasil cresceram nove vezes: saltaram de 27 mil para 244 mil reais. Ele declarou ter seis imóveis em São Bernardo do Campo, dois a mais do que na última eleição em que concorreu.
No ranking dos investigados, o mais rico é o senador Eunício Oliveira, do MDB do Ceará. Ele é presidente do Senado e quer mais oito anos de parlamento. O patrimônio declarado é de 89,2 milhões de reais. O número é robusto, mas a descrição não poderia ser mais genérica. “Terra nua” é um dos itens do que ele declarou, sem entrar em detalhes. Pode significar uma modesta horta ou um massivo latifúndio. Ninguém sabe. Ele informou ter 103 “terras nuas”. Também não descreveu os automóveis que possui: tascou 320 mil reais para “veículo automotor terrestre: caminhão, automóvel, moto, etc”.
O patrimônio de Eunício é exemplar de como existem brechas nas declarações. Muitos políticos usam pessoas jurídicas para comprar bens. A manobra encontra amparo na lei, traz até benefícios fiscais, mas cria mais uma camada para dificultar o mapeamento de patrimônio. Como Crusoé revelou, Eunício tem, sob o registro de uma de suas empresas, um apartamento de 13 milhões de reais em Miami. Agora, com o modelo genérico do TSE, não é possível nem identificar o nome da pessoa jurídica que ele criou.
Depois de Eunício, os mais abastados são Ciro Nogueira, com os já citados 23,3 milhões de reais, e o ex-presidente Fernando Collor, com 20,6 milhões de reais. Eunício é investigado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. É acusado de receber 2 milhões de reais da Odebrecht, para beneficiar a empreiteira no Congresso, e de ganhar 5 milhões de reais da Hypermarcas em contratos de fachada. Ciro Nogueira foi denunciado por obstrução de Justiça, sob acusação de ter ordenado uma ameaça de morte a uma testemunha da Lava Jato. Já Collor, que busca voltar a ser governador de Alagoas, é réu por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, acusado de receber 30 milhões de reais em negócios da BR Distribuidora.
A decisão de ocultar detalhes e permitir as “103 terras nuas” de Eunício e classificações que tais veio no apagar das luzes da presidência de Luiz Fux no TSE. Um grupo técnico, envolvendo o tribunal e instâncias regionais, estabeleceu as regras para este ano, acatando sugestões de políticos, que fizeram chegar a reclamação de que se sentiam expostos. Sim, expostos, veja só. O resultado é um retrocesso sem precedentes.
Para evitar “exposição”, o endereço dos bens e detalhes de operações financeiras também ficaram de fora. A nova presidente do TSE, ministra Rosa Weber, reviu a medida. Mas tudo segue como está: a corte apenas sugeriu que os postulantes especifiquem seus bens — ficou longe de ser obrigação. É claro que os alvos da Justiça declinarão da sugestão. E, assim, está livre a avenida para os investigados pedirem seu voto sem prestar maiores satisfações. A turma da Lava Jato agradece a vista grossa do TSE.
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