RuyGoiaba

Eichmann no Eixão

21.05.21

No momento em que escrevo, Alessandro Vieira acaba de confirmar a Lei de Godwin na CPI da Covid, comparando Eduardo Pazuello a Adolf Eichmann — o criminoso nazista que, em seu julgamento, alegou estar só “cumprindo ordens”. Já que é assim, resolvi dar uma de Hannah Arendt neste texto e publicar minhas notas sobre a bananalidade do mal (não reclamem, vocês aí: Goiabarendt é precisamente o que um país como o Bananão merece). Quem sabe as notas virem um livro chamado “Eichmann no Eixão”. Ou uma chanchada. Ou não virem nada, o que é mais provável: “crime ocorre, nada acontece, feijoada” continua sendo a frase mais definidora da brasilidade, o que a CPI só tem comprovado.

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É proibido mentir na CPI da Covid, mas se quiser pode.

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De um amigo: “A mentira tem perna curta e não tem pescoço”. Aliás, vale uma investigação sobre os militares sem pescoço no Exército brasileiro, tradição que remonta pelo menos a Castello Branco e é ainda mais antiga que o miliquismo de sunga. Em alguma medida, isso deve explicar também a falta de espinha dorsal.

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Angelo Coronel teve de esclarecer ao suposto colega de farda que “coronel” no caso dele é sobrenome, não patente. E fez uma boa pergunta a Pazuello: “Pelo que entendi do seu depoimento até agora, general, Vossa Senhoria não era responsável pela compra de oxigênio para o Amazonas, não poderia receber empresas para negociar vacinas, não foi responsável por colocar o TrateCov no ar e não recebia demandas do presidente da República no que diz respeito à pandemia. Eu queria saber, estou curioso: qual era a sua função, exatamente?”.

É óbvio: Pazuello estava lá para enfeitar o ministério com seus belos olhos, seu sotaque agradável e sua falta de pescoço. E para exercitar “jargão militar para a internet” (“um manda, o outro obedece”) com o Imbecil Lombrosiano da chefia.

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É divertido, claro, ver tigrões de internet, como Fabio Wajngarten e o 4-chanceler Ernesto Araújo, se transformarem em tchuchucas diante dos senadores da comissão — embora seja basicamente a norma nesse governo de animais que ladram e não mordem. Até Pazuello, que manteve a arrogância habitual durante as perguntas, virou Paulão Desmaio (zagueiro são-paulino de nada saudosa memória) longe das câmeras. Imagine se houvesse risco de alguém ser preso.

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Alguns shows performáticos na CPI da Covid têm sido bastante aplaudidos nas redes sociais, que transformam tudo em reality show e a-mam lacração: Kátia “Motosserra” Abreu contra Ernesto foi o melhor exemplo. Humberto Costa, no primeiro dia de depoimento do ex-ministro da Saúde, também fez discursinho indignado (“peça desculpas ao povo brasileiro!”) para concluir dizendo que não tinha nada a perguntar a Pazuzu. Perguntas incisivas para pôr os depoentes contra a parede e, quem sabe, fazer com que se incriminem? Ah, não. Vai que os senadores são obrigados a algo concreto, do tipo prender culpados e afastar presidente do poder, né? Coisa desagradável, ninguém quer isso, 2022 é logo ali.

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Meu eu da 5ª série B tem muitas perguntas a fazer nessa CPI, mas infelizmente elas não serão feitas, tampouco respondidas: “General, o sr. sabia que todo veado é surdo?” (Idealmente perguntada na velocidade daquele “o Ministério da Saúde adverte” dos anúncios de remédio e respondida por um “quê?”.) “Falando em dados sobre a Covid, Vossa Senhoria tem dado em casa? Conhece aquele negão que tem posto atrás do Ministério da Saúde? Se distribuir 40 comprimidos de cloroquina num churrasco lá no Alvorada, dá pra 20 comer? Que time é teu?”

Meu eu da 5ª série B seria um inquisidor bem melhor que Humberto Costa.

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Alessandro Vieira, citado no início deste texto, escreveu: “É preciso evitar o risco de a CPI virar uma Escolinha do Professor Omar [Aziz], com direito a Ronaldo Lero, mas sem graça”. Como assim “evitar o risco”? É evidente que já virou: no Brasil tudo se converte em chanchada, o ônibus circular deste país vai da barbárie à decadência e não passa nem perto da civilização etc. É um mashup de Escolinha do Professor Raimundo com Trapalhões, e os palhaços semo nóis.

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Houvesse um troféu de melhor ato falho, eu o concederia a Pazuello dizendo “’tamos aí entrando com uma nova cepa”. O esforço desse governo a favor da Covid tem de ser reconhecido.  Missão [mais de 440 mil mortos] cumprida.

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A GOIABICE DA SEMANA

Inteligência artificial é um negócio fascinante — o único problema é que ela é meio burra às veiz. Faz não muito tempo, apareceram exemplos da BIA, a inteligência artificial do Bradesco programada para reagir a casos de assédio, dando respostas indignadas a usuários de sobrenome “Pinto”; mais recentemente, O Globo fez uma reportagem sobre restaurantes do Rio que estavam tendo seus cardápios censurados pela lista de “palavras proibidas” do iFood e não podiam oferecer mais batatas ao murro ou punheta de bacalhau.

Desse jeito, é melhor continuarmos recorrendo apenas à burrice natural.

Gretchen em anúncio do iFood; ela deve ser contra censurar punheta de bacalhau

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