DiogoMainardina ilha do desespero

A volta da anta

14.05.21

Lula está eleito, segundo o Datafolha. A volta da minha anta, depois de uma breve passagem pela cadeia, escancara meu fracasso. Não se engane, porém. Nunca pensei em Lula fora do expediente. Eu não tinha interesse pessoal por ele em 2007, quando publiquei Lula é Minha Anta, e tenho ainda menos interesse pessoal por ele agora, ao me deparar com seu cadáver putrefato. O fracasso, portanto, não é só meu: é de todos nós. É o fracasso do Brasil em domar seus impulsos mais animalescos, seus arroubos mais bestiais. Eu fracassei, nós fracassamos.

Na semana passada, tive de folhear Lula é Minha Anta. Enquanto eu escrevia o livro, catorze anos atrás, Lula e seus comparsas estavam negociando com empreiteiros as planilhas de propina que, na década seguinte, seriam reveladas pela Lava Jato. Na época, eu ignorava esses fatos, mas os vestígios dos crimes estão espalhados da primeira à última página do livro. Mais do que por seus aspectos policiais, no entanto, Lula é Minha Anta ainda vale como uma espécie de relato antropológico. É igual a uma visita a Pedra Bonita. Eu não sou Euclides da Cunha, claro, mas descrevo uma sociedade ancestral que parecia extinta, e que voltou a nos assombrar, porque é atávica: somos incapazes de nos livrar dela.

Depois que publiquei o livro, Lula conseguiu eleger duas vezes Dilma Rousseff, sempre com aquele dinheiro de propina dos empreiteiros. Ele foi preso por causa disso, mas preparou o terreno para o triunfo de Jair Bolsonaro, seu verdadeiro poste, que cumpriu a missão de perseguir Sergio Moro e aniquilar a Lava Jato, aliando-se aos ministros do STF que anularam todos os seus processos. Agora Lula está pronto para voltar: mais velho, mais obsoleto, mais deteriorado, mais emporcalhado. Minha anta está morta, mas ainda caminha. Não adianta capturá-la, porque ela já infectou cada um de nós.

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