Isac Nóbrega/PR

O governo é o Centrão

Para se livrar do impeachment, Bolsonaro adere de vez ao fisiologismo, ao assistencialismo e ao sindicalismo de resultados e entrega aos fisiológicos uma das joias da coroa do governo
23.07.21

Dois meses atrás, durante uma audiência na Câmara dos Deputados, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, foi questionado sobre o ataque que fez ao Centrão na campanha eleitoral de 2018, quando parodiou um refrão famoso do sambista Bezerra da Silva: “Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”. O general era confrontado ali com a aliança explícita feita pelo presidente Jair Bolsonaro com o bloco fisiológico do Congresso, que ele dizia estar repleto de ladrões. Àquela altura, a deputada Flávia Arruda, do partido do mensaleiro Valdemar Costa Neto, havia acabado de assumir a Secretaria de Governo, em agrado ao presidente da Câmara, Arthur Lira, líder do Centrão na casa e responsável por segurar os pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Heleno, então, respondeu aos deputados que o cenário foi “modificado ao longo do tempo” e que o bloco político que apoia governos em troca de cargos e recursos públicos não existia mais. “Eu não tenho hoje essa opinião (de 2018) e nem reconheço a existência desse Centrão”, afirmou. Os fatos desta semana ajudam a traduzir o que o general talvez não tenha tido coragem de dizer na ocasião: que os partidos fisiológicos e o governo Bolsonaro viraram uma coisa só. “Eu sou do Centrão”, reconheceu o presidente, sem corar a face em entrevista a uma rádio nesta quinta-feira, 22.

A nomeação do senador Ciro Nogueira para comandar a Casa Civil sacramenta o suprassumo do pragmatismo rastaquera em que, além de incorporar ao coração do governo o método do “toma lá, dá cá” tão criticado por Bolsonaro na campanha, acrescenta de vez ao cardápio do bolsonarismo o assistencialismo e o chamado sindicalismo de resultados. É que, não bastasse colocar o presidente do partido Progressistas na Casa Civil, ou seja, dentro do segundo gabinete mais importante do Palácio do Planalto, Bolsonaro decidiu recriar o Ministério do Trabalho, extinto por ele no primeiro dia de mandato, em 2019. Para além de fortalecer o discurso eleitoral de que priorizou o emprego dos brasileiros enquanto seus adversários arruinaram a economia com as medidas restritivas adotadas na pandemia, a ideia do governo é cooptar os sindicatos, ávidos pela volta do imposto sindical. A nova pasta, a ser desmembrada do Ministério da Economia, será ocupada por Onyx Lorenzoni, atualmente na Secretaria-Geral da Presidência, futuro destino do general Luiz Eduardo Ramos.

Na quarta-feira, 21, o presidente comunicou ao general Ramos que ele deixaria a cadeira na Casa Civil para que o líder do Centrão no Senado assumisse o cargo mais estratégico do Planalto, responsável pelas nomeações políticas dentro da máquina federal e pela negociação de emendas com os parlamentares. As mudanças têm dois objetivos claros: blindar o governo de qualquer risco de impeachment no Congresso e preparar a campanha à reeleição do ano que vem.

Agência BrasilAgência BrasilEscanteado: o general Luiz Eduardo Ramos é um dos derrotados na reforma
Bolsonaro tenta justificar a reforma fisiológica no governo com argumentos republicanos. Disse que não consegue governar com “um quinto da Câmara” e que Ciro Nogueira é “a pessoa mais adequada para falar com o Parlamento”. Para o presidente, que foi filiado ao Progressistas — antigo PP — até 2015, quando saiu do partido para viabilizar a candidatura presidencial, “Centrão é um nome pejorativo” usado para descrever “alguns partidos que se uniram em favor do (Geraldo) Alckmin” na eleição de 2018.

O bloco informal, na verdade, atua no Congresso desde os tempos do PT e se fortalece justamente com o enfraquecimento do presidente da República. Quando o Centrão retira o apoio é porque a expectativa de poder já migrou para outro lado e o presidente de turno está prestes a cair. Foi assim com Dilma Rousseff, em 2016. Bolsonaro quer evitar amargar o mesmo infortúnio da petista.

A indicação de Ciro Nogueira impôs uma espécie de lei do silêncio à ruidosa milícia digital bolsonarista, que não costuma poupar ataques a quem critica o presidente ou a caciques políticos envolvidos em casos de corrupção. Um silencio eloquente, é bem verdade. Não houve qualquer reação, por exemplo, a um vídeo gravado em novembro de 2017 e que voltou a circular nas redes sociais nesta semana, em que o senador do Piauí afirmou que Lula foi “o melhor presidente da história desse país” e que tinha “muita restrição” a Bolsonaro porque ele “é um fascista preconceituoso“. Como o presidente não mudou suas posições de quatro anos para cá, é lícito supor que Nogueira virou aliado de primeira hora de um fascista e o que foi chamado de fascista aceitou dar guarida a quem o tachou como tal. Tudo pelo poder.

Michel Jesus/Câmara dos DeputadosMichel Jesus/Câmara dos DeputadosAmansar Arthur Lira e bloquear o impeachment são os objetivos de Bolsonaro
O futuro chefe da Casa Civil é alvo de denúncias de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução de Justiça no Supremo Tribunal Federal. Em uma delas, o senador é acusado de ter recebido 2,5 milhões de reais de propina da JBS a pedido do PT, para que seu partido apoiasse a eleição de Dilma em 2014. O pagamento delatado por um executivo do frigorífico dos irmãos Joesley e Wesley Batista foi confirmado pelo dono e por um funcionário do supermercado de Teresina, capital piauiense, usado na transação ilícita. O caso ainda está sob investigação na Procuradoria-Geral da República, que, no ano passado, denunciou Ciro pelo recebimento de 7,3 milhões de reais em propinas da Odebrecht. O líder do Centrão também foi denunciado por obstrução de Justiça por supostamente ameaçar e tentar comprar um ex-assessor que confirmou pagamentos ilícitos feitos a políticos do PP em depoimento ao Ministério Público Federal. Como mostrou Crusoé na última edição, o nome do senador foi envolvido em suposto esquema de corrupção vinculado a um contrato do Ministério da Saúde com uma empresa que distribui vacinas.

Como o pudor foi perdido já faz tempo, para Bolsonaro, que tem enfraquecido as instituições de fiscalização e controle, como a Polícia Federal, nem é mais um fardo carregar Ciro e sua extensa ficha corrida até as eleições do ano que vem. O cálculo político do Planalto é de que como a campanha deverá ser polarizada com o PT de Lula, os adversários sairiam perdendo em um eventual embate sobre casos de corrupção. Até lá, pelo mesmo raciocínio, o presidente conseguiria garantir a manutenção do seu governo com os soldados do Centrão no Congresso, distribuindo mais cargos e verbas para os parlamentares do bloco. Já para Ciro Nogueira, além do poder de controlar a liberação das nomeações e dos repasses federais, o cargo na Casa Civil poderá ser usado para turbinar seu projeto pessoal, que é se eleger no ano que vem governador do Piauí, onde ele terá de enfrentar o PT nas urnas.

No Senado, o governo não irá prescindir do importante apoio devotado por Ciro. É que, na ausência do senador, quem assume é sua mãe, Eliane Nogueira, por ser a primeira suplente. A nomeação para a Casa Civil deve ser formalizada por Bolsonaro na próxima segunda-feira, 26, quando o senador retorna das férias com a família no México. No mesmo dia, o presidente deve anunciar oficialmente a recriação do Ministério do Trabalho, que já foi foco de vários casos de corrupção nos governos petistas e extinto no início do atual governo, ainda no contexto da agenda liberal capitaneada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Marcos Corrêa/PRMarcos Corrêa/PRPaulo Guedes perderá espaço para Onyx Lorenzoni, o “coringa” do presidente
A pasta a ser entregue ao ministro Onyx Lorenzoni levará o nome de Ministério do Emprego e da Previdência e é vista como um grande trunfo eleitoral do presidente, devido ao poder de atração dos sindicatos. A mudança nesta área do governo coincide com a decisão de Bolsonaro em reajustar em mais de 50% o valor do Bolsa Família, que passaria de 192 para cerca de 300 reais. A roupagem bolsonarista do auxílio criado pelo PT e criticado por Bolsonaro no passado deve ser lançada em novembro deste ano e beneficiar 22 milhões de brasileiros. Com o assistencialismo, o fisiologismo desavergonhado e a compra dos sindicatos, Bolsonaro pretende partir para o tudo ou nada contra o PT nas eleições de 2022. Com tantas semelhanças entre os antípodas, o difícil será saber quem é quem na propaganda eleitoral.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO