Igo Estrela/Estadão Conteúdo/AEO candidato do PSL posa em frente ao Planalto em março do ano passado: beneficiário do voto antipetista, ele ampliou a vantagem sobre Fernando Haddad

Todos contra Bolsonaro

O jogo é esse na campanha de primeiro turno, não importam o partido e a ideologia. Será que o capitão vai resistir aos ataques, com um tempo de propaganda de TV tão exíguo? Se ele conseguir sobreviver, já terá uma cumprido uma façanha que não se verifica desde 1989
17.08.18

Jair Bolsonaro é um raro fenômeno eleitoral. Não tem partido forte, capilaridade ou tempo de TV, nem experiência administrativa em governos para mostrar. Nunca participou de uma eleição majoritária e exibe alto índice de rejeição. A grande imprensa o detesta porque é de direita e desfere coronhadas no politicamente correto (o amor é recíproco). Ainda assim, ele é impelido por um discurso que, divulgado profusamente pelas redes sociais, agrada em cheio uma parte da população que está saturada de tudo-isso-que-está-aí. Com as condições precárias da sua campanha, Bolsonaro lidera todos os cenários para o primeiro turno da eleição presidencial, com Lula fora do páreo, apesar do teatrinho do PT. É hoje o favorito para ir ao segundo turno. Os políticos tradicionais lutam pela outra vaga. O jogo que já está em andamento é para tirar votos de Bolsonaro, principalmente, e a aposta é de que a candidatura do deputado perderá fôlego a partir do início oficial da campanha.

Bolsonaro performa bem em pesquisas de intenção de voto há pelo menos 15 meses, mas os políticos não davam muita bola para isso. Achavam que esse desempenho era apenas momentâneo, fruto de uma indignação do eleitor que minguaria como as manifestações de rua em prol da Lava Jato. Pois bem, o esperado não ocorreu até aqui, e os concorrentes correm contra o tempo para, em menos de dois meses, fazer com que a campanha na TV e nas ruas seja suficiente para tirar votos do candidato do nanico PSL – mesmo que ele continue com força suficiente para seguir ao segundo turno, auxiliado pelo não-candidato Sr. Ninguém, o preferido do enorme número de eleitores que declaram que vão se abster, votar  branco ou nulo. Se nas últimas eleições os brasileiros sempre depararam com a hegemonia de PT e PSDB, o jogo atual é diferente: todos contra Bolsonaro.

Nessa disputa, Geraldo Alckmin é o que mais conta com a possibilidade de conquistar votos de simpatizantes moderados de Bolsonaro (sim, existem) – aqueles que orbitam em torno do nome do capitão da reserva do Exército, mas ainda podem mudar de lado. O primeiro passo de Alckmin foi escolher a senadora gaúcha Ana Amélia, do PP. Ela é de direita, do Sul (onde o militar vai bem) e tem forte discurso contra a corrupção. A avaliação do PSDB é que parte da dificuldade eleitoral de Alckmin até aqui deve-se ao fato de que o partido perdeu uma parcela de seu eleitorado mais à direita. Era um público que nas últimas eleições votava no PSDB, mas que passou a flertar com Bolsonaro desde que Aécio Neves foi parar na Lava Jato. E é aí que entra Ana Amélia. A ideia é explorar a defesa que a parlamentar sempre fez da operação. Ela, é verdade, pediu votos para Aécio em 2014. No Senado, porém, votou em 2017 a favor do seu afastamento. Ana Amélia também reforça a imagem de anti-Lula que Alckmin quer projetar. Esse público de “ex-tucanos” é o foco de Alckmin. Ele sabe que sua capacidade de desmobilizar o eleitor aguerrido de Bolsonaro é limitada.

Com tempo de sobra na TV, o PSDB irá atacar o candidato do PSL nas inserções diárias, espalhadas pela programação. A ofensiva na TV será relativamente light, de modo a evitar direito de resposta – o que seria precioso para Bolsonaro, cujo espaço na programação é pífio. “O raciocínio central é: o Brasil precisa de mais radicalismo, instabilidade e inexperiência? Bolsonaro nunca administrou nada e tem posições muito radicais. Ele aponta para a permanência da instabilidade”, diz o secretário-geral do PSDB, deputado Marcus Pestana. O plano anti-Bolsonaro foi discutido em uma reunião interna do partido, na última terça-feira, 14, em Brasília. Alckmin, que estava presente, autorizou a estratégia de atacá-lo, desde que não fosse ofensivo e não o envolvesse diretamente — ele se lembra bem como a sua atitude agressiva no debate com Lula, em 2006, ajudou a que tivesse menos votos no segundo turno do que no primeiro. A equipe do presidenciável apresentou números expressivos: mil colaboradores voluntários, compromissados e treinados para atuar na internet de acordo com o comando da campanha.

ReproduçãoDivulgação/Ana AméliaAna Amélia, entre Alckmin e sua esposa, Lu: a senadora foi escolhida pelo tucano para ser o contraponto a Bolsonaro
Um dos eixos do programa de Alckmin se coaduna explicitamente com o plano para tirar votos de Bolsonaro: “O Brasil da indignação”. O problema é que o alvo da indignação é, além do PT, o Centrão aliado do tucano. O projeto de governo do PSDB, vale dizer, ainda é apenas um pacote de generalidades, resumido em nove páginas. Mas já está claro que vai enfatizar a necessidade de lutar contra a criminalidade, um dos pontos de maior apelo entre os simpatizantes do candidato do PSL. Alckmin promete a criação de uma nova polícia federal, de caráter militar, para atuar em todo o país sob o nome de “Guarda Nacional” – muito embora ainda não tenha dito como conseguirá dinheiro para isso. E bate na tecla de que o estado de São Paulo, sob o seu governo, experimentou uma queda significativa no número de homicídios.

A crer nas pesquisas de intenções de voto, quem está no mesmo patamar de Bolsonaro é Marina Silva. Ex-petista, ela costuma ser alvo de chacotas dos seguidores do deputado. É chamada de “melancia” – verde por fora, vermelha por dentro. A despeito da metáfora frutífera, há pontos em comum entre os dois: aquele senhor que costuma ser representado com barba branca e que tudo sabe e tudo vê. Bolsonaro tem como lema “Deus acima de todos”. Marina é a única candidata relevante que é evangélica – e que cultiva o hábito de consultar a Bíblia em momentos decisivos. Marina divide ainda outra parcela dos eleitores de Bolsonaro. Mais especificamente, empresários endinheirados e operadores do mercado financeiro. Trata-se de um público que obviamente não tem uma grande quantidade de votos, e sim bastante influência, capacidade de arrecadação — e que pode tornar a vida de um candidato bem mais tranquila se não apostar contra ele na Bolsa e no mercado de câmbio. Para cativar esse público seleto, Bolsonaro escalou o economista Paulo Guedes, um dos fundadores do Banco Pactual e anunciado como futuro super-ministro de um eventual governo. Marina segue o mesmo roteiro. Ela tem a seu lado André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real, e Eduardo Giannetti, que foi professor na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Em abril, durante um evento em São Paulo com empresários do setor imobiliário, Giannetti disse que a relação do deputado com Guedes e a recém-conversão do capitão ao liberalismo econômico eram uma enganação. Isso porque, na visão do marineiro, eles têm posições antagônicas sobre a economia: o capitão da reserva é nacionalista-intervencionista e seu guru econômico é extremamente liberal. Até na política externa Marina tem um discurso pronto para esses eleitores: mais negócios, menos ideologia. Igualzinho a Bolsonaro, tirando a eloquência do capitão contra o Foro de São Paulo.

Assim como Marina, o pedetista Ciro Gomes está à esquerda de Bolsonaro, mas nem por isso descarta tirar votos dele. Os dois compartilham de pecha idêntica: o destempero (ou espontaneidade, a depender do ponto de vista).  A campanha do PDT quer vendê-lo como “o cara que entende de economia”, repisando que ele foi ministro da Fazenda. Ciro, dessa forma, pretende explorar o maior calcanhar de Aquiles de Bolsonaro: em um país com 13 milhões de desempregados, diz que não entende de economia. Na área de segurança, embora seja contra a facilitação do porte de armas, ele passou a prometer mais equipamentos para as forças da ordem e a criação de uma polícia de fronteiras. “O que tem feito Ciro crescer, devagar mas consistentemente, é mostrar a experiência administrativa dele, que é o que falta ao Bolsonaro. Ele nunca teve experiência em nada. Nunca foi executivo, nunca foi prefeito, nunca foi administrador, nunca foi secretário”, diz o presidente do PDT, Carlos Lupi, deixando de lado que, ao contrário do seu candidato, Bolsonaro também nunca prometeu tirar os brasileiros endividados do SPC. Seja como for, as últimas três pesquisas qualitativas encomendadas pelo comitê de campanha mostram que a rejeição a Bolsonaro tem aumentado continuamente, ao passo que a aprovação não cresce. O PDT acredita que é questão de tempo até ele cair nas pesquisas. Os demais partidos idem. Todos adorariam ter o capitão como oponente no segundo turno, porque acham que seria fácil vencer o que chamam de radical de direita na reta final.

Marcelo Camargo/Agência BrasilMarcelo Camargo/Agência BrasilCiro e a vice Kátia Abreu: aposta que o militar perderá votos pela falta de experiência
Nesse jogo para tirar votos de Bolsonaro no primeiro turno e viabilizar a chegada no segundo, o senador Alvaro Dias, do Podemos, não tem estrutura, nem tempo de TV e vai muito mal nas pesquisas. Corre por fora na disputa. Mas sempre foi da ala mais refratária a Lula, não importa o partido em que estivesse. Tal qual Bolsonaro, repete à exaustão o seu apoio à Lava Jato, incluindo a promessa de convidar o juiz Sergio Moro para ser ministro da Justiça. Alvaro Dias bate na tecla de que ele, sim, é o candidato anti-Lula, com a vantagem de ter experiência administrativa. Tem na ponta da língua a afirmação de que foi um governador bem avaliado no Paraná – ainda que 30 anos atrás. Alvaro Dias conta com esse repertório para tentar crescer nas urnas e Alckmin e Marina contam com Alvaro Dias para corroer o cacife bolsonarista no Sul.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéAlvaro Dias: ele quer ser o candidato anti-PT
Diante do cenário, o PT fechou o plano de, num primeiro momento, esquivar-se de Bolsonaro. Imerso nas próprias crises com a prisão de Lula, o partido representa a antítese do militar e não espera ter votos entre os simpatizantes do deputado. O objetivo é lutar para garantir a transferência de votos de Lula, de dentro da prisão, para Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e pouco conhecido no Nordeste, onde o partido vai bem. No PT, a expectativa de uma campanha anti-Bolsonaro, por parte dos demais concorrentes, é tão otimista que já há quem trabalhe com o cenário de Alckmin passar o capitão da reserva do Exército e ir para o segundo turno juntamente com o poste lulista. O dado curioso é que, se o PT não espera ter votos entre os bolsonaristas, Bolsonaro pode ter eleitores entre uma parte dos lulistas desencantados com postes, como mostram pesquisas recentes.

O presidente do Paraná Pesquisas, Murilo Hidalgo, estima que o horário eleitoral gratuito será decisivo. “É difícil construir uma candidatura na televisão. Mas destruir é fácil. E no caso específico de Bolsonaro, a TV terá força para destruir, porque ele não terá tempo de defesa à altura do tempo de ataque que sofrerá”, afirma ele. Hidalgo avalia que os adversários utilizarão esse espaço para desconstruir Bolsonaro muito mais em questões pessoais do que em relação ao programa de governo. “Como não há grandes diferenças nas propostas, a estratégia dos adversários será desidratá-lo por meio de ataques ao indivíduo”, diz.

Resta saber se as redes sociais terão força para conter a destruição que será promovida na TV. Lucas de Aragão, cientista político da Arko Advice, opina que não. Ele diz que parte do sucesso de Bolsonaro deve-se ao fato de que, até aqui, a campanha foi exclusivamente digital – onde o deputado nadou de braçada, sozinho. Agora se inicia uma nova fase, analógica. “Mais da metade do eleitorado está em cidades com menos de 200 mil habitantes e nelas ter estrutura e gente é fundamental. A história nos mostra que estruturas partidárias, prefeituras, capilaridade e tempo de TV dão resultado”, afirma Aragão.

Ou seja, uma tormenta se avizinha de Bolsonaro. E ele não tem ilusões a respeito. A estratégia é focar no eleitor fiel, porque ele e o seu entourage calculam que, apenas com público mais aguerrido, já tem votos suficientes para ir ao segundo turno. Seria uma espécie de plano Rocky Balboa: o boxeador protagonizado por Sylvester Stallone que dizia que, para vencer, é preciso saber apanhar e tentar continuar no ringue. A escolha do general Mourão como candidato a vice é o sinal mais evidente da prioridade aos apoiadores mais conservadores. Bolsonaro, contudo, não pretende partir para o confronto pessoal, como ficou claro no debate da Bandeirantes. Até porque não tem tempo de propaganda de TV suficiente. Para tanto, ele dispōe de um grande e eficiente exército à disposição nas redes sociais.

Se os programas de TV e os palanques regionais continuam essenciais para o êxito de uma campanha, a internet será um campo de batalha mais importante do que nunca nestas eleições. A própria dimensão assumida por Bolsonaro é prova disso. Os brasileiros estão ligadíssimos nas redes sociais, terreno propício para os candidatos jogarem lama uns nos outros, inclusive de forma indireta. Em 2014, 95 milhões de cidadãos tinham acesso à internet. Hoje, são 121 milhões — e, para a esmagadora maioria, internet é sinônimo de Facebook, Instagram e Twitter. No mundo digital, a campanha explícita já começou faz meses. Em junho, por exemplo, Bolsonaro acionou o Tribunal Superior Eleitoral, porque Alckmin sugeriu nas redes que eleitores fizessem uma busca por “motivos para votar em Bolsonaro”. O resultado no Google colocava como primeira sugestão um site que dizia: “Não existe nenhum”. O tucano nega ser o criador do site apócrifo. Mas Alckmin já foi direto na internet: acusou Bolsonaro de “sempre” votar na Câmara com o PT — o que causa coceira nos simpatizantes do deputado.

Até a angelical Marina vem usando as redes para alfinetar o general Mourão e enfatizar que Bolsonaro mantinha uma funcionária fantasma paga com dinheiro público. Henrique Meirelles, nome do MDB que se coloca como um equilibrado “candidato da economia e do emprego”, também ataca o capitão na internet. “Não sabe fazer conta”, criticou no Twitter. E um vídeo da campanha do emedebista, tratado feito mulher de malandro pelos caciques do partido, que o consideram “bom de trair”, mostra Bolsonaro como um misógino empedernido. O que candidato do PSL começa a experimentar na internet é do seu próprio veneno. Ele, os seus filhos e seguidores — anônimos ou não — não têm freios nas redes, num estilo semelhante ao de Donald Trump.  “Alckmin, estou aguardando alguém da sua laia me chamar de corrupto”, escreveu Bolsonaro. Marina, por sua vez, “lava suas mãos no politicamente correto” e Ciro Gomes “sabia tudo” o que acontecia nos governos petistas.

Em cada frente, o jogo de todos contra Bolsonaro e de Bolsonaro contra todos está só no começo, mas, como a campanha será a mais curta da história, o fim está tão próximo como o de uma blitzkrieg. Se conseguir sobreviver, o capitão terá cumprido uma façanha que não se verifica desde 1989: ir para o segundo turno sem tempo de TV e a bordo de um partido nanico.

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