Marlene Bergamo/Folhapress"Esse governo só consegue produzir notícias negativas. Eles não construíram nada"

Empastelamento à la Maduro

Miguel Henrique Otero, diretor do jornal venezuelano El Nacional, relata a perseguição pela ditadura chavista. O grupo teve a sede confiscada por publicar reportagens sobre um dos homens fortes do regime
28.05.21

Em seu apogeu, entre os anos 1990 e 2000, o jornal venezuelano El Nacional teve 1.100 funcionários. Além do diário impresso, a empresa responsável por publicá-lo tinha ainda mais dois jornais populares, uma editora de livros e uma revista. Mas os anos de ditadura de Hugo Chávez e, depois, de Nicolás Maduro, drenaram as energias. O número de empregados atualmente não passa de 60. Há duas semanas, a sede da empresa em Caracas foi tomada por chavistas armados. Os poucos jornalistas corajosos que ficaram no país abastecem um site, o único negócio que restou do grupo. Ainda assim, o acesso ao material publicado é frequentemente bloqueado pela ditadura.

Há quatro anos, o diretor do jornal, Miguel Henrique Otero, comanda a operação a partir de Madri. O responsável por seu exílio é o deputado Diosdado Cabello, considerado o número 2 do chavismo. Revoltado com reportagens que diziam que ele estava sendo investigado em Nova York por envolvimento com o narcotráfico, Cabello processou o El Nacional por difamação. Otero, hoje com 73 anos, estava no exterior quando um tribunal decretou medidas cautelares que poderiam resultar em sua prisão. Na iminência de ir parar nos calabouços chavistas, ele optou por não mais retornar para a Venezuela.

A Crusoé, Otero diz que Cabello é, hoje, o homem que mais manda no país – mais até do que o próprio Maduro. “Ele controla os juízes, o Tribunal Supremo e a repressão, porque todos os mecanismos que impõem a força são dominados por ele”, diz. Otero explica o novo modelo de expropriação que está sendo engendrado pelos chavistas: “No caso do El Nacional, aparentemente, o edifício e a gráfica serão entregues a Cabello, a título pessoal. Não ficará sob o controle do estado. Ele vai poder fazer o que quiser com o que ganhar”. Eis a entrevista:

O que aconteceu na sede do El Nacional na sexta-feira, dia 14?
Sem qualquer aviso prévio, um grupo de 20 policiais da Guarda Nacional Bolivariana foi até o jornal. Eles estavam com fuzis de guerra e colaram um papel na porta. Não sei o que estava escrito lá. Em seguida, subiram pelos andares e passaram em todas as salas, ordenando que as pessoas saíssem. Desde então, nenhum dos meus funcionários pôde entrar no prédio. Além dos policiais, também apareceram militares e “colectivos”, que são os jovens armados que não usam uniforme e defendem o governo de Maduro. Como os “colectivos” entram e saem a todo momento, é difícil precisar o número deles. 

Segundo o governo, a ocupação da sede se deu porque o jornal se recusou a pagar uma indenização de 13 milhões de dólares por danos morais ao deputado Diosdado Cabello. É verdade?
Eles tomaram o edifício sem ter me cobrado esse montante. Ninguém do governo me perguntou se eu queria pagar ou não. Essa é uma história longa, porque nós nunca dissemos que Cabello era um narcotraficante. O que fizemos foi publicar uma reportagem falando que ele estava sendo investigado nos Estados Unidos. Na verdade, nós apenas repercutimos uma matéria publicada pelo jornal espanhol ABC, em 2015. O correspondente desse veículo em Washington tinha recebido a informação de que havia uma investigação em curso em Nova York. Nós demos a história no dia seguinte, assim como oitenta jornais do continente, incluindo o Wall Street Journal e alguns veículos do Brasil. A reportagem tinha sido publicada por uma agência de notícias e era um assunto importante na Venezuela. Cabello era o presidente da Assembleia Nacional. Mesmo assim, ele iniciou um processo contra nós por difamação.

Marlene Bergamo/FolhapressMarlene Bergamo/Folhapress“Cabello pode ser considerado a pessoa que mais manda no país”
Houve difamação?
O que houve foi notícia, porque a investigação realmente existia. Tanto que o DEA, a agência americana de drogas, emitiu uma ordem de captura de Diosdado Cabello. Além disso, os americanos ofereceram uma recompensa de 10 milhões de dólares para quem o entregar. Essa história de difamação não tem sentido nenhum.

O que tanto incomodou o governo?
A estratégia dos chavistas desde sempre foi acabar com o jornalismo independente, seguindo o modelo cubano. Para atingir esse objetivo, eles precisavam fechar o El Nacional. Nós éramos o único jornal independente que tinha sobrado na Venezuela. Todos os outros, como o El Universal e o Últimas Notícias foram comprados com dinheiro público e passaram a só falar bem do governo. Os chavistas também fizeram uma proposta para comprar o El Nacional, mas eu recusei. Depois disso, a estratégia passou a ser tentar acabar com o jornal. Primeiro, eles nos impediram de comprar papel. Em seguida, entraram com esse processo por difamação.

Algum dos veículos de comunicação que foram parar nas mãos do governo se tornou um caso de sucesso?
Nenhum deles teve êxito. Todos foram destruídos. É isso o que esse governo tem feito com milhares de outras empresas, de outros setores. Nenhuma delas funciona. Mas o destino do El Nacional pode marcar uma diferença no modelo de expropriações. Nos casos anteriores, quando um jornal era nacionalizado, novos veículos públicos foram criados no lugar. Quando fecharam a Rede Caracas de Televisão, a RCTV, por exemplo, eles usaram os estúdios e os equipamentos para fundar outro canal, a TVES. No caso do El Nacional, aparentemente, o edifício e a gráfica serão entregues a Cabello, a título pessoal. Não ficará sob o controle do estado. Ele vai poder fazer o que quiser com o que ganhar. Pode criar até uma revista pornográfica, qualquer coisa que ele tiver vontade. Vai ser só dele. Pelo que estão negociando, essa será uma nova modalidade de expropriação, em que uma empresa confiscada é dada de presente para uma pessoa.

Qual é a relevância de Diosdado Cabello para a ditadura da Venezuela?
Cabello pode ser considerado a pessoa que mais manda no país. Ele controla os juízes, o Tribunal Supremo e a repressão, porque todos os mecanismos que impõem a força são dominados por ele. Também manda nas finanças, porque tanto a arrecadação de impostos como as alfândegas estão sob o mando de seu irmão, José David. Cabello controla o partido, porque é ele que encabeça a Assembleia Nacional. Todos os candidatos que concorreram a uma vaga no Congresso foram aprovados por ele. Ele ainda detém a comunicação, porque tem seu programa de televisão, o Descendo o Porrete, de onde lança seus petardos contra a oposição. É ele que define a linha do partido. Maduro fica com a Presidência, com os ministros e as relações com Cuba, Farc, ELN, Rússia, Hezbollah, Irã e China.

Knight Center for JournalismKnight Center for Journalism“Os venezuelanos são contra o regime”
Cabello disse que vai criar uma faculdade de jornalismo na antiga sede do El Nacional. O que ele poderá ensinar aos estudantes de comunicação?
Eles não sabem fazer jornalismo. O que vão criar provavelmente é uma escola para formar quadros políticos. Também não acho que consigam usar as rotativas da gráfica para fazer uma versão impressa do programa que Cabello apresenta na televisão. É impossível que consigam fazer jornalismo de uma maneira minimamente decente.

Quais eram as notícias que mais incomodavam a ditadura?
Toda e qualquer informação que publicávamos desagradava aos chavistas. Não importava o tema. Podia ser uma reportagem sobre a situação econômica do país ou sobre os presos políticos. Esse governo só consegue produzir notícias negativas. Eles não construíram nada. Todos os ditadores conseguem fazer algo, construir uma estrada, um edifício. Mas os governantes autoritários da Venezuela foram incapazes de erguer qualquer coisa.

O sr. acredita que as negociações entre a oposição liderada por Juan Guaidó e o regime de Maduro podem chegar a um resultado?
Não acredito nisso. O que mais incomoda os chavistas são as sanções americanas. Eles acumularam muito dinheiro, a título pessoal, e esse dinheiro está congelado. Eles não podem gastar o que guardaram. Por isso, nessas negociações com a oposição e com a União Europeia, com a presença do ex-primeiro-ministro da Espanha José Luís Rodríguez Zapatero, eles pedem a retirada das sanções. Em troca, estão oferecendo a realização de eleições regionais que não têm importância nenhuma. O problema é que essas sanções não serão retiradas pelos Estados Unidos.

Como os jornalistas que ficaram na Venezuela estão trabalhando?
A maioria deles saiu do país. Na Espanha, há uma organização de jornalistas venezuelanos com 750 membros. Ficaram apenas alguns valentes na Venezuela, que são os que nos ajudam a manter o site. Eles enfrentam diversos problemas, como a dificuldade para acessar a internet, o elevado custo de vida, a delinquência e as ameaças do governo. O risco é tremendo.

O que é possível esperar para o futuro da Venezuela?
É difícil ver uma luz no final do túnel. Mas há uma resistência muito grande à ditadura. Maduro tem só 10% de popularidade. Há muitos partidos de oposição ainda, apesar dos obstáculos. No ano passado, ocorreram 1.900 manifestações. Vários militares ativos estão insatisfeitos. Nos últimos dois anos, eles lideraram oito rebeliões. Há 200 oficiais presos. Além disso, a Venezuela afeta outros países. Mais de 5 milhões de venezuelanos estão refugiados no exterior. E ainda é preciso somar a isso o tema do narcotráfico: a Venezuela é o país que mais exporta droga do mundo, apesar de não ser produtor. Ganha dinheiro só com o tráfico. É algo oficial do governo. Então, a resistência é muito grande. Em algum momento, isso tudo vai desaguar em algo concreto. A população está reprimida, esmagada, obrigada a buscar comida todo dia. Os venezuelanos são contra o regime.

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  1. bobagem aqui temos Carluxo e sua trup para nós defender. o b de um regime destes é que fica fácil conseguir asilo polito fora do país. a direita aqui quer queimar a Amazônia, a esquerda lá trafica droga. e vida que segue. Sérgio Moro é a solução mas parece que até ele já se desencantou com tudo isso que Deus nos conforte.

  2. Que a gente tome essa situação toda absurda e grave como por algo que pode ocorrer aqui com Lula e Bolsonaro no poder ! 3a via democrática já !

  3. Viva o COMUNISMO. Esse é o resultado, quando uma sociedade se encanta com os discursos socialista. Um dia o 💸 das pessoas acabam, restando somente a repressão. No Brasil, tb vivemos esse regime, sobretudo, maquiado. A quem pense que vivemos em um regime capitalista. Na verdade, o que impera por aqui, ainda, é o socialismo Fabiano. Mas a ideia de todo socialismo é se tornar autoritário. A história mostra assim, o caminho do poder. Socialismo, Comunismo e por fim, fascismo. Ignóbil!!!

  4. Qualquer mudança no país, começa com o despertar da população. Com a união de todos, ou maioria, o país poderá sair deste regime autoritário. E o pior que tem gente, político brasileiro que defende esse regime. Fazer o quê?

  5. Parabéns pela coragem de continuar mostrando a face ditadora do governo da Venezuela. O povo venezuelano assiste aos programas da TV estatal? Lê os jornais, as revistas estatais?

  6. Este é o quadro do Brasil hoje,no próximo ano será o golpe,vai começar com a não renovação da concessão da globo, e outros meios de comunicações.

    1. O carinha aí de cima preocupado com a globo que deve trilhões ao povo brasileiro, aí fica muito difícil, é muita doutrinação aliada a desinformação.

    2. Exato, o Brasil hoje caminha a passos largos ao encontro da Venezuela....

  7. Seria interessante vocês trazerem conteúdos sobre caráter e virtudes morais, sugestão de convidar Luiz Felipe d'Avila e o Heni Ozi Cukier para colaborar.

  8. E isso que a esquerda quer implantar aqui. Ja começaram há muito tempo, as principais ações desses comunistas foram a compra do Supremo e a implantação da urna eletrônica. Mas o importante aqui e q o Bolsonaro não usa máscara.

    1. Francisco acorda seu imbecil, não vê que é justamente o que o seu ídolo de m..da está pretendendo fazer? Ou você é muito burro ou um tremendo mau caráter como a maioria dos bozista seu otário.

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