O escárnio do Fundão
O aumento do fundão eleitoral para 5,7 bilhões de reais, aprovado pelo Congresso Nacional na semana passada, causou revolta e suscitou o início de um motim entre apoiadores de Jair Bolsonaro, que pressionaram o presidente a rever a farra de dinheiro público para campanhas políticas. A elevação desproporcional da bolada destinada aos candidatos é indefensável, além de um escárnio sem precedentes.
Depois da repercussão negativa, o valor para o ano que vem ainda é uma incógnita, mas parlamentares e presidentes de partidos apostam em um montante de pelo menos 4 bilhões de reais em 2022, o dobro do valor gasto na campanha de 2020. Com Bolsonaro cada vez mais submisso ao Centrão, ninguém tem dúvidas de que o presidente cederá às pressões e apoiará a orgia política com recursos do Tesouro.
Para mostrar a gravidade do golpe à vista, Crusoé esmiuçou os balanços mais atualizados de gastos do fundão e encontrou uma série de excrescências com o dinheiro público. Nas eleições municipais do ano passado, realizadas em um momento crítico da pandemia, os partidos despejaram 2 bilhões de reais nas campanhas dos candidatos a vereador e prefeito –o equivalente, por exemplo, a 40 milhões de doses da vacina da Pfizer.
Os valores das despesas são escandalosos. Os políticos gastaram juntos 101,9 milhões de reais apenas com adesivo. Levando em conta o valor unitário de 30 centavos para um adesivo simples, mais conhecido como praguinha, seria possível produzir 340 milhões de unidades, mais de dois para cada eleitor brasileiro.
A pandemia e as restrições de circulação também não impediram os candidatos de torrar no ano passado 102,7 milhões de reais com gasolina e aluguel de carros. O gasto com combustível equivale a 9 milhões de litros de gasolina, o suficiente para rodar 126 milhões de quilômetros, ou dar 3 mil voltas em torno do planeta.
Os aportes milionários destinados pelo TSE aos partidos políticos são gerenciados diretamente pelos diretórios nacionais das legendas. É a nata dos caciques que decide quem ganha um quinhão das generosas verbas federais reservadas para campanhas. Na prática, o cheque em branco vai parar na mão dos próprios dirigentes e de seus apadrinhados. O caso do Progressistas, partido de Arthur Lira e presidido pelo quase-ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, é ilustrativo. Nas eleições de 2020, a sigla distribuiu 146,9 milhões de reais a candidatos a prefeito e vereador em todo o país. O diretório que mais recebeu repasses da sigla foi justamente o do Piauí, de Ciro, agraciado com 19,3 milhões de reais. O principal fornecedor da sigla no Piauí, por sua vez, é um escritório de advocacia ligado à deputada Margarete Coelho, braço direito e aliada de primeira hora de Ciro Nogueira. Apenas durante a campanha de 2020, a banca recebeu 320 mil reais do diretório piauiense do PP.
O argumento é uma balela. “Não é verdade que o veto ou a sanção configure crime de responsabilidade. Essa é uma decisão política, de conveniência e oportunidade, não há questão jurídica envolvida”, explica Elival Ramos, professor do Departamento de Direito do Estado da USP. No dia seguinte, Bolsonaro sacou da manga outra declaração falsa e afirmou que “a lei manda” o governo reajustar o fundão eleitoral pela inflação. “Se tivesse chegado um fundão na ordem de quase 3 bilhões de reais, eu seria obrigado a sancionar isso daí”, afirmou o presidente, perdido em meio ao tiroteio de opiniões.
O achincalhe promovido pelos parlamentares, no entanto, é apenas a ponta do iceberg. O golpe em curso no Legislativo é muito mais amplo e bem arquitetado. O estratagema inclui escancarar de vez portas para a gastança desmedida nas campanhas, com brechas para afrouxar a fiscalização e propiciar outros casos de desvio de recursos e lavagem de dinheiro. Para isso, as excelências pretendem mudar a legislação eleitoral no início de agosto. A alteração legal, considerada um grande retrocesso por especialistas, é capitaneada por aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira, e tem o apoio discreto de vários segmentos do Congresso, entre eles partidos de esquerda. Se a tática funcionar, os partidos terão ainda mais dinheiro nas mãos, com regras permissivas e uma fiscalização cada vez mais frouxa.
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