"O Fundão foi uma grande articulação entre Câmara, Senado e governo"

‘O presidente vai se dar mal’

O deputado Paulo Ganime, do Novo, lamenta a aprovação do Fundão eleitoral e diz acreditar que o presidente Jair Bolsonaro será engolido pelo Centrão
23.07.21

Deputado de primeiro mandato, o engenheiro Paulo Ganime, de 38 anos, chegou a Brasília em 2019 com a promessa de se manter fiel aos princípios do Partido Novo, pelo qual conquistou 52.983 votos no Rio de Janeiro, empurrado pela onda de renovação política e movimentos cívicos, como o Renova BR.

Foi dentro desse espírito que, na quinta-feira, 15, Ganime tentou derrubar, durante a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, uma proposta encampada pelo Centrão e pela base do governo no Congresso para elevar de 2 bilhões para 5,7 bilhões de reais o montante de recursos públicos que serão destinados ao Fundão eleitoral no ano que vem. Não deu certo. Graças a uma manobra com a chancela do Centrão, o valor recorde não só foi aprovado como, por uma esperteza da turma do presidente da Câmara, Arthur Lira, a votação não deixou digitais – deputados não tiveram que votar nominalmente e, por isso, não foi possível saber quem aprovou ou rejeitou o escorchante montante para as campanhas com dinheiro público.

Mas Ganime espera que o texto seja vetado pelo presidente Jair Bolsonaro. A ida de Ciro Nogueira para a Casa Civil, acredita o parlamentar fluminense, pode ser uma variável importante nessa equação. “A indicação do Ciro para a Casa Civil pode ser uma sinalização nos dois sentidos: ele pode estar fazendo isso para ter mais força para vetar, como pode estar fazendo para conseguir não vetar e ter apoio do Centrão”.

Nesta entrevista a Crusoé, o deputado do Novo também falou sobre a ameaça do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, de não haver eleições em 2022 caso o Congresso não aprove o voto impresso, e a relação de Bolsonaro com o Centrão. Para ele, o presidente será engolido pelos fisiológicos. “Nesse jogo, esses políticos mais calejados sabem jogar muito melhor do que o próprio Bolsonaro. No final, o presidente vai se dar mal”.

O Novo apresentou um destaque à Lei de Diretrizes Orçamentárias para derrubar o Fundão Eleitoral de 5,7 bilhões, mas ele acabou aprovado. Ficou uma frustração?
 A gente tentou um requerimento de votação nominal do destaque que derrubaria o Fundão. Isso é diferente do pedido de verificação da votação simbólica. O pedido de verificação é a posteriori. No momento em que há a votação, caso o presidente dê o voto de forma simbólica, alguém pode pedir verificação. Quando você tem um requerimento de votação nominal, ele é a priori, antes de iniciar a votação, então a gente entende que ele deveria ter dado a votação nominal, atendendo ao nosso requerimento, ou pelo menos colocar para votar o nosso requerimento, porque ele não deveria cumprir o interstício de uma hora (entre uma votação nominal e outra, como determina o regimento). Mas o presidente (no momento da votação, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, comandava a sessão) entendeu diferente e indeferiu o nosso requerimento, alegando que não tinha dado uma hora entre a votação nominal do texto principal da LDO e o nosso destaque.

Mas faria alguma diferença?
 A gente sabia que de uma forma ou de outra nosso destaque provavelmente seria rejeitado, porque quando o texto da LDO vai para votação e colocam algo ali dentro, é muito provável que aquilo já esteja combinado com a maioria. É claro que, quando vai para o voto nominal, e aí os deputados colocam lá o dedinho deles, votando, a chance de reverter aumenta muito, e foi essa a nossa expectativa. Mas infelizmente o presidente da sessão, deputado Marcelo Ramos, indeferiu nosso requerimento.

Então faz sentido o que diz o presidente Bolsonaro, que atribui a culpa pelo Fundão de 5,7 bilhões de reais a Marcelo Ramos?
Não acho. A culpa, na minha opinião, é dos parlamentares que já votaram favoráveis à LDO e do governo, porque o governo também participou da articulação da LDO com os 5,7 bilhões. O Marcelo Ramos só cumpriu o que estava acordado. Eu posso criticá-lo, dizendo que não houve no nosso entendimento respeito ao regimento, mas não foi isso que fez com que o fundo fosse aumentado. Isso já estava articulado, já estava autorizado. Mesmo que o fundão fosse a voto, acredito eu que as chances do nosso destaque ser aprovado não seria grande – ela aumentaria por causa do constrangimento do voto nominal, mas isso tudo já estava organizado. Marcelo Ramos foi o executor de um plano para atropelar e votar dessa forma.

“Marcelo Ramos foi o executor de um plano para atropelar e votar dessa forma”
Quem foi o grande articulador da aprovação do golpe do Fundão?
Olha, eu não sei quem foi o grande nome que articulou, porque a gente é contra e, por isso, não participamos do combinado. Mas o Fundão foi uma grande articulação entre Câmara, Senado e governo. A base do governo participou disso e a gente sabe que hoje quem está com o governo é o Centrão.

Como o sr. viu esse movimento de bolsonaristas tentando dizer que votaram contra o Fundão?
Eles votaram a favor do Fundão. Acho que eles entraram em desespero, viram a repercussão e, como a rede social estava atacando, tentaram se defender dizendo que eram contra. Mas, na prática, tanto quando eles votaram a LDO quanto na votação do destaque do Novo, foram favoráveis. Foi uma votação simbólica, mas se você for ver o painel de orientação das bancadas, o PSL e todos os partidos da base do governo orientaram contra o destaque do Novo. A orientação que ficou no painel do PSL foi “sim”, contra o destaque. A votação foi rápida, é verdade, mas os partidos que quiseram se manifestar contra o texto e a favor do destaque do Novo o fizeram.

Pode ser revertido no STF?
 Alguns parlamentares entraram com uma ação no STF, eu acabei não assinando, até porque foi um pouco rápido e eu nem estudei o tema direito. Acho que toda medida é válida, mas a gente entende que é difícil para o STF acatar o pedido, porque é algo muito interna corporis do Congresso. Quando é assim, eles não se metem muito.

O sr. acredita que Bolsonaro irá vetar ou haverá um novo acordão?
 Tem gente que acha que ele veta uma parte e aí deixa um texto que permite um fundo de 4 bilhões de reais. Tem gente que acha que ele não vai vetar nada. A indicação do Ciro Nogueira para a Casa Civil pode ser uma sinalização nos dois sentidos: ele pode estar fazendo isso para ter mais força para vetar, como pode estar fazendo para conseguir não vetar e ter apoio do Centrão.

“O dinheiro vai sempre para os mesmos que estão no poder”
Com o distritão prestes a ser aprovado e a reforma eleitoral que enfraquece mecanismos de transparência, o Fundão é parte de um plano para eleger os mesmos que estão em Brasília?
 Com certeza. O Fundão, apesar de ser vendido como um fundo para promover a democracia, ele não promove nada. O dinheiro vai sempre para os mesmos que estão no poder. O Distritão vai no mesmo sentido. É lamentável o que está acontecendo. O nosso alento é que a gente viu nas últimas eleições que o dinheiro não tem sido tudo. Pode ser que, mesmo que sancionado o Fundão de 5,7 bilhões, isso não seja uma garantia de eleição. Com certeza facilita a reeleição de muitos, principalmente aqueles que têm uma forma de fazer política muito ligada a currais eleitorais e àquela visão de coronelismo. Para esses, o dinheiro faz muita falta. O Distritão, sim, seria muito ruim, vamos ver no que vai dar.

Qual sua avaliação sobre a ida de Ciro Nogueira, um dos expoentes do Centrão, para o Planalto?
 Olha, o governo está deixando de ter vergonha, de ter receio de se classificar como Centrão. Até o Bolsonaro falou agora que é Centrão. É uma visão pragmática de fazer política, para se manter no poder tanto agora, com relação ao impeachment, como também nas eleições de 2022. A única coisa que a gente fica pensando é: será que não é ingenuidade achar que isso vai ser suficiente ou vai ser algo que vai garantir o poder? Eu espero e acredito que não. É a questão do escorpião: resta saber quem é que vai dar o golpe no outro. Eu acho que, nesse jogo, esses políticos mais calejados sabem jogar muito melhor do que o próprio Bolsonaro. No final, o presidente vai se dar mal.

“O governo está deixando de ter vergonha, de ter receio de se classificar como Centrão”
Como o sr. recebeu a notícia da ameaça feita pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, às eleições?
Se ele disse isso, é um grande absurdo. Qualquer fala nesse sentido tem que ser totalmente condenada, porque a gente não pode colocar em questão a eleição no ano que vem, independentemente se for ter voto impresso ou não. Não cabe nem à Presidência da República nem às Forças Armadas, colocar as eleições em questão.

Ao se pronunciar sobre o tema, o ministro voltou a defender o voto impresso. É papel dele se manifestar sobre isso?
 A gente tem um problema muito grande no Brasil. As pessoas não entendem seus papeis institucionais. Isso acontece com muita gente. Acontece com o STF, com Bolsonaro, com presidentes de poderes, com ministros, com deputados… muita gente. Ele, no posto de ministro da Defesa, não deveria se manifestar sobre isso, assim como outras pessoas não deveriam ter manifestação sobre isso. Agora, defender o voto impresso não pode ser confundido com a defesa de golpe ou qualquer atitude de golpe em 2022. Você pode ser favorável ao voto impresso, mas aceitar a decisão do parlamento.

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