Carlos Fernandodos santos lima

É preciso dizer não a Bolsonaro

09.07.21

Diante do descalabro do atual governo, envolto em escândalos que sujam a própria faixa presidencial, evitar que o atual presidente indique o novo ministro para o Supremo Tribunal Federal, qualquer que seja o nome, é essencial para a democracia. É preciso dizer não ao escolhido por Jair Bolsonaro para a corte, seja procrastinando o seu processo de sabatina no plenário do Senado Federal, seja simplesmente lhe negando a aprovação.

Há o precedente americano desse tipo de decisão, quando em 2016 os republicanos bloquearam o escolhido por Barack Obama para substituição do falecido juiz conservador Antonin Scalia. Essa decisão, apesar de fortemente criticada, acabou se consolidando com a escolha por Donald Trump de Neil Gorsuch para aquela corte. O então presidente do Senado, o republicano Mitch McConnell, defendeu a decisão de impedir a votação do escolhido por Obama usando como argumento a proximidade das eleições e o desejo de garantir que os americanos tivessem voz na escolha do substituto. Seria irônico ver usado contra o bolsonarismo uma medida defendida em relação a Trump.

Se a decisão de impedir que o escolhido por Jair Bolsonaro chegue ao STF pode parecer radical, pois causaria alguma paralisia nas decisões daquela corte, certo é que a marca mais indelével que um presidente pode deixar na política brasileira, pelo menos até a dolorosa ferida ainda aberta de meio milhão de cidadãos mortos por Covid, são as suas nomeações para compor o órgão máximo do Poder Judiciário e guardião de nossa Constituição. Isto porque os escolhidos, pela natureza vitalícia do cargo de ministro do STF, uma vez que depois da PEC da Bengala somente aos 75 anos de idade estão obrigados a se aposentar, acabam por impactar durante décadas o equilíbrio entre os poderes, e nem sempre de forma positiva.

Exemplos dessa longevidade são o ex-ministro Celso de Mello e o prestes a se aposentar, Marco Aurélio Mello. O primeiro aposentou-se no ano passado e o segundo deixará o cargo no dia 12 de julho, ambos após cerca 31 anos de judicatura na Corte Suprema. Se estes ministros remontam a indicações ocorridas no início da Nova República, os demais membros do STF foram indicados por grupos políticos que ainda polarizam negativamente a política brasileira.

O resultado desta prática são dois dos mais nefastos ministros da história brasileira: Gilmar Mendes e Dias Toffoli. O primeiro, indicação de Fernando Henrique Cardoso, ainda em 2002, deverá se aposentar apenas em 2030, após 28 anos de monstruosas decisões. Ele traduz perfeitamente todos os malefícios do atual processo de escolha para o Supremo, em que o notório saber jurídico e reputação ilibada são expressões constitucionais desconsideradas pelos políticos.

Gilmar Mendes é um ministro arrogante, que julga conforme a cara do freguês, arvorando-se “supremo” e, portanto, sem qualquer limite ou constrição ética ou moral – quanto mais legal ou constitucional. Trata-se de um mini rei-sol a dizer a cada decisão monocrática “a Constituição sou eu”. Jamais teria condições de ser ministro em um país sério. Aliás, a nomeação de uma pessoa como Gilmar Mendes para o STF, bem como a manutenção durante oito anos de Geraldo Brindeiro na Procuradoria-Geral da República, mostra sem qualquer dúvida o descaso do então presidente Fernando Henrique Cardoso com a Justiça. Para o sociólogo-presidente certamente o que importava eram as relações de poder e não os limites da lei, como ficou evidente com a escandalosa compra da reeleição.

Essa maneira de ver o exercício da presidência e sua relação com a Justiça, observe-se, também é compartilhada por Lula, seu falso antagonista político, para quem o “poder Judiciário não vale nada, o que vale são as relações entre as pessoas”. E, por isso, teremos que conviver com Dias Toffoli até novembro de 2042, em uma longa e deletéria judicatura de 33 anos, apenas porque esse ministro lhe havia servido como advogado eleitoral. A judicatura de Toffoli tem sido uma mistura bizarra de voluntarismo ao estilo de Gilmar Mendes com uma notória ignorância jurídica, o que viola claramente o mandamento constitucional.

Agora, além da necessidade de bloquear a escolha de qualquer nome indicado por Jair Bolsonaro, impedindo que sua influência na corte invada as décadas vindouras, ainda é preciso questionar a escolha de André Mendonça, um nome que vem representando o pior do bolsonarismo, seja por sua vertente política autoritária ou por sua guerra cultural contra as minorias. Permitir que essas duas visões de mundo permaneçam 27 anos no STF – André Mendonça tem apenas 48 anos – é correr o risco de vilipendiar ainda mais a Constituição Cidadã de 1988.

Lembremos algumas peripécias do preferido de Bolsonaro nessa sua voluntariosa e servil busca pelo cargo de ministro. Primeiro, é imperioso lembrar que André Mendonça não só participou da reunião do núcleo duro do governo, no segundo semestre de 2020, em que o presidente tomou a decisão de intervir no Supremo, como participou ativamente das discussões sobre a maneira de se dar legalidade (como se houvesse) a esse golpe. Aqui já ficaram claras suas duas características: a subserviência de fazer o que for preciso para agradar o seu senhor, mas também a falta completa de limites éticos e legais em suas interpretações constitucionais.

Ausência de limites que também fundou seus pedidos de abertura de inquérito contra críticos do governo e de Jair Bolsonaro, incluindo até mesmo um cartunista, com base em artigo da Lei de Segurança Nacional claramente não recepcionado pela Constituição de 1988. A natureza autoritária de Mendonça se revelou ainda pela produção, quando ministro da Justiça, de um dossiê com cerca de 580 nomes de servidores federais e estaduais a serem monitorados pelo governo – ao estilo do antigo SNI da ditadura. Nesses episódios, ele mostrou que se tornará uma cunha golpista da extrema-direita dentro do STF, caso seja aprovado pelo Senado Federal.

Além disso, a sua natureza “terrivelmente evangélica” traduz-se na defesa de posições religiosas na interpretação constitucional, o que significaria um retrocesso nos avanços dos direitos das minorias nesses mais de 30 anos de Constituição. Apenas para dar um exemplo, certamente direitos dos brasileiros que se orientam sexualmente fora dos padrões religiosos estáticos, a comunidade LGTBQIA+, terá em André Mendonça um forte opositor durante os próximos 28 anos.

Outras minorias – algumas, na verdade, maiorias silenciadas pelo poder – desprezadas pelo bolsonarismo, como indígenas, pretos e mulheres, também correrão o risco de verem seus direitos ameaçados por interpretações convenientes do movimento conservador cultural da extrema-direita a que André Mendonça pertence. Além disso, esse indicado defenderá no STF questões como o armamento da população ou o voto impresso, causas caras a Bolsonaro e perigosas para a democracia. Tudo isso é inadmissível neste estágio civilizatório que nos encontramos.

Como nenhum indicado por Jair Bolsonaro – que busca apenas pessoas que lhe sejam subservientes –, ele certamente não se conduzirá na judicatura suprema como Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Luís Roberto Barroso e Edison Fachin, dentre outros ministros que corresponderam e correspondem perfeitamente à responsabilidade institucional e histórica de sua função, que não compreende de maneira alguma ealdade pessoal, mas apenas o compromisso com a Constituição e com a sociedade brasileira.

Dessa forma, a única saída é pressionar o Senado Federal para que não coloque ainda mais nossa Constituição em risco com escolhas equivocadas e que venha a reformular o processo de escolha de futuros ministros com a valorização da independência intelectual, do conhecimento jurídico e, principalmente, de uma reputação realmente ilibada.

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