Carlos Fernandodos santos lima

Terceira via: uma proposta mínima para um acordo nacional

28.05.21

Encruzilhadas sempre foram consideradas um local místico onde decidimos nosso futuro e as trilhas que pretendemos seguir para atingi-lo. Antigas religiões sempre colocaram nesses lugares seres mágicos, mestres da astúcia e da fraude, como Hermes para os gregos, Odin para os escandinavos, ou o próprio diabo para cristãos, para enganar os viajantes e fazê-los escolher o caminho errado.

Como quase todos os mitos, as histórias sobre encruzilhadas são metáforas da vida humana, pois constantemente nos encontramos dentro de um labirinto em que somos chamados a decidir pelos caminhos que desejamos seguir, sempre confrontados por nossos próprios demônios, que nos chamam pelo trajeto fácil da violência, da procrastinação, do medo ou do preconceito. São necessárias obstinação e força de vontade para optarmos pela via difícil do diálogo, do conhecimento, da tolerância e do esforço, únicas maneiras, ao final, de nos levar a um bom destino.

Entretanto, nem sempre os demônios a nos convidarem para o caminho errado são fantasias do nosso subconsciente ou do sobrenatural. Algumas vezes eles existem fora de nossa imaginação, materializando-se em pessoas que tentam nos manipular e nos transformar em massa de manobra para seus interesses sombrios. Os piores, aqueles que manipulam multidões, usam da religião e das ideologias políticas para alcançarem poder e dinheiro, mesmo que à custa da ruína à sua volta. O mais completo exemplo disso foi Hitler, que usou de seculares preconceitos de um dos povos mais educados do mundo para seu desejo de um reich de mil anos.

Em nosso país os demônios são menos pretensiosos, se isso pode servir de consolação. Alguns desejam não um reich de mil anos, mas a manutenção do poder para seu partido por 30 anos, sacrificando todo um discurso de probidade que usaram quando eram oposição para sistematizarem um esquema de corrupção como forma de dominação política tão logo chegaram ao governo. Outro, um diabrete menos sofisticado intelectualmente, mas conhecedor íntimo do pior do ser humano, aproveitou-se das revelações desses esquemas criminosos de corrupção para um discurso de ódio e preconceito, criando uma falsa polarização para chegar ao poder. Digo falsa, pois ambos são apenas as faces opostas de uma mesma moeda do fanatismo político.

Agora, esses líderes malignos dessas seitas políticas se colocam como as únicas opções para enfrentarem um ao outro nas próximas eleições presidenciais. Entretanto, apesar de fingirem serem inimigos, eles precisam um do outro, pois são gêmeos siameses que não existem sem a sua contraparte, um o espelho do outro, supostamente opostos, mas iguais. Esses extremistas, usando de manipulação dualista do bem contra o mal, rotulam todos aqueles que não os seguem com termos como fascistas ou comunistas, fazendo-os passar às suas legiões de seguidores ignorantes como representantes daquilo que elas mais temem.

Entretanto, 2022 não é uma encruzilhada com apenas dois caminhos. Há outras opções, ainda não fortes o suficiente para se contrapor a eles nas pesquisas, por ser cedo demais, mas que representam a saída desse labirinto. E como nosso sistema de dois turnos incentiva o pensamento maniqueísta, é importante que haja já no primeiro turno a união desses possíveis candidatos em torno de princípios, forjando um acordo para apoiar aquele mais viável a chegar no segundo turno e vencer qualquer um dos dois capirotos.

Esse grande acordo de uma terceira via deve seguir o caminho difícil do trabalho, do diálogo, da ciência, da tolerância com a opinião alheia, sem, contudo, cair na leniência com o errado e com o crime. Não é hora de vaidades, nem de lutas fratricidas, coisas que serão estimuladas não somente pelos xifópagos favoritos, mas também pela corte infernal de políticos interessados na manutenção de um ou outro no poder. Assim, não é hora de se falar em nomes, mas dos pretendentes apresentarem propostas e ideias para o Brasil.

Assim, a carta-manifesto a favor da democracia assinada por diversos candidatos no dia 31 de março já é um começo de um movimento de união em torno de princípios. Outros princípios podem ser trabalhados, pois precisamos urgentemente de um governo que respeite a ciência para que possamos voltar  trabalhar e crescer, que dê condições para que o esforço pessoal seja recompensado, que nos dê oportunidade para que possamos buscar nosso caminho para a felicidade, independente de sexo, raça ou opção sexual, mas que também corrija injustiças históricas e nossa desigualdade obscena, usando o dinheiro dos impostos, suor do trabalho dos brasileiros, para serviços públicos decentes e para construir uma infraestrutura para o progresso.

A terceira via, portanto, deve seguir esses princípios como um fio de Ariadne, que na mitológica história de Teseu contra o Minotauro, levou o herói para fora do labirinto após este ter matado o monstro. Para o Brasil, escolher um futuro presidente diferente de Lula ou Bolsonaro é um imperativo para que possamos seguir um caminho de paz social e progresso. Não basta, é claro, pois há muito a ser feito no futuro para destruir todo esse sistema político corrupto que é causa última de nossa desesperança, mas já é um bom recomeço.

Sei que a proposta para aceitarmos um candidato da terceira via em termos tão genéricos parece difícil, pois gostamos de imaginar nosso favorito como o melhor nome, mas essa ideia de acordo nacional nunca foi tão necessária e, justamente por isso, precisamos superar nossas idiossincrasias e preferências, bem como a vaidade e a sede de poder de muitos dos pretendentes.

Isto porque mais cinco anos da mesma polarização, dos mesmos impasses e confrontos ideológicos improdutivos, de uma guerra cultural sem sentido, da contínua chantagem do Centrão, dos equívocos econômicos e da crescente corrupção em todas as esferas de poder só resultarão em mortes, na destruição de nossa economia e no esgarçamento de nossa democracia, com risco elevado de rompimento institucional.

Dessa forma, cabe aos diversos candidatos, que vão da centro-esquerda até a centro-direita, buscarem o consenso em torno do princípio básico para a próxima eleição: ELES NÃO! NEM LULA NEM BOLSONARO! Como já dizia Leonel Brizola, na disputa entre o diabo e o coisa-ruim, quem sempre vence é o inferno. E nós precisamos escapar dele.

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