A vacina como obrigação
Na tentativa de evitar uma nova onda de casos de Covid, países que estão com a vacinação em estágio avançado apertaram o cerco contra a turma dos reticentes, que não quer ser imunizada de jeito algum. Na França, uma medida do presidente Emmanuel Macron, transformada em lei na segunda-feira, 26, vai dificultar a vida dos adultos não vacinados. A partir de agosto, a menos que apresentem um teste recente de PCR ou tenham acabado de se recuperar da Covid, eles não poderão frequentar bares, restaurantes, boates, lojas, igrejas, feiras, zoológicos, estabelecimentos ao ar livre, museus, parques de diversões, bibliotecas, clubes, cinemas e teatros. Também não poderão utilizar ônibus para viagens longas, trens ou aviões. A Itália seguiu pelo mesmo caminho e vai exigir um “passe verde” para todos os cidadãos com mais de 12 anos a partir do dia 6. Nesta semana, outros onze países europeus implementaram medidas semelhantes.
A decisão de Macron, anunciada na televisão, ocorreu porque a França, com 45% da população totalmente vacinada, ainda está longe da chamada imunidade de rebanho. Até recentemente, acreditava-se que, com mais de 70% da população protegida, o vírus deixaria de circular. Mas um conselho de cientistas franceses estimou no início de julho que será preciso subir esse patamar para 90%, após a chegada da variante Delta. Surgida na Índia, essa cepa é de duas a três vezes mais transmissível que o coronavírus original e pode se espalhar mesmo entre pessoas já vacinadas. Na França, a variante fez com que o número de novos casos registrados por dia ao longo de julho subisse de 2 mil para 25 mil.
Enquanto o perigo crescia, o país registrou uma queda de 60% no número de doses diárias aplicadas. Foi um sinal claro de que, mesmo com vacinas disponíveis, uma parcela da população resistia a se proteger. A imunidade de rebanho, assim, poderia nunca ser alcançada. Quase metade dos franceses não quer a vacina. “Em todas as nossas pesquisas, a França esteve entre os cinco países com maior rejeição à vacina”, diz Marcos Calliari, diretor-geral do instituto de pesquisas Ipsos no Brasil. Quem não quer se vacinar,é obviamente contra as medidas recém-anunciadas, o que vem criando um problema político para o governo. No último final de semana, milhares foram às ruas para reclamar das exigências de Macron e clamar por “liberdade”.
Nos Estados Unidos, a pressão sobre os não vacinados é mais distribuída. No começo, as universidades exigiram que professores e alunos se imunizassem para participar de aulas presenciais. Em seguida, diversas empresas privadas, hospitais e entidades públicas obrigaram funcionários a se vacinar, o que causou protestos. No Hospital Metodista de Houston, no Texas, cerca de 100 empregados entraram na Justiça alegando que têm o direito de não se imunizar. Em junho, um juiz rejeitou o argumento dizendo que a exigência do hospital não violava nenhuma lei federal. “O Metodista está tentando fazer o seu papel, que é o de salvar vidas”, decidiu o magistrado Lynn Hughes. Nas semanas seguintes, cerca de 150 empregados do hospital pediram demissão ou foram desligados.
A legitimidade de ato de pressionar as pessoas para que se vacinem depende de um equilíbrio delicado entre o direito coletivo e o direito privado. Não há país no mundo em que policiais possam pegar uma pessoa e vaciná-la contra a sua vontade. Mas iniciativas que buscam fazer com que os reticentes mudem de ideia, em nome do bem comum, tendem a se tornar mais frequentes. Na França, a nova política conseguiu recuperar o ritmo de vacinação. Desde que Macron anunciou seu plano, mais de 5 milhões de franceses agendaram a aplicação da vacina. É um número expressivo. Atualmente, o país tem 30 milhões de vacinados com duas doses.
A pandemia levou o Judiciário brasileiro a ir mais além. No final do ano passado, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o poder público pode punir quem se recusa a se vacinar, seja com multas, seja impedindo o acesso a determinados lugares. No dia 19 de julho, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo considerou válida a demissão por justa causa de uma auxiliar de limpeza de um hospital infantil que recusou a vacina. “O risco de essa recusa individual implicar hospitalizações e mortes de outras pessoas faz com que o interesse coletivo se sobreponha ao individual. Uma pessoa pode até não querer se vacinar, mas aí terá de arcar com as consequências”, diz a advogada Marilene Matos, professora de direito administrativo e constitucional.
A rejeição à vacina não chega a ser um problema no Brasil – por aqui, o problema ainda é a falta de vacinas para todos. No final do ano passado, declarações controversas do governo federal diminuíram a confiança dos brasileiros nas vacinas. Em dezembro, 78 em cada 100 pessoas pensavam em se vacinar, segundo o Ipsos. À medida que parte da população foi sendo imunizada, o receio diminuiu. Também de acordo com o Ipsos, agora 93% dos brasileiros querem se vacinar. É o maior índice entre 15 países cujos habitantes foram entrevistados pelo instituto. “A maior parte dos brasileiros não apenas quer se vacinar, como quer fazer isso imediatamente”, diz Marcos Calliari, um dos responsáveis pela pesquisa.
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