Dida Sampaio/Estadão Conteúdo"Foram tantas crises, tantos palavrões, tantas coisas erradas, tantos lapsos verbais... Se ele (Bolsonaro) ficar calado, está doente"

‘O crime está caracterizado’

O senador baiano Otto Alencar, integrante da CPI da Covid, afirma já haver provas suficientes para culpar o presidente pela tragédia que o coronavírus ainda impõe ao Brasil
21.05.21

Decano da CPI da Covid, o médico Otto Alencar, 73 anos, exerce um papel fundamental para o equilíbrio de forças na comissão. Por pertencer a um partido teoricamente aliado do governo, o PSD, e ao mesmo tempo se declarar independente, o senador baiano tem conseguido manter uma distância regulamentar do clima de Fla-Flu político que, com frequência, toma conta das sessões. Ele procura não se contaminar pelos arroubos mais apaixonados dos dois extremos do espectro político e, até por isso, é dos poucos que conseguem se fazer ouvir sem ser interrompidos pelos colegas.

É com esse estilo plácido que Alencar traça um diagnóstico das primeiras semanas da CPI. Para ele, a comissão já rendeu avanços no combate à pandemia no país – um exemplo é o fato de o Ministério da Saúde ter deixado de indicar, em seu site, o tratamento precoce com medicamentos como a cloroquina. Deixando um pouco a serenidade de lado, o senador não se inibe em antecipar, nesta entrevista a Crusoé, que “o crime (do governo) já está caracterizado”. “Quiseram fazer imunidade de rebanho e não deu certo. Fizeram o tratamento precoce e não deu certo. Não fizeram o provimento de oxigênio e kits intubação. Se as pessoas morrerem sem assistência do Ministério da Saúde não é crime, então não existe mais crime no Brasil”. Eis a entrevista:

Com base nos depoimentos que já ocorreram, o sr. acredita que há chances de a CPI acabar em pizza?
Nós temos a convicção de que a CPI está sendo propositiva. O Ministério da Saúde, por exemplo, já retirou do site a indicação do tratamento precoce, que inclui medicamentos à base de hidroxicloroquina. A Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) deu um parecer que estava enrustido, incubado há muito tempo, dizendo que a hidroxicloroquina não tem efeito nenhum para evitar o coronavírus, muito menos para tratá-lo. O ministro Marcelo Queiroga, embora tenha fugido de falar a verdade no depoimento, pode ser chamado outra vez e ao menos está pregando o isolamento social, o uso das máscaras. São orientações que, infelizmente, não estão sendo seguidas por Jair Bolsonaro. O presidente tem uma prática própria de desautorizar os seus ministros. Foi assim com Sergio Moro (ex-ministro da Justiça), com os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich e com outros que foram demitidos. São 19 ministros substituídos em dois anos e quatro meses. De toda forma, a CPI está indo bem. O conceito de crime, na minha opinião, já está caracterizado: deixar a pandemia correr solta com aglomeração, com uso de hidroxicloroquina, na tentativa de, absurdamente, pensar que iríamos chegar à imunidade de rebanho. 

O sr. tem sido classificado como independente, apesar dos posicionamentos críticos com relação ao governo. Qual é a sua real posição?
Eu sou oposição ao que não presta para o país e sou situação ao que é bom. Votei contra o Bolsonaro no decreto das armas, votei pela derrubada do veto a incentivos para 17 atividades em 2021 e relatei o projeto de indenização aos órfãos dos profissionais de saúde. Eu voto contra o que é ruim para o meu país. E meu limite de poder é meu gabinete. Sou independente porque não sou radical. Não sou daqueles que acham que devem fazer de tudo para destruir o governo. 

Acredita que a CPI pode ter desdobramentos no Ministério Público Federal, contra Jair Bolsonaro, mesmo com o procurador-geral da República, Augusto Aras, no comando?
Sou baiano e Aras é baiano. Torço para ele ser ministro do Supremo Tribunal Federal, pois há muito tempo não temos um nordestino na alta corte – o último foi Ayres Britto, que, por sinal, foi ótimo ministro. Torço para ele ser indicado. Acho que tem todos os pré-requisitos para isso. Mas, na PGR, pela história da família dele, formada por advogados da Bahia, espero que ele tome uma decisão de ordem legal.

Bolsonaro tem feito duros ataques à CPI. É um sinal de desespero?
As agressões do presidente já viraram lugar-comum. Ninguém liga mais para isso. Eu mesmo não dou atenção. Foram tantas crises, tantos palavrões, tantas coisas erradas, tantos lapsos verbais… Se ele ficar calado, está doente.

Frederico Brasil/Futura Press/FolhapressFrederico Brasil/Futura Press/Folhapress“Sou oposição ao que não presta para o país e sou situação ao que é bom”
O sr. é médico e tem protagonizado debates com senadores da chamada “bancada da cloroquina”. Não há risco de a CPI virar palco para propaganda de tratamento precoce?
Temos no Brasil hoje a maior produção de charlatães da história. Mas acredito que a população tenha entendido que não adianta tomar hidroxicloroquina, assim como a ivermectina. Ivermectina é um remédio para vermes. Se você usar de acordo com o que está na bula, não terá problemas maiores, mas, se tomar em excesso, ela pode causar problemas no fígado, como hepatite química. Ainda assim, é menos pior do que a hidroxicloroquina, que pode matar pessoas que têm doenças no coração.

O Brasil é um dos poucos países cujo governo defendeu abertamente a cloroquina. O sr. vê crime na prescrição do remédio?
Vejo crime. O presidente não podia pegar uma caixa de hidroxicloroquina e sugerir que o Brasil tomasse, porque ele não é médico. Na minha opinião, foi um ato muito perigoso e irresponsável. No caso dos médicos, eles assinam a receita dos pacientes e assumem a responsabilidade. O que não pode é um não médico promover um remédio para 215 milhões de brasileiros. Mesmo com a Conitec dizendo que a hidroxicloroquina não funciona, o presidente continua difundindo. Quiseram fazer imunidade de rebanho e não deu certo. Fizeram o tratamento precoce e não deu certo. Não fizeram o provimento de oxigênio e kits intubação. Se as pessoas morrerem sem assistência do Ministério da Saúde não é crime, então não existe mais crime no Brasil. Por exemplo, será que não houve crime quando quiseram mudar a bula da hidroxicloroquina? A Nise Yamaguchi, que não é infectologista, não é imunologista, é só oncologista, que estava louca para ser ministra da Saúde, fez de tudo por isso. Até o Hospital Albert Einstein teve que cancelar o contrato dela, porque não suportava mais que ela fizesse apologia à hidroxicloroquina.

Em 2018, nomes ligados ao combate à corrupção tiveram força. Com a pandemia, candidatos da área de saúde terão destaque nas eleições de 2022?
Posso responder por mim. Eu não vou usar isso a meu favor. 

O que representa a filiação do prefeito do Rio, Eduardo Paes, ao seu partido, o PSD?
É muito forte a filiação de um prefeito da cidade do Rio de Janeiro. É um bom político, experiente, foi bem nas eleições. Fortalece muito nosso partido. Gilberto Kassab (presidente nacional do PSD) está de parabéns por conseguir essa filiação. Como também está de parabéns pela filiação de Henrique Meirelles. É um bom quadro. Um economista respeitado. Estamos crescendo bastante.

Frederico Brasil/Futura Press/FolhapressFrederico Brasil/Futura Press/Folhapress“Temos no Brasil hoje a maior produção de charlatães da história”
Qual é, afinal, o projeto do PSD para 2022?
O PSD está de olho no surgimento de uma dessas estrelas de última hora. Kassab fala muito em um candidato de centro. Quando estive com o ex-presidente Lula, falei que Kassab queria um candidato de centro. E Lula disse: “Se ele arrumar alguém que tem mais votos que eu, apoio o candidato de centro”. Kassab falou com ele no outro dia.

O sr. acredita na viabilidade de uma candidatura de terceira via?
Até agora, não apareceu. Ninguém cresceu. O governador de São Paulo, João Doria, o Ciro Gomes e o (Luiz Henrique) Mandetta ainda não decolaram, apesar de serem bons nomes. Estou falando: só acontecerá se aparecer um astro de última hora, como foram Fernando Collor ou Bolsonaro. Não precisa ter apenas uma estrela, tem que ter a Ursa Maior para conseguir, em um ano, ser presidente do Brasil saindo do zero. Kassab já falou sobre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que é um político bem formado, capaz, inteligente, carismático e que tem estrela. Em dois anos de Senado, já se tornou presidente da casa. Quem sabe ele não é o abençoado com a Ursa Maior? Kassab nos garantiu que cada diretório estadual poderá tomar sua decisão quanto aos candidatos. Isso se a terceira via não surgir a partir do PSD. Se houver um candidato do PSD, claro, teremos que votar com ele. Mas, se for uma terceira via que não for do PSD, não teremos nenhuma obrigação de votar com ela.

A Bahia é um dos estados onde o PSD tem maior expressão. O senhor será candidato ao governo?
Eu tenho uma frase que é a seguinte: só se toma decisão em política quando o momento exige a decisão. Quando toma antes, é precipitado. Quando toma depois, é retardado.

Uma aliança com ACM Neto está descartada?
Não vejo possibilidade de uma aliança com ele. Foi um bom prefeito (de Salvador), mas quero ficar no meu grupo. Não dá para sair dele. Mesmo quando temos interesses contrariados, a gente continua. Me dou bem com o senador Jaques Wagner, com Rui Costa (governador da Bahia) e não vou me colocar contra. Além disso, o DEM diminuiu muito com a saída do Eduardo Paes, do próprio Rodrigo Maia. Pode ser que saiam outras lideranças. Em nível nacional, isso pesa.

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