O governo é o Centrão
Dois meses atrás, durante uma audiência na Câmara dos Deputados, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, foi questionado sobre o ataque que fez ao Centrão na campanha eleitoral de 2018, quando parodiou um refrão famoso do sambista Bezerra da Silva: “Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”. O general era confrontado ali com a aliança explícita feita pelo presidente Jair Bolsonaro com o bloco fisiológico do Congresso, que ele dizia estar repleto de ladrões. Àquela altura, a deputada Flávia Arruda, do partido do mensaleiro Valdemar Costa Neto, havia acabado de assumir a Secretaria de Governo, em agrado ao presidente da Câmara, Arthur Lira, líder do Centrão na casa e responsável por segurar os pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Heleno, então, respondeu aos deputados que o cenário foi “modificado ao longo do tempo” e que o bloco político que apoia governos em troca de cargos e recursos públicos não existia mais. “Eu não tenho hoje essa opinião (de 2018) e nem reconheço a existência desse Centrão”, afirmou. Os fatos desta semana ajudam a traduzir o que o general talvez não tenha tido coragem de dizer na ocasião: que os partidos fisiológicos e o governo Bolsonaro viraram uma coisa só. “Eu sou do Centrão”, reconheceu o presidente, sem corar a face em entrevista a uma rádio nesta quinta-feira, 22.
A nomeação do senador Ciro Nogueira para comandar a Casa Civil sacramenta o suprassumo do pragmatismo rastaquera em que, além de incorporar ao coração do governo o método do “toma lá, dá cá” tão criticado por Bolsonaro na campanha, acrescenta de vez ao cardápio do bolsonarismo o assistencialismo e o chamado sindicalismo de resultados. É que, não bastasse colocar o presidente do partido Progressistas na Casa Civil, ou seja, dentro do segundo gabinete mais importante do Palácio do Planalto, Bolsonaro decidiu recriar o Ministério do Trabalho, extinto por ele no primeiro dia de mandato, em 2019. Para além de fortalecer o discurso eleitoral de que priorizou o emprego dos brasileiros enquanto seus adversários arruinaram a economia com as medidas restritivas adotadas na pandemia, a ideia do governo é cooptar os sindicatos, ávidos pela volta do imposto sindical. A nova pasta, a ser desmembrada do Ministério da Economia, será ocupada por Onyx Lorenzoni, atualmente na Secretaria-Geral da Presidência, futuro destino do general Luiz Eduardo Ramos.
Na quarta-feira, 21, o presidente comunicou ao general Ramos que ele deixaria a cadeira na Casa Civil para que o líder do Centrão no Senado assumisse o cargo mais estratégico do Planalto, responsável pelas nomeações políticas dentro da máquina federal e pela negociação de emendas com os parlamentares. As mudanças têm dois objetivos claros: blindar o governo de qualquer risco de impeachment no Congresso e preparar a campanha à reeleição do ano que vem.
O bloco informal, na verdade, atua no Congresso desde os tempos do PT e se fortalece justamente com o enfraquecimento do presidente da República. Quando o Centrão retira o apoio é porque a expectativa de poder já migrou para outro lado e o presidente de turno está prestes a cair. Foi assim com Dilma Rousseff, em 2016. Bolsonaro quer evitar amargar o mesmo infortúnio da petista.
A indicação de Ciro Nogueira impôs uma espécie de lei do silêncio à ruidosa milícia digital bolsonarista, que não costuma poupar ataques a quem critica o presidente ou a caciques políticos envolvidos em casos de corrupção. Um silencio eloquente, é bem verdade. Não houve qualquer reação, por exemplo, a um vídeo gravado em novembro de 2017 e que voltou a circular nas redes sociais nesta semana, em que o senador do Piauí afirmou que Lula foi “o melhor presidente da história desse país” e que tinha “muita restrição” a Bolsonaro porque ele “é um fascista preconceituoso“. Como o presidente não mudou suas posições de quatro anos para cá, é lícito supor que Nogueira virou aliado de primeira hora de um fascista e o que foi chamado de fascista aceitou dar guarida a quem o tachou como tal. Tudo pelo poder.
Como o pudor foi perdido já faz tempo, para Bolsonaro, que tem enfraquecido as instituições de fiscalização e controle, como a Polícia Federal, nem é mais um fardo carregar Ciro e sua extensa ficha corrida até as eleições do ano que vem. O cálculo político do Planalto é de que como a campanha deverá ser polarizada com o PT de Lula, os adversários sairiam perdendo em um eventual embate sobre casos de corrupção. Até lá, pelo mesmo raciocínio, o presidente conseguiria garantir a manutenção do seu governo com os soldados do Centrão no Congresso, distribuindo mais cargos e verbas para os parlamentares do bloco. Já para Ciro Nogueira, além do poder de controlar a liberação das nomeações e dos repasses federais, o cargo na Casa Civil poderá ser usado para turbinar seu projeto pessoal, que é se eleger no ano que vem governador do Piauí, onde ele terá de enfrentar o PT nas urnas.
No Senado, o governo não irá prescindir do importante apoio devotado por Ciro. É que, na ausência do senador, quem assume é sua mãe, Eliane Nogueira, por ser a primeira suplente. A nomeação para a Casa Civil deve ser formalizada por Bolsonaro na próxima segunda-feira, 26, quando o senador retorna das férias com a família no México. No mesmo dia, o presidente deve anunciar oficialmente a recriação do Ministério do Trabalho, que já foi foco de vários casos de corrupção nos governos petistas e extinto no início do atual governo, ainda no contexto da agenda liberal capitaneada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
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