Carlos Fernandodos santos lima

Bolsolão e a prostituição política

14.05.21

Mensalão, petrolão e agora o bolsolão. Seja o governo, a orientação ideológica, o que se constata é que a governabilidade no Brasil só existe mediante pagamento. Como caríssimas prostitutas – e quero pedir desculpas a essa antiga profissão por usá-las nessa metáfora –, boa parte da classe política permite o seu desfrute por quem governa ou precisa de seus favores, desde que haja régia retribuição. Como Ronald Reagan dizia, a política, segunda profissão mais antiga, guarda muita semelhança com a primeira.

Esse novo escândalo, sobre os 3 bilhões de reais em orçamento secreto para compras superfaturadas a fim de atender interesses de políticos da base governista e garantir apoio parlamentar, a manchar o suposto “bom nome” do governo Bolsonaro, só revela algo que quem participou da operação Lava Jato já dizia havia tempo: vivemos em um sistema político intrinsecamente corrupto, em que maiorias no Congresso Nacional – e isso se repete nos legislativos estaduais e municipais – são simplesmente compradas. Vale a pena relembrar a emblemática delação de Pedro Corrêa, relatando a compra de parlamentares para a reeleição de Fernando Henrique Cardoso.

Entretanto, com a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao poder houve a “bordelização” definitiva da nossa política. Aquilo que era feito às escuras, caso a caso, em becos de estatais e órgãos públicos, passou ao feérico e ostentoso show de striptease coletivo em que os políticos do chamado Centrão e seus periféricos não estão mais apenas interessados em vender uma noite, mas sim de encontrar um “sugar daddy”, um patrocinador que lhes garanta uma troca de favores mais estável.

Assim, a maioria dos partidos políticos transformou-se em casas da luz vermelha dessas relações monetário-carnais entre governo, empresários e parlamentares. Aquela idealização da política como o espaço sagrado da busca do interesse público virou na realidade um ambiente sórdido e vicioso, comandado por alguns proxenetas donos desses estabelecimentos, conhecidos na política como “caciques”, que se apropriam de boa parte dos pagamentos de suas protegidas para a manutenção do poder.

Em troca desse agrado, assim como no sexo, 1.001 desejos são oferecidos. Conhecedores de todas as posições do Kama Sutra político, parlamentares se contorcem para satisfazer a lascívia de empresários poderosos e dos governantes de plantão. Prometendo-lhes amor eterno, entregam-se com os olhos no relógio, esperando o próximo cliente. Tudo aquilo que podem é vendido: emendas parlamentares, medidas provisórias, projetos megalomaníacos, emendas constitucionais, entregando-se sem pudor ao amante de plantão.

De tempos em tempos, contudo, esses relacionamentos vêm à tona e chocam a sociedade, uma senhora puritana que prefere sentar-se confortavelmente na frente de sua TV para amortecer sua consciência, pedindo para a polícia e o Ministério Público acabarem com essa “pouca vergonha”. Até mesmo alguns parlamentares de partidos de oposição vão à imprensa divulgar que pretendem pedir ao Ministério Público a investigação desses fatos, como se todos não soubessem que se trata apenas de uma guerra de cafetinas para ver quem destrói antes o bordel da outra.

Nessa hora aparecem também os falsos moralistas a fazer campanha a favor do bordel que lhes é mais simpático, onde às vezes, num final de noite, conseguem um pequeno favor gratuito. Gratos pelas sobras da festa, escrevem furiosamente uns contra os outros, levantando-se contra a podridão moral do governo atual, preferindo esquecer completamente que seus padrinhos no passado pagaram pelos mesmos serviços que hoje chamam de obscenos.

Mas há pessoas que ainda ruborizam diante de tudo que acontece? Será que toda democracia está fadada a se corromper? A corrupção dos ideais democráticos e republicanos precede a corrupção política. Naquele momento em que a classe política trai seus eleitores, a corrupção se instalou, sendo apenas questão de tempo para que todo pudor desapareça.

Bolsonaro é só mais um desses hipócritas despudorados. Antes de chegar à Presidência, incapaz de ser aceito nos prostíbulos mais finos, acostumou-se com a pequena prostituição da rachadinha nos gabinetes da família. Agora poderoso, é pego nu em meio a uma conjunção sexo-monetária ilícita, em uma orgia multitudinária de interesses privados e dinheiro público, tudo para garantir o seu poder até o fim de 2022. Apesar da nudez repugnante dos participantes desse bacanal, Bolsonaro vai fazer como Lula, seu espelho, pego duas vezes na mesma libertinagem coletiva, e colocar nossos olhos e ouvidos em dúvida. Afinal, tudo hoje não passa de uma guerra de versões em que a verdade é o que menos importa.

De qualquer modo, todos vão garantir que a ética não prevaleça, que as leis não sejam aplicadas e que a Constituição seja letra morta. É melhor garantir que aquela velha senhora não saia de seu torpor e perceba o que acontece, levantando-se do seu conforto para manifestar sua indignação. Para que temperança, pensam nossos políticos, se podemos nos entregar à devassidão dos poderosos? Lutamos muito para chegar aqui, dizem. Pudor é coisa de pequeno-burguês: nosso roubo é santo porque fazemos o bem. Acabemos com o Ministério Público, com a polícia e com juízes independentes, esses empatam-foda, esses estragam-prazeres.

Acordemos enquanto há tempo! Esses políticos nada mais são do que devassos velhacos que deveríamos enxotar da vida pública, dessa despudorada festa, dessa libertinagem a que chamamos de política. Precisamos substituí-los por homens e mulheres íntegros, mesmo que não santos, capazes de um diálogo desinteressado e de buscarem a composição dos diversos interesses em favor da população. Para isso, pelo menos, é necessária uma reforma política urgente, capaz de trazer democracia e transparência para os partidos e ideias e proposições para campanhas políticas espartanas.

Infelizmente essa reforma somente acontecerá se a sociedade constranger os donos de bordel, pois são eles que controlam o parlamento, a aceitar que o sistema atual deve acabar e de que novos tempos chegaram. Nenhuma democracia sobrevive a esse alto meretrício político. Alguns hão de rir dessa ideia, dizendo que falar de honestidade para políticos é como pedir virgindade para prostitutas, mas o dia em que acreditar na mudança e na existência de honestidade e probidade realmente for motivo de riso será o dia em que nossa democracia e vergonha deixaram de existir.

P.S. Apesar da metáfora, há uma diferença muito grande entre as prostitutas e esses políticos. As primeiras são muitas vezes levadas pelas circunstâncias da vida para essa profissão e, de qualquer modo, entregam livre e legalmente apenas o que é delas. Já os segundos…

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