MarioSabino

A fake news do PT e o dia em que fui indiciado

24.08.18

A farsa de que Lula será candidato é uma fake news do PT que conta com o patrocínio da Justiça Eleitoral, muito lenta para varrer a impostura, e boa parte da imprensa, que se compraz em divulgá-la. Trata-se, portanto, de fake news capaz de causar danos incomensuravelmente maiores do que qualquer outra divulgada nas redes sociais. É também mais um exemplo de como Lula e o PT lançam mão das regras democráticas (no caso, o registro provisório da candidatura no TSE), para tentar corroer por dentro a democracia. A farsa confunde os brasileiros semianalfabetos, como mostra a última pesquisa Datafolha, embaralhando a campanha como um todo. A intenção de Lula e do PT é fazer chicana até que seja impossível deixar de colocar a foto do condenado na urna eletrônica e, assim, tentar viabilizar a eleição do seu poste por meio de um ardil feito sob medida para enganar quem não consegue ler e escrever além do próprio nome.

Depois de tudo o que Lula e o PT fizeram no poder e continuam a fazer fora dele, acho espantoso que ainda haja gente, mesmo de centro-esquerda, que os considere do “campo democrático” e possíveis aliados, como é o caso de Fernando Henrique Cardoso. Ele tomou parte de um episódio que me envolveu pessoalmente, quando eu era redator-chefe da Veja. Mostra como o lulopetismo tentou atingir o partido do ex-presidente tucano com uma fraude e, com o fracasso do plano, golpear a imprensa independente. Eu o narrei no livro Cartas de um Antagonista, mas volto a fazê-lo aqui, inclusive por sugestão de leitores. Quem sabe não sirva para reavivar a memória de FHC? Eis o artigo atualizado com uma informação obtida pela Lava Jato:

No dia 29 de janeiro de 2008, a PF indiciou-me na esteira do escândalo dos aloprados. Durante dois anos, o redator-chefe da revista Veja permaneceu como o único indiciado nessa vergonha.

Em 15 de setembro de 2006, pouco antes do primeiro turno das eleições, petistas foram presos pela PF num hotel de São Paulo, com o equivalente a mais de 1,7 milhão de reais em espécie. O dinheiro era para comprar um dossiê falso contra José Serra, que concorria contra Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo. Como de hábito, Lula correu para dizer que não tinha nada a ver com aquilo, que se tratava de “um bando de aloprados”.

Reuni um editor-executivo e três repórteres para fazer uma reportagem sobre o caso. A missão era obter a foto da dinheirama — mantida sob sigilo pela PF — e informações exclusivas sobre a malandragem. Missão dada, missão cumprida. Eles não apenas conseguiram a foto, como descobriram que Freud Godoy, segurança de Lula, e José Carlos Espinoza, assessor do então presidente da República na campanha de reeleição, haviam visitado secretamente o aloprado Gedimar Passos na carceragem da PF.

Publicada a reportagem, a PF negou o encontro de ambos com o preso, mas abriu uma sindicância interna para apurar a história. Os repórteres foram gentilmente convidados a relatar de viva voz a sua descoberta a um delegado. Eles foram acompanhados de uma advogada da Abril.

Eu ainda estava em casa, quando recebi um telefonema do editor-executivo que comandara a reportagem. Um dos repórteres havia ligado para ele — Julia Duailibi, hoje na GloboNews — e, muito nervosa, dissera que o delegado intimidava os jornalistas da revista e a advogada da Abril, sob o silêncio da representante do Ministério Público. O sujeito gritava que a Veja era mentirosa, além de exigir que eles revelassem fontes e como tinham obtido a foto do dinheiro.

Telefonei para Márcio Thomaz Bastos e deixei recado para que me ligasse. Em seguida, entrei em contato com Fernando Henrique Cardoso e o senador Tasso Jereissati, que estava em São Paulo. Os dois se dispuseram a seguir para a sede paulista da PF, a fim de exigir que os repórteres e a advogada fossem liberados. Nesse meio-tempo, recebi o telefonema de Márcio Thomaz Bastos. Disse ao ministro da Justiça que ele segurasse os seus aloprados. Márcio Thomaz Bastos mandou que a PF liberasse todos imediatamente. A sua ordem foi seguida, sob comentários irônicos do delegado intimidador.

Na redação, chamei os envolvidos e cruzei as versões. Todos confirmaram a intimidação e me forneceram detalhes idênticos. O editor-executivo ligou para a representante do MP, que também relatou a situação vexatória sofrida pelos jornalistas e pela advogada. A essa altura, os jornais começaram a me procurar. No dia seguinte, noticiaram o absurdo. O Globo reproduziu o meu diálogo com Márcio Thomaz Bastos. Diante da repercussão, a representante do MP voltou atrás na sua versão e afirmou que não havia ocorrido intimidação. Os jornais colocaram a versão dos repórteres da Veja em dúvida. Fui adiante, com o aval do diretor de redação. Escrevi uma matéria para contar o episódio aos leitores da revista. A Veja ainda publicaria mais duas reportagens sobre o delegado intimidador. Entre outras coisas, descobriu-se que a PF o havia “importado” de Sorocaba, a fim de interrogar os jornalistas.

A PF abriu outra sindicância interna. Meses depois, concluiu que não havia ocorrido intimidação. O caminho estava aberto para que o delegado intimidador me processasse por ter escrito a reportagem que relatara o absurdo cometido contra a liberdade de imprensa. Fui acusado de calúnia e difamação. Curiosamente, o delegado que conduziria o inquérito era o mesmo que havia chegado à conclusão de que os repórteres e a advogada da Abril não tinham sido constrangidos.

Ao ver que o clima estava pesado para mim — eu também era alvo constante dos blogueiros sujos do PT –, Roberto Civita resolveu contratar bons criminalistas. Roberto Podval e Paula Kahan Mandel me defenderiam. Vi-me intimado a depor na mesma PF que havia esquecido os aloprados, absolvidos que foram, em 2007, por “falta de provas”. O delegado havia acordado com os meus advogados que eu falaria e sairia de lá sem acusação formal.

Prestei o depoimento, deram-me a transcrição para eu ler, pedi para que corrigissem o português e assinei. Levantei-me para ir embora, mas o delegado pediu que eu assinasse outro papel. Era o meu indiciamento. Roberto Podval e Paula Kahan Mandel tomaram o papel das minhas mãos e entraram numa discussão acalorada com o delegado. Saí da sala e, apesar da porta fechada, o andar inteiro ouvia os gritos que de lá ecoavam. Fui indiciado à revelia. O delegado recebera ordens para me indiciar de qualquer jeito. A PF havia sido balcanizada pelo lulopetismo.

No início de 2010, finalmente, depois de muitas idas e vindas, a ação penal contra mim foi trancada pela Justiça Federal de São Paulo, mediante habeas corpus impetrado pelos meus advogados. O desembargador Otavio Peixoto Junior escreveu:

“Óbvio que os jornalistas não inventaram nada. Alguma coisa o delegado fez que foi sentida ou interpretada como constrangimento e intimidação. Os repórteres não iriam inventar, tirar isso do nada. A meu juízo, o que há é mera notícia de fatos no exercício da liberdade de imprensa e isso é tudo. O que pode haver de mais é o uso do inquérito como retaliação e não duvido que, fosse caso de dilação probatória, surgissem elementos de convencimento dessa hipótese.”

O delegado intimidador caiu do telhado e morreu (não é piada). Paula Kahan Mandel deixou a advocacia e se mudou para Nova York. Roberto Podval se tornaria advogado de José Dirceu (“Mas o seu foi o caso mais difícil que enfrentei”, brinca ele). A advogada da Abril morreu de câncer. Os três repórteres e o editor-executivo saíram da Veja bem antes de mim. O dinheiro dos aloprados foi para a União. Em 2017, a Lava Jato descobriu que a bolada — em notas velhas e de pequeno valor que a princípio apontavam para o dízimo de uma igreja evangélica — na verdade havia sido fornecida aos petistas pelo esquema de repasse de propinas da Itaipava/Odebrecht.

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