Pedro Ladeira/FolhapressPazuello na CPI: mentiras e a arrogância de sempre

Festival de mentiras

Eduardo Pazuello e Ernesto Araújo tentam blindar Bolsonaro na CPI e distorcem a realidade para minimizar a inépcia do governo no combate à pandemia
21.05.21

A prática de falsear a verdade não é inédita em uma comissão parlamentar de inquérito. Marcos Valério, o operador do mensalão, por exemplo, mentiu sem corar a face à CPI dos Correios no já longínquo 2005. Na CPI da Covid, o velho roteiro se repete, com a diferença de que, agora, os depoentes tentam negar fatos que não dependem de quebras de sigilo ou da descoberta de contas no exterior, mas são visíveis a olho nu por dezenas de milhões de brasileiros engolfados, de diferentes maneiras, pela tragédia da pandemia do coronavírus. Nesta semana, o plenário da comissão foi transformado em palco para lorotas de diferentes grandezas pronunciadas por dois personagens que, até recentemente, ocupavam postos importantes no governo.

Em uma clara tentativa de blindar o presidente Jair Bolsonaro, o ex-chanceler Ernesto Araújo e o ex-titular da Saúde Eduardo Pazuello desfiaram mentiras diante da comissão de inquérito. Ernesto, o primeiro a depor, teve o desplante de dizer que jamais desferiu ataques à China, quando são fartas as provas, os vídeos e os tuítes em contrário. Na verdade, com aval de Bolsonaro, sua gestão à frente do Itamaraty foi marcada pela tensão contínua com os chineses, o que interferiu diretamente na intrincada negociação de insumos para fabricar, por aqui, vacinas contra o coronavírus.

Eduardo Pazuello usou e abusou do expediente. Ele chegou à CPI protegido por um habeas corpus assinado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, que até lhe dava o direito de não se autoincriminar, mas não era um salvo-conduto para mentir. Funcionou como se fosse, porém. O general da ativa contornou a verdade sobre fatos públicos e notórios. No primeiro dos dois dias em que prestou depoimento, sem farda e com uma gravata idêntica à que Lula costumava usar, com as cores da bandeira, o ex-ministro não se constrangeu em afirmar, por exemplo, que não agia a partir de ordens do presidente da República.

Foto: Jefferson Rudy/Agência SenadoFoto: Jefferson Rudy/Agência SenadoO presidente da CPI, Omar Aziz: quebra de sigilo do general está nos planos
Ao longo do depoimento, o militar teoricamente especialista em logística mostrou por que foi a pessoa errada no lugar errado no momento errado. Deixou evidente que não conhece quase nada de Saúde e que, além disso, não tinha nem sequer preparo administrativo para assumir uma área tão sensível em meio a uma trágica crise sanitária.

Enquanto os senadores queriam saber detalhes sobre a sabotagem oficial à negociação de vacinas, sobre a negligência em relação ao colapso em Manaus e sobre a a tentativa de empurrar cloroquina para a população, o ex-ministro tentava pintar um quadro róseo. Por razões óbvias, a estratégia, treinada dias antes diante de um pequeno batalhão de assessores de comunicação que tentaram ensiná-lo a falar sem se comprometer, não funcionou. Restou praticamente uma admissão de culpa – e o general ainda implicou o presidente.

Por exemplo, a famosa cena do “um manda, o outro obedece”, na versão de Pazuello, seria uma demonstração de que o Jair Bolsonaro da internet é um e o que governa é outro. Ou seja, para eximi-lo de toda a culpa, o ex-ministro descreveu um presidente que não manda em nada, não sabe de nada e cuja atividade só se resume lançar bravatas nas redes sociais. Uma narrativa que, evidentemente, não para em pé. Mesmo que fosse verdade, Bolsonaro de qualquer jeito poderia ser enquadrado por completa omissão durante a pandemia.

Na quinta-feira, 20, Pazuello voltou a falhar em sua tentativa de blindar Bolsonaro: meio sem querer, afirmou que o presidente estava na reunião em que o governo decidiu que não haveria intervenção federal na área de saúde do Amazonas, no início do ano, diante da crise da falta de oxigênio. Ao fim e ao cabo, a missão do general na CPI, assim como sua missão no ministério, fracassou miseravelmente. O governo até tentou disseminar, com o apoio de sua falange nas redes sociais, a tese de que o depoimento constituiu uma vitória para o Planalto. Uma balela em cima das balelas do ex-ministro: com o progresso das investigações, os desacertos do governo e as responsabilidades do presidente vão ficando cada vez mais explícitas.

Leopoldo Silva/Agência SenadoLeopoldo Silva/Agência SenadoErnesto negou que tenha arrumado confusão com a China
Senadores de oposição confiam na quebra dos sigilos do general para desconstruir as versões fantasiosas apresentadas por ele. Os parlamentares querem verificar as comunicações telefônicas e telemáticas de Pazuello, sobretudo nas datas de anúncios estratégicos e de grande repercussão no ministério, como o dia 22 de maio de 2020.

Naquela quarta-feira, após forte pressão pública de Bolsonaro, a pasta divulgou o polêmico protocolo de prescrição de hidroxicloroquina até para pacientes com sintomas leves de Covid. Nos bastidores, senadores apostam que será possível provar que houve, sim, interferência direta do Planalto na definição de políticas públicas absurdas. O requerimento ainda não foi aprovado, mas já há maioria formada para isso.

Outro passo será cotejar as contradições de Ernesto e Pazuello com as declarações de outros depoentes, como o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten e do gerente da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo. O presidente da comissão de inquérito, Omar Aziz, e o relator, Renan Calheiros, planejam fazer acareações. Com as testemunhas frente a frente, entendem os integrantes da CPI, será fácil desmascarar quem resolveu apostar na mentira.

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