A conta é maior
Na semana passada, Crusoé revelou qual foi o destino de uma parte do orçamento bilionário usado pelo governo de Jair Bolsonaro para comprar apoio no Congresso Nacional. Em vários casos, a verba que deputados e senadores enviaram para suas bases eleitorais foi parar em empresas de aliados e familiares desses mesmos políticos. Já se sabia que só por meio do Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho, um dos ministros mais próximos do presidente da República, foram distribuídos 3 bilhões de reais. Mas a cifra total usada pelo governo para angariar apoio entre os congressistas vai além desse valor e, seguindo a mesma lógica, foi escoada também a partir de outras pastas, como o Ministério do Turismo e o Ministério da Agricultura.
A partir de um mapeamento minucioso do percurso do dinheiro, foi possível constatar que pelo menos mais 850 milhões de reais passaram pelos caixas do Turismo e da Agricultura e, depois, irrigaram projetos indicados por parlamentares aliados. Com um detalhe importante: a dinheirama foi liberada nos últimos dias do ano passado, às vésperas das eleições da Câmara e do Senado, em que o governo se moveu freneticamente para eleger Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.
Líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, do Progressistas, publicou um vídeo em suas redes sociais em que anunciou ter obtido um repasse de 25 milhões de reais em verbas federais para a construção de um centro de eventos em Maringá, no Paraná. “Tenho o privilégio de ter conquistado os recursos para que nós possamos construir essa importante obra”, anunciou. A mãozinha de Barros alçou o município que ele próprio já comandou à terceira colocação no ranking de repasses do Ministério do Turismo. Um parecer técnico sobre a liberação da verba obtido por Crusoé mostra que o dinheiro tem como origem recursos da chamada emenda de relator, que abasteceu o orçamento paralelo usado pelo Planalto para agradar os aliados.
O líder do governo no Senado mandou dinheiro, ainda, para outros municípios. Para Caruaru, no agreste de Pernambuco, foram 29 milhões de reais por meio do Ministério do Turismo, chefiado por Gilson Machado, conhecido como o “Sanfoneiro de Bolsonaro”. O mecanismo é exatamente igual ao que foi usado no MDR: o governo libera a verba e os políticos contemplados indicam para onde ela deve ser destinada, a partir de um sistema que passa ao largo dos mecanismos tradicionais das emendas parlamentares – no caso do orçamento paralelo, a destinação é feita sob medida que considera o nível de lealdade dos parlamentares.
Campeã de repasses do orçamento paralelo do Ministério do Desenvolvimento Regional, o município cearense de Tauá, de apenas 60 mil habitantes, figura entre os líderes de repasses também do Ministério da Agricultura, de Tereza Cristina. Foram 10 milhões de reais. A verba é mais alta do que a recebida por grandes polos agrícolas do país. Os recursos chegaram ao município pelas mãos do próprio relator do orçamento, o deputado Domingos Neto, do PSD. Ele vem a ser filho da prefeita da cidade, Patrícia Aguiar, eleita em 2020.
O ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre, do DEM, aparece entre os contemplados com as liberações do Ministério do Turismo. Por meio dos recursos extraordinários que chegaram à pasta para serem distribuídos a aliados do governo, ele pôde destinar ao Amapá, seu estado de origem, 16 milhões de reais. No parecer da equipe técnica do ministério aparece o registro: o dinheiro está carimbado como proveniente da emenda de relator, em mais uma demonstração de que o expediente foi transformado em um duto para o governo agraciar os parlamentares de sua predileção.
O velho jeitinho aparece de diferentes maneiras na distribuição dos recursos. Por exemplo: nem sempre os municípios que recebem verbas do Turismo estão em regiões com vocação turística. Há casos, porém, em que os parlamentares, em conjunto com prefeitos aliados, fazem uma gambiarra nos documentos para se enquadrar às exigências. E o governo federal, claro, aceita alegremente. Em resposta às perguntas enviadas por Crusoé, o Ministério da Agricultura confirmou que os repasses foram feitos com recursos provenientes da emenda de relator, mas evitou tratar dos parlamentares que foram agraciados e das razões dos repasses. Também procurado, o Ministério do Turismo não respondeu.
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