Adriano Machado/Crusoé

“Não sou contraponto a Bolsonaro”

É o que diz a senadora Ana Amélia, escolhida vice de Geraldo Alckmin. Seu nome ganhou força dentro do PSDB graças à defesa da Lava Jato e a simpatia de um público que orbita entre o tucano... e Jair Bolsonaro. Filiada ao PP, partido atingido pela operação da Polícia Federal, ela afirma a sua independência e defende a aliança com o Centrão
24.08.18

Aos 73 anos, a senadora Ana Amélia, do PP do Rio Grande do Sul, abriu mão de uma reeleição quase certa para ser vice de um candidato que, embora tenha a maior coligação de partidos, está estacionado em quarto lugar nas pesquisas. Se a sua chapa for eleita, ela pretende ser uma vice diferente da nossa breve tradição democrática, de figuras discretas ou decorativas. Não mede palavras e não tem medo de se posicionar em assuntos que, em toda eleição, causam arrepios nos políticos, sobretudo na ala mais conservadora. Ana Amélia, por exemplo, acha que a mulher que fizer aborto não deve ser presa e é favorável ao casamento gay. Ela já tem a resposta pronta: quer ser vista como conservadora, sim, mas da ética política e no trato do dinheiro público. Nesse campo, Ana Amélia não vê como erro, por exemplo, ter sido jornalista da RBS na década de 1980 e, ao mesmo tempo, ocupar um cargo no Senado.

Ana Amélia recebeu Crusoé em seu gabinete no Senado, onde fez questão de exibir fotos de personalidades que entrevistou nos últimos 40 anos como jornalista. Entre eles, o ex-ditador cubano Fidel Castro e o ex-governador Leonel Brizola. Eis a entrevista:

Por que a senhora aceitou ser candidata a vice do tucano Geraldo Alckmin?
Porque compreendi que a minha omissão poderia significar arrependimento por não ter contribuído para o Brasil recuperar a sua esperança, autoestima, confiança e credibilidade interna e externa. Seria imperdoável para mim.

A senhora tem sido muito criticada pela aliança com Alckmin, que é investigado pela Lava Jato e outros casos de irregularidades.
Natural. As respostas que ele deu para mim foram muito claras. No caso da merenda, houve uma irregularidade praticada por uma cooperativa em conluio com outras que, lamentavelmente, mancharam um sistema pelo qual tenho enorme respeito. Meu estado é onde nasceu o cooperativismo, na cidade de Nova Petrópolis. A explicação dada por ele tanto sobre a questão da merenda escolar, quanto sobre a do Rodoanel,foram satisfatórias do ponto de vista da comprovação do que o estado agiu corretamente nesses processos.

Mas o partido dele, o PSDB, tem lideranças investigadas pela Lava Jato que a senhora tanto defende…
Sem dúvida nenhuma, mas não só no partido dele. No meu partido, um grande número de parlamentares esteve (envolvida na operação). Aliás, foi o primeiro partido a surgir na Lava Jato. Mas isso não significa dizer que eu compactue com corrupção. E também fui uma senadora que apoiou o Aécio Neves em 2014. Ganhamos a eleição, muito disputada no Rio Grande do Sul. Ganhamos de Dilma Rousseff. E quando ouvi o que o Aécio havia dito naquela gravação com o Joesley (Batista) e vi que o Supremo Tribunal Federal havia decidido pelo afastamento dele do cargo, fui uma das poucas senadoras que subiu na tribuna para dizer que eu estava de acordo com a decisão do STF. Isso significa dizer que a minha régua moral é a mesma para Dilma, Aécio, Temer e também para o Alckmin.

Mas, como vice-presidente, caso eventualmente haja irregularidades no governo, o que vai fazer? Vai romper?
Você não pode, de cara, condenar uma pessoa. Estamos num estado democrático de direito. Pressupõe-se que a denúncia seja objeto de  investigação, análise pelo Ministério Público e julgamento pela Justiça. Quando tudo estiver encerrado, confirmada a culpa ou a inocência, é que a gente tem de se manifestar. É preciso exigir uma investigação rigorosa. Em todos os casos. Não só no âmbito da Lava Jato, mas em todas as questões de irregularidades no setor público brasileiro.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéÉtica: “Minha régua é a mesma para Dilma, Aécio, Temer e Alckmin”
Não lhe causa desconforto estar num partido com tantos investigados pela Justiça?
Se na minha família, como nas famílias brasileiras, existisse um irmão que tivesse cometido um crime, que pergunta você faria? Você se sente confortável nessa família que tem uma ovelha negra?

Mas família a gente não escolhe, partido, sim…

Pois é, meu querido. E partido a gente escolhe. Mas partido não é feito de anjos. Partido é feito de pessoas, de seres humanos, que têm suas virtudes e têm os seus defeitos. Grande parte dos partidos que estão nessa aliança ampla para apoiar Alckmin andaram apoiando o Lula, apoiando a Dilma…

E isso não lhe causa desconforto?
Não tenho desconforto nenhum. Sabe por quê? Porque eu trabalho com responsabilidade. Eu preciso responder pelos meus atos.

Mas, em caso de vitória, a senhora também responderá pelo governo.
Vou responder pelos meus atos. Mas confio plenamente na responsabilidade, na ética, no grau de maturidade, de equilíbrio do governador Alckmin na condução de um governo sério. Foi o que aconteceu em São Paulo, como você pode ver pelos resultados em todas as áreas, seja de saúde, educação ou infraestrutura. É um estado que, comparado aos demais, está numa situação bastante mais avançada.

Como é a relação da senhora com o presidente do seu partido, o senador Ciro Nogueira, investigado pela Lava Jato? Durante as negociações com Alckmin, ele dizia nos bastidores que a senhora era “independente demais”.
Muito respeitosa. Você não sabe, talvez, mas eu presido a Fundação Milton Campos, que é o braço institucional do partido. Essa fundação é fiscalizada pelo Ministério Público Eleitoral. E, desde que eu assumi, disse à executiva: não quero sujar minha ficha com a fundação. Portanto, tudo que sai da fundação – e não é pouca coisa, financio projetos relevantes – , é objeto de um grande zelo. Eu sou demandada por todos os deputados, todos. Agora, por exemplo, época de pesquisas qualitativas, todos são atendidos. Mas faço o controle: olha, para essa pesquisa tem que fazer três orçamentos e por aí vai. Eles têm de se adaptar à exigência que nós nos impomos.

Mas e a relação política?

Ele (Ciro Nogueira) é respeitosíssimo. É assim que a gente tem que agir: com independência, mas com respeito. Eu não sou juíza, não sou promotora, nem sou policial para fazer julgamento e juízos sobre as pessoas. Tenho que agir de acordo com o que me compete fazer, para ter a consciência tranquila.

A senhora tem um discurso conservador e de defesa da Operação Lava Jato…
(Interrompe) Conservador: conservador da ética, conservador da responsabilidade, do respeito do dinheiro público. Conservador no sentido desses valores.

E em temas como aborto, como pretende se posicionar?
Até seria mais confortável dizer: olha, deixa o Supremo Tribunal Federal decidir. A legislação já protege as mulheres que fazem aborto em algumas circunstâncias. Acho que esse é o limite aceitável pela maioria da sociedade brasileira, embora também respeite a posição de quem esteja defendendo o contrário. Mas penso que hoje, com, digamos, a forma e as crenças da sociedade brasileira, o limite que temos na lei é bastante protetivo.

Concorda com a prisão como penalidade para mulheres que fizeram aborto?
 
Nessa matéria, penso que as penas alternativas para a mulher são mais adequadas do que a prisão. A penalização deve ser na forma de educação, de pena alternativa.

Que tipo de pena alternativa?
Um processo de formação sobre o assunto, sobre os riscos. Porque há risco também em qualquer circunstância de aborto. Ele existe em todos os lugares. Legalizado ou não.

Alguns apoiadores de Alckmin, como FHC, defendem algum tipo de legalização das drogas. Qual é a sua posição?

Fui relatora de uma subcomissão criada na comissão de Assuntos Sociais. E ali chegamos à conclusão de que, quando os especialistas, sejam toxicologistas, psiquiatras, médicos especializados nessa área, não entram numa convergência sobre o tema, como é que uma leiga, parlamentar, vai entrar nisso, a não ser sendo opiniática? Gostei muito quando José Mujica, ex-presidente do Uruguai, foi questionado sobre se poderia se repetir o que aconteceu na Suíça, em Zurique, onde havia uma praça para drogados e houve uma reversão do processo pelas consequências que aquilo acarretou. E ele, com a naturalidade de um ser pensante, de um ser pragmático e muito inteligente, disse: bom, se não der certo, a gente muda.

Casamento de pessoas do mesmo sexo, concorda?
Já está na lei isso. E o Rio Grande do Sul, aliás, é um dos estados mais avançados nesse campo. Então, essa é uma questão já pacificada.

Aliados de Alckmin dizem que a senhora foi escolhida como vice dele também para fazer contraponto a Jair Bolsonaro…

(Interrompe) Não sou contraponto a Jair Bolsonaro. Eu sou a Ana Amélia, candidata a vice. O Bolsonaro é candidato a presidente. Não vou ser contraponto a ninguém. Vou ser defensora de um programa moderno de governo, liderado pelo Geraldo Alckmin. Aliás, no que depender de mim, não haverá ataques, não haverá bate-boca com candidatos.

O que a senhora pensa do Bolsonaro e das declarações dele?
Quem tem que julgar o Bolsonaro e as declarações dele não sou eu. São os eleitores. Já fiz quando ele estava no meu partido. Em 2011, ele fez uma declaração contra a Dilma Rousseff (questionava a sexualidade da presidente). Eu era adversária da Dilma, mas a declaração foi muito deselegante, desrespeitosa às mulheres. E ela tinha acabado de ser eleita presidente da República. Você pode discordar, mas não pode desrespeitar nenhuma pessoa. Seja mulher, seja homem. Mas especialmente as mulheres porque, no Brasil, vemos atitudes machistas. Isso não constrói uma sociedade mais solidária, mais respeitosa, mais democrática. A violência contra a mulher é muito grande no Brasil, inclusive no meu estado, que é considerado politizado. Então, toda declaração que vier contra o princípio da defesa e da valorização das mulheres… A minha entrada na chapa de Alckmin também é uma forma empoderar as mulheres. E fiquei feliz de ver agora que mais duas candidatas estão também compondo chapas como vice-presidentes, a ex-ministra e senadora Kátia Abreu e a Manuela D’Ávila.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéAborto: “Penas alternativas para a mulher são mais adequadas do que a prisão”
A senhora, aliás, já apoiou a Manuela na disputa pela prefeitura de Porto Alegre em 2012…
Apoiei a Manuela. Então, sou uma direita estranha, né? Porque apoiei o PCdoB. Contrariando o meu partido. Apoiei Manuela para urbanizar o meu partido, porque diziam que meu partido era um partido dos grotões, e eu queria mostrar que não era. Por isso eu decidi apoiar a Manuela. As propostas que ela fez para a cidade de Porto Alegre não tinham ideologia, levavam em conta o interesse da sociedade gaúcha.

Mas o que pensa de Manuela e Kátia Abreu?

São políticas que exercem o seu papel de acordo com as suas convicções e devem continuar fazendo exatamente o que gostam de fazer.

Como vê a insistência do PT em registrar a candidatura do Lula, mesmo com ele inelegível?
É direito do partido fazer o que quiser. Porém, precisamos ter cuidado, porque estamos num estado de direito e, no estado de direito, a Justiça deve prevalecer. Ele já foi julgado em segunda instância e a suprema corte já em 2016 entendeu que a prisão em segunda instância deve ser mantida para que você tenha segurança jurídica. Eu não gostaria que Lula estivesse preso. Mas ele está pagando pelos erros cometidos. Assim é a lei e ela é igual para todos. Não podemos tergiversar ou passar a mão na cabeça porque foi Lula, porque foi um líder muito importante, carismático, que teve um papel relevante na política brasileira e no mundo todo. Mas, se cometeu erros, eles têm de ser pagos, como os meus correligionários também pagaram. A régua é uma só.

O que achou das declarações do ex-presidente FHC, que admite aliança com o PT em um eventual segundo turno contra o Bolsonaro?
Em nenhum momento entendi as declarações do ex-presidente FHC na direção de uma aliança com o PT. O voto não pertence ao partido, mas ao eleitor. O que ele disse, na minha percepção, é que, chegando ao segundo turno, precisaremos conquistar os eleitores que votaram nos candidatos que não conseguiram alcançar a reta de chegada. Para ser eleito, o candidato terá que ter 50% mais um. Vale para o Alckmin e para qualquer candidato que for ao segundo turno.

A senhora põe a mão no fogo por Ciro Nogueira, que também é alvo da Lava Jato?
Enquanto o processo de Ciro Nogueira não tiver transitado em julgado, ele é presumidamente inocente. É assim para todos os réus. Mas por que você quer colocar essas questões dessa forma? Enquanto não houver julgamento das questões relacionadas a ele, existe a presunção da inocência. É assim.

Na década de 1980, a senhora recebeu salário do Senado, mesmo trabalhando na RBS. Considera que esse foi um erro?
Na década de 1980, não havia lei de nepotismo. A nossa atividade não é burocrática, de ficar sentadinho. Nos anos 80, em grande parte das empresas, e aí não faço juízo de valor da minha empresa, havia acúmulo de função. Muito mais tarde, bem mais tarde, as empresas passaram a exigir contrato exclusivo com os profissionais. Esse processo é uma tentativa vazia de tentar macular a minha imagem.

Mas foi um erro?
Não. Naquela época, era permitido fazer isso. Se fosse crime, corrupção, os próprios jornalistas teriam denunciado.

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