Reprodução/ORLA TVquem acreditou nesse governo nunca imaginou que estaria construindo o governo mais corrupto da história

‘Pior que o mensalão’

Ex-aliado de Jair Bolsonaro, o deputado federal Júnior Bozzella conta os bastidores da distribuição de 92 milhões de reais do orçamento paralelo dentro do PSL e diz que o atual governo é ‘o mais corrupto da história’
04.06.21

Em fevereiro de 2019, o deputado federal paulista Júnior Bozzella presenteou Jair Bolsonaro com uma camisa personalizada do Santos, seu time do coração, estampada nas costas com o nome do presidente e o número 17 do PSL. “Agora meu Santos deslancha”, disse o deputado, na ocasião. O encontro descontraído entre os dois, que tinham acabado de ser empossados nos cargos que ocupam atualmente, era o retrato de uma relação estreita que havia beneficiado ambos. O santista Bozzella fizera, ao longo de 2018, intensa campanha pela eleição de Bolsonaro. Organizou carreatas, adesivou carros e criou, no litoral de São Paulo, o “Comitê Central #TimedoMito”. Funcionou. Tanto que ele próprio, que antes havia sido apenas vereador, foi eleito na onda do bolsonarismo. O clima de harmonia, porém, não duraria muito.

No segundo semestre de 2019, após a crise interna que rachou o PSL, Bozzella foi um dos primeiros aliados a romper com Bolsonaro e a sair em defesa do presidente do partido, Luciano Bivar. O reposicionamento estratégico lhe rendeu a posição de vice-presidente da agremiação. Semanas atrás, o nome do deputado apareceu, sem muito destaque, entre os agraciados com o direito de indicar o destino de verbas do chamado orçamento paralelo, uma sinecura destinada aos aliados mais fiéis do governo. Crusoé, então, o procurou para entender o que havia acontecido. Júnior Bozella explicou que foi praticamente um acidente de percurso e, confirmando a lógica da estratégia do Planalto para comprar apoio político à base de recursos públicos, contou os bastidores da distribuição de 92 milhões dentro do PSL – o grosso do valor, afirma, foi para a ala bolsonarista ainda existente no partido. “É um escândalo pior que o mensalão”, diz o deputado, que classifica o governo de Jair Bolsonaro como o “mais corrupto da história”. A seguir, a entrevista.

Como o senhor soube que poderia indicar recursos dentro do orçamento paralelo?
A liderança do PSL fez contato com meu chefe de gabinete para pedir para fazermos os apontamentos, as indicações. Coube à liderança fazer a triagem com base na nossa relação política com prefeitos, com quem a gente tem ligação. Perguntaram quem a gente queria contemplar. Igual (como acontece) com as emendas impositivas. Os técnicos da liderança falaram: ‘Olha, tenho aqui um recurso para indicar para a base’. É assim que funciona: a liderança do partido liga no gabinete e fala que pode fazer a indicação. Fui um dos menos contemplados. Os governistas é que foram realmente beneficiados. 

Quando foi isso?
Essa questão foi encaminhada lá pelo dia 20 de dezembro de 2020. Foi com base nesse entendimento que o (meu) gabinete fez a indicação de onze municípios pequenos com essas características. Foi bem em cima da hora. A gente não teve tempo de fazer o trabalho, o rastreamento. Coube à liderança do PSL fazer essa distribuição, beneficiando mais os deputados bolsonaristas.

Quem entrou em contato foi o líder do PSL, o deputado Felipe Francischini?
Sim, o Felipe Francischini.

O sr. considera que o orçamento paralelo é uma nova versão do mensalão?
Esse é o governo mais corrupto da história. Daqui a dez anos, as pessoas vão olhar para trás e vão ver que o mensalão foi barato perto disso. É muito mais escandaloso, é um estupro moral com a sociedade, porque quem acreditou nesse governo nunca imaginou que estaria construindo o governo mais corrupto da história, seja em áreas como o meio ambiente ou no toma lá da cá dentro do Parlamento. Por isso que eu digo que o mensalão, se comparado a isso, foi ‘barato’ para o povo brasileiro.

A cooptação de deputados por meio do orçamento paralelo continuou após a eleição para a presidência da Câmara?
A gente sabe que nos quatro cantos da Câmara circulava muito (refere-se às ofertas). Isso foi escancarado. Ninguém escondeu as propostas da emenda extra para quem apoiasse a candidatura do (Arthur) Lira. Então, o Palácio do Planalto entrou de cabeça nessa eleição e usou o dinheiro público para cooptar os deputados e eleger o presidente da Câmara. Mas a cada pauta, a cada discussão, a cada revisão de orçamento, em todas essas discussões, são sempre levadas em conta as emendas extras que são apresentadas a deputados e senadores.

O Planalto cobrou apoio a Arthur Lira ao liberar as verbas?
O que a gente escuta é que cada caso tem um acordo específico. Numa determinada votação, liberação de ‘x’ milhões para aquela votação. A última (liberação) que teve foi por causa do auxílio emergencial. Aí teve mais um quantitativo para a eleição do Arthur.

Câmara dos DeputadosCâmara dos Deputados“O Palácio do Planalto entrou de cabeça e usou o dinheiro público para cooptar os deputados e eleger o presidente da Câmara”
Qual é o tamanho do seu arrependimento por ter apoiado Jair Bolsonaro?
O arrependimento foi com o tempo se tornando mais uma frustração mesmo. A gente tinha aquela esperança, aquela expectativa… Na minha cabeça, o Bolsonaro podia ficar no poder por 30 anos se ele tivesse cumprido aquela agenda que ele se propôs a fazer e que nós, ali, naquele processo de 2018, nos comprometemos junto a ele. Com o passar do tempo a gente foi vendo que aquilo tudo foi um discurso e a teoria não se transformou em prática. Bolsonaro criou uma expectativa nas pessoas e a gente tinha uma expectativa de um país melhor, mas com uma expectativa exacerbada, um grande cunho de esperança, e isso acabou me frustrando absurdamente.

Com quais bandeiras dele o sr. mais se frustrou?
A corrupção foi a primeira frustração, a primeira decepção. O arrependimento surgiu quando ele tirou o Coaf do Ministério da Justiça. E quando, no meio da reforma da Previdência, percebi que ele não trabalhou pelas reformas do país. Naquele ínterim, ele trabalhou muito mais pela indicação do Eduardo Bolsonaro para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Quer dizer, colocou em segundo plano a prioridade dos brasileiros. Aquilo me chamou muito a atenção.  O ponto vulnerável da família Bolsonaro é aquela história de dar filé mignon para os filhos. E isso deixou feridas abertas. Expôs demais a parte vulnerável da família, que é aquela coisa de que não era o Brasil acima de tudo. Ficou muito claro que é a família Bolsonaro acima de tudo.

O presidente deixou o PSL porque já não conseguia mais ter o controle do partido? Tem a ver com o dinheiro do partido?
Cem por cento. Eles queriam ter o controle do fundo, queriam ter o controle político do partido e o financeiro. Não era só o controle político, mas também o controle financeiro, e que São Paulo (o diretório paulista do partido era controlado por Eduardo Bolsonaro) pudesse receber um volume enorme por mês do fundo partidário.

O sr. acredita que o presidente está seguindo essa mesma lógica agora ao ingressar no Patriota? 
Isso ele nunca escondeu. Ele sempre deixou claro que quer um partido em que ele manda. Tanto que ele tentou criar a Aliança, não teve sucesso. Ele está procurando um partido para que ele possa ter o controle, o domínio. A tentativa de voltar ao PSL também era nessa direção o tempo todo: ter o domínio. Tanto que ele pede publicamente a exclusão das pessoas que são contra as posturas dele. Ele sempre quer um partido para controlar e colocar os interesses dele, e dizer o que pode e o que não pode. E no Patriota, pelo que eu vi agora, não foi diferente. Ele já chega conturbando o ambiente, fazendo conflito. Nunca há pacificação, harmonia, entendimento. Porque realmente é uma imposição, é o estilo que ele tem usado para governar o país. Na concepção dos Bolsonaro não existem aliados, existem os adesistas. Você tem que aderir e cumprir com as determinações deles. Se não aderir é inimigo da pátria, é comunista, é petista. É o traidor.

Qual caminho o PSL vai trilhar na corrida presidencial de 2022?
O partido tem algumas alas. A gente respeita. O partido é liberal. O (Luciano) Bivar é liberal e o partido tem um comportamento liberal. Eu sou contra algumas condutas que a bancada do PSL, alguns deputados, tiveram no seu dia a dia. Mas a gente respeita. Por exemplo: eu nunca fiz oposição destrutiva, sempre quis que o país andasse, tanto que muitos dos meus votos são a favor do governo. Por mais que eu não goste da postura do presidente, por mais que eu faça oposição ao presidente, eu não faço oposição ao país. O meu voto nunca precisou do toma lá da cá, de emendas e de coisas nesse sentido. Mas há deputados que estão filiados que tiveram esse comportamento dentro da legenda. Isso macula a imagem do partido.

O sr. está falando da cooptação pelo governo?
Eu costumo dizer que com o Bolsonaro, com os bolsonaristas, não tem almoço grátis. Todo mundo que apoia esse governo, seja o Centrão, seja essa ala bolsonarista do PSL, é por algum interesse próprio. A Carla Zambelli tem lá pessoas nomeadas no governo. Eles têm uma porção de emendas extras. É isso que eu questiono. Eu não quero que o partido fique nessa posição de parecer que virou um balcão de negócios igual ao Centrão. Eu luto pelo PSL que me foi apresentado pelo Bivar. É nesse PSL que eu acredito. Um PSL liberal, que possa estar construindo uma alternativa para o país num campo mais democrático e moderado.

Agência CâmaraAgência Câmara“Cada caso tem um acordo específico. Numa determinada votação, liberação de ‘x’ milhões para aquela votação”
Como deputado de primeiro mandato, que impressão o sr. tira do Congresso? É um mercadão de interesses?
A impressão que eu tenho é que tem deputado que trabalha, que consegue resultado e que ajuda, sim, no desenvolvimento do país. Mas, com a maneira como esse governo tem se comportado, a Câmara foi contaminada de tal forma que eu não tenho dúvida nenhuma de dizer, pela experiência que eu tenho na vida pública, que esse governo é o governo mais corrupto da história do Brasil, que induziu muito, muito, o Parlamento brasileiro a ser cooptado e levado ao erro pela ganância e pela quantidade de ofertas, de assédio moral, de ameaças de fake news, com abundância de distribuição de dinheiro público através das emendas extras e desse orçamento paralelo.

Qual foi a situação mais esdrúxula que o sr. já viveu como deputado? Alguém do governo chegou a ameaçar ou tentar cooptar?
Eu fui ameaçado pela família Bolsonaro por algumas vezes. Recentemente, o Eduardo teve um entrevero comigo na saída de um avião no aeroporto de Congonhas. Mais uma vez, me ameaçou de morte. Isso já havia acontecido lá atrás, quando a assessoria dele, enfim… (Pausa) Eu até recebi escolta legislativa, em função dessas ameaças que ficaram comprovadas pela Depol (refere-se ao Departamento de Polícia Legislativa). Depois, quando o Arthur Lira ganhou a eleição legislativa, ele me tirou a escolta sem justificativa alguma. Agora, com relação a outro tipo de proposta, de cunho inescrupuloso, imoral e não republicano, eles sabem com quem falam.  Eles nunca tiveram nem sequer a coragem de me abordar nesse sentido.

O senhor poderia descrever como foi essa ameaça?
Voltando de Brasília, pousando em São Paulo, eu desci da aeronave e, na saída do portão, sentei numa cadeira, junto com meu assessor. Um segundo assessor estava dentro da aeronave, por isso a gente ficou aguardando. Ele estava na poltrona de trás. E nesse ínterim eu estava no celular. Peguei uma barrinha de cereal para comer. Aí veio um vulto na minha direção, com dedo em riste, apontando. E meu assessor estava do lado. Era o Eduardo, dizendo: “Olha, eu vou te matar. Se eu tivesse uma faca aqui eu te matava, seu vagabundo”. Outras pessoas presenciaram. Eu não reconheci de primeira que era o Eduardo porque ele estava de boné, meio disfarçado. Eu até achei que era alguém me cumprimentando quando eu levantei a cabeça. Mas aí ele continuou com o dedo em riste, falando “vagabundo, vou te pegar”, essas coisas todas que eles estão acostumados a fazer, com o estilo miliciano de ser.

É possível remar contra o Centrão no Congresso?
Se tivéssemos um presidente, como o Bolsonaro prometeu, que não seria candidato à reeleição e que faria um governo transparente e para todos os brasileiros, e não para uma minoria barulhenta, um nicho ideológico, talvez isso facilitasse. Mas Bolsonaro só governa para os seus 20%. Se ele tivesse tido tranquilidade e aproveitado aquele momento de lua de mel que vivia com grande parte da população, se tivesse debatido e não ficado na internet com aquelas besteiras de “golden shower” ou de filé mignon para os filhos, filho na embaixada, a questão de cheque na conta da mulher, o Queiroz, esconde o Queiroz, cadê o Queiroz?, se ele tivesse dialogado com a classe política de forma equilibrada…

Por que a renovação da política propalada nas eleições de 2018 ficou só no palavrório?
As pessoas construíram uma ideia de que a política devia ser renovada. Eram os mocinhos contra os bandidos. E as pessoas imaginavam que a nova política seria a solução. E ficou muito claro que não existe a nova e nem a velha, existe a boa política. Tem políticos de anos de mandato que entregam resultados. O que leva a população ao erro é não se aprofundar e não entender que é mais importante estar trabalhando e entregar resultado do que ficar na internet lacrando, xingando os outros para fazer avacalhação, denegrindo a imagem alheia em busca de likes e compartilhamentos. Acho que a própria população às vezes acaba sendo responsável, porque se existem esses mitos da internet é porque o povo acaba se equivocando e, às vezes, o político que mais trabalha não é o que ganha a eleição.

O sr. pretende intensificar a postura de oposição ao governo daqui até as eleições?
Quero ser uma voz combativa, continuar combatendo o bom combate e trazendo a discussão para a luz, tirando das sombras, porque nós vivemos um governo de mentiras, um governo de fake news, um governo que quer aniquilar adversários. Um governo que trabalha contra os interesses da nação e só a favor dos interesses da sua família. O meu papel vai ser o de trazer a realidade dos fatos, para a sociedade brasileira se livrar dessa política do ódio, dessa política de desconstrução, de destruição e de guerra que hoje o governo incita na sociedade brasileira. Um governo da beligerância. Meu papel é buscar livrar a sociedade desse mal que se instalou, que é o governo Bolsonaro. Não é só o governo, é a cultura bolsonarista que se instalou na sociedade brasileira, criando maus exemplos. Precisamos ter um país solidário, um país para todos. O brasileiro é um povo solidário, um povo que é humano. Esse governo é um governo desumano. Meu papel daqui para frente é lutar para que a gente não viva esse mal nos próximos quatro anos.

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