Adriano Machado/CrusoéMarina defende um combinado de políticos, empresários e ONGs como a forma de superar a falta de apoio

Enquanto flerta com a direita, Marina tenta conquistar à esquerda

Com uma agenda liberal e a favor da Lava Jato, ela aparece nas pesquisas como a candidata que pode herdar a maior parte dos votos de Lula
24.08.18

Ex-petista, Marina Silva é a principal herdeira dos votos de Lula enquanto o candidato do PT, condenado e preso, não deixa de vez a disputa e apresenta Fernando Haddad como seu poste-substituto. No cenário sem Lula, ela dobra as intenções de voto. No Datafolha da última quarta-feira (22), ela vai de 8% para 16%. O instituto também mostra que 21% do eleitorado do petista migraria para Marina, quase o equivalente a que, somados, herdam Ciro Gomes e Haddad. A manutenção desse patamar, claro, ainda é incerta. Ela tem poucos segundos no horário eleitoral gratuito e, ao mesmo tempo que tenta angariar votos entre simpatizantes de Lula, não poupa críticas ao ex-chefe e elogia a Lava Jato. E é aí que se instala a grande contradição de sua campanha. Como levar adiante discursos tão distintos?

A última vez que Marina e Lula conversaram foi no dia 4 de fevereiro de 2017. Era um sábado. Ela estava em sua casa no Lago Sul, área nobre de Brasília. Ele, em São Bernardo do Campo, para o velório de sua esposa Marisa Letícia, que morrera na véspera. Gilberto Carvalho, ex-chefe de gabinete de Lula, foi quem intermediou o telefonema. A breve conversa deixou Marina incomodada. Lula passara a maior parte da ligação falando de política e criticando a Lava Jato. “Como ele fala de política quando está velando a mulher?”, disse Marina, depois, a aliados.

Era mais um capítulo da relação que esfriara havia dez anos, após ela surpreendê-lo com um pedido de demissão do Ministério do Meio Ambiente depois de sucessivas derrotas políticas, especialmente para os ruralistas e para a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Tudo com o aval de Lula.

De lá para cá, ele não perdeu a oportunidade de fragilizá-la politicamente. O exemplo mais claro foi quando idealizou, juntamente com o marqueteiro João Santana, a estratégia de aniquilar sua candidatura em 2014. Aquele filmete que dizia que, com Marina eleita, faltaria comida no prato dos brasileiros. (o que, na verdade, aconteceu com a crise causada pelo governo Dilma), foi a gota d’água. Desde então, ela vem se vingando. Marina atirou pela primeira vez ao apoiar o tucano Aécio Neves no segundo turno daquela eleição. O segundo tiro foi a demonstração favorável ao impeachment de Dilma em 2016. O terceiro tiro veio neste ano: o apoio à prisão de Lula. Ela enfatizou que o petista teve amplo direito de defesa com advogados bem pagos e a Justiça não deve tratá-lo de maneira desigual apenas por sua condição de ex-presidente.

Enquanto rompia com o PT, Marina foi ampliando o apoio entre as ONGs. Antes, a relação se resumia às entidades “verdes” dos tempos de Ministério do Meio Ambiente que receberam cargos de destaque na pasta e milhões de reais em convênios. Ela passou também a flertar mais claramente com a direita liberal. Cresceu a influência no seu entorno de grupos que ela e seu grupo classificam de “nova classe empresarial”, assim entendidos por terem interesses para além de ganhar dinheiro. Um exemplo é o “Sistema B Brasil”, idealizado em 2013, que hoje reúne 120 empresas que seguem determinados parâmetros de governança e transparência. A Natura, a Laureat, dona das universidades FMU e Anhembi-Morumbi, e a Mãe Terra, que foi adquirida recentemente pela Unilever, fazem parte do grupo. O seu diretor-executivo era Marcel Fukuyama, que deixou o posto para auxiliar na coordenação de campanha de Marina. “A ideia é influenciar na criação de um novo tipo de empresa, que gere impacto social e ambiental”, disse Fukuyama.

Outro grupo é a Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, fundado em 2015, atualmente com mais de 170 empresas e entidades que defendem uma economia movida a baixas quantidades de carbono, causador do efeito estufa. Há gigantes do setor privado como Basf, Cargill, Danone, Duratex, Boticário e Klabin. A Coalizão já emplacou no programa de governo dela algumas propostas. Há também o “Agora!”, criado em 2016, um dos assim chamados movimentos de “renovação política”, com viés extremamente liberal. Seu mais conhecido integrante é o apresentador Luciano Huck, mas há também uma leva de nomes ligados ao mercado, ao setor produtivo e ao PSDB. Caso do empresário Carlos Jereissati Filho, sobrinho do senador Tasso Jereissati, e de Ana Arida, filha de Persio Arida, formulador do programa de governo de Geraldo Alckmin. O grupo assinou no início do ano um acordo com a Rede que permitiu que parte de seus membros se candidatasse pela sigla. Segundo um dos fundadores do “Agora!”, Leandro Machado, o ideário do grupo é “liberal-progressista: “O Estado não precisa prestar todos os serviços. Basta coordenar e gerenciar.” Uma clara oposição ao intervencionismo estatal defendido pelos petistas e a esquerda em geral.

Ao lado desses movimentos todos, um significativo passo à direita dado por Marina é bem traduzido na figura que coordena sua campanha. Trata-se de Andrea Gouvêa Vieira, ex-vereadora do Rio pelo PSDB que deixou o tucanato após uma série de conflitos com dirigentes locais da legenda. Ela é oficialmente responsável pela relação de Marina com a imprensa, mas dentre suas funções extra-oficiais está abrir os caminhos da campanha para os endinheirados do Rio. Parte disso deve-se ao fato de ser casada com o advogado Jorge Hilário Gouvêa Vieira, irmão do presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira. O clã sempre foi ligado ao setor petroquímico, até vender em 2007 a rede Ipiranga para a Petrobras, Braskem e grupo Ultra. Em São Paulo, quem auxilia na captação de dinheiro é Gisela Moreau, historiadora que integra a Executiva da Rede e é próxima de empresários da capital paulista.

Tudo isso só foi possível porque o partido de Marina passou por uma espécie de expurgo durante a queda de Dilma. Até então, duas linhas de pensamento predominavam na legenda e conviviam com certa cordialidade. Os “marineiros”, mais à direita, e os “puxadinhos do PT”, mais à esquerda. Era preciso, porém, que o partido tomasse uma posição sobre o mandato de Dilma. A posição final foi pró-impeachment, o que provocou uma debandada do pessoal do “puxadinho” e, depois, permitiu à Rede adotar o discurso lavajatista de hoje e crítico a Lula.

Divulgação/Coligação Muda BrasilDivulgação/Coligação Muda BrasilO apoio a Aécio e ao impeachment de Dilma foram dois tiros contra o PT
O episódio é lembrado pelos que deixaram a Rede como exemplo de como se dão as relações internas na sigla. Elas seriam marcadas por uma devoção extrema a Marina — que beiraria o culto à personalidade. “No impeachment, havia uma maioria contra, mas depois que ela anunciou ser favorável, muitos mudaram de voto para não contrariá-la”, disse Samuel Braun, um dos muitos que deixaram o partido depois do episódio. Sob reserva, outros que saíram da legenda apontam a Rede como eivada de vícios de partidos grandes, apesar do discurso purista. Um exemplo é o da ex-senadora Heloísa Helena, talvez hoje a mulher mais próxima a Marina na sigla e muito influente no processo de formação do atual discurso antipetista. Presidente da fundação partidária da Rede, ela ganha 20 mil reais por mês de salário. A título de comparação, Marina ganha 12 mil reais.

O leque de apoios que Marina construiu e trouxe para dentro de sua campanha não lhe assegura aquele que é um dos seus pontos mais frágeis: a falta de gente com mandato. Hoje, o seu partido tem apenas dois deputados federais e um senador. A previsão é de que a Rede consiga eleger dez deputados — que, somados aos outros dez estimados pelo aliado PV, chegariam a uma bancada de apenas 20 representantes na Câmara. Insuficiente, portanto, para levar adiante qualquer das reformas por ela defendidas. Com as devidas diferenças, Marina tem o mesmo problema de Jair Bolsonaro, de quem tenta ser a antípoda perfeita neste início de campanha. Avalia-se agora que, se ela enfatizar o discurso anti-Bolsonaro, isso lhe renderá mais votos entre os eleitores de centro-direita e, claro, de esquerda.

É usual a candidata falar em governar “com os melhores de cada partido”, mas a realidade é que o sistema político se blindou na reforma política de 2017 de tal forma que todas as análises apontam para uma baixa taxa de renovação no Congresso. Com a esquerda rompida com Marina, o Centrão pronto para revidar os ataques à aliança com Geraldo Alckmin, os ruralistas querendo distância de gente próxima à agenda ambiental, o que lhe restaria?

Fabio Pozzebom/Agência BrasilFabio Pozzebom/Agência BrasilMiro Teixeira é uma das poucas vozes no Congresso que defendem Marina
Para Miro Teixeira, filiado número 1 do partido, deputado federal mais longevo da Câmara, candidato a senador e principal elo entre Marina e a realidade congressual, o modelo de governabilidade em caso de vitória será de alianças pontuais em torno de projetos específicos. “As maiorias serão eventuais e temáticas e as circunstâncias determinarão o interesse. Se houver projeto de interesse social, ninguém irá contra. A legitimidade do desempenho da urna permitirá obter maioria”. A grande questão é que o programa de governo de Marina é uma bomba-relógio política quando são levadas em consideração as forças que comandam o Congresso hoje, principalmente os ruralistas. Apenas um aperitivo disso: a revisão do Código Florestal, o investimento pesado em “controle e comando” ambiental e a ampliação de regularização de terras indígenas. Ou seja, multas e mais multas para quem desrespeitar as regras ambientais. Ou seja, muita dor de cabeça para quem quer ser presidente. E, ao contrário do que gosta de propagandear, nas vezes que enfrentou os ruralistas, Marina perdeu. Quando pareceu vencer, foi com a bênção muy interessada de Lula.

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