Reprodução/redes sociaisJair Renan com Allan Lucena: o "sonho" da dupla virou pesadelo

O assessor do 04

Quem é Allan Lucena, o ex-personal trainer que ganhou a missão de captar parceiros para os negócios de Jair Renan Bolsonaro
02.04.21

No dia 16 de março, o personal trainer Allan Lucena, que se apresenta como “assessor” de Jair Renan Bolsonaro, filho 04 do presidente da República, registrou uma queixa na Polícia Civil de Brasília porque estava sendo seguido por um “desconhecido”. Lucena fez questão de registrar o boletim de ocorrência depois de notar que estava sendo filmado pelo tal desconhecido na garagem do prédio onde mora, em um bairro próximo à região central de Brasília. Só depois de os policiais chegarem ao local, o homem se identificou. Era Luiz Felipe Barros Félix, um policial federal. O agente disse aos PMs que não estava seguindo o personal trainer, mas esperando uma garota de programa. Não colou. Atualmente, Barros Félix não atua em investigações da PF. Ele está cedido à Presidência da República. Juntando todas as pontas, a cena que virou caso de polícia é um tanto intrigante: um agente a serviço do Planalto estava vigiando um parceiro de negócios do filho do presidente. As razões da arapongagem até hoje não foram esclarecidas.

Allan Lucena, o alvo da vigilância e autor da queixa, é peça essencial para entender os negócios de Jair Renan, que agora são alvo de uma investigação formal. Além de ter ajudado a fundar a Bolsonaro Jr Eventos e Mídia, o personal trainer intermediou a aproximação do filho do presidente com executivos que têm interesse em negócios com o governo federal. A relação, que rendeu presentes caros ao 04 e acesso privilegiado dos empresários ao governo, está na mira da PF e do Ministério Público Federal.

Na semana passada, Crusoé mostrou que o agente Félix não é um qualquer. Ele integrou a equipe de segurança de Jair Bolsonaro durante a campanha de 2018. O grupo de agentes era coordenado pelo delegado da PF Alexandre Ramagem, hoje diretor-geral da Abin, o serviço secreto do governo. Depois das eleições, junto com outros colegas da chamada “Equipe Messias”, Barros Félix foi puxado para a Presidência da República. Sua condição de homem de confiança do núcleo de inteligência do Planalto representa um forte indício de que ele estava em missão oficial quando foi pilhado vigiando o “assessor” do filho do presidente.

Reprodução/InstagramReprodução/InstagramO personal trainer estava sendo seguido por um “espião” do Planalto
Félix estava no banco de trás de um carro estacionado em frente ao de Lucena, apontando a câmera de seu celular para o personal trainer, quando foi descoberto. Lucena desembarcou, bateu à porta do veículo em que estava o agente e pediu explicações. Félix desconversou, pulou para o banco da frente e, depressa, tentou deixar o local. Foi impedido pelo próprio Lucena, que fechou o portão da garagem e, por telefone, pediu que um amigo chamasse a polícia. Ao registrar a queixa, Lucena contou que vinha sendo seguido havia três dias por um “carro preto”. O agente Félix se recusou a prestar depoimento, sob a justificativa de que não cometera crime algum.

Se Lucena achou por bem chamar a polícia porque percebeu que vinha sendo seguido por um estranho, a descoberta de que a vigilância estava sendo feita por alguém a serviço do Palácio do Planalto curiosamente o fez mudar de ideia. Dias após registrar o boletim de ocorrência na Polícia Civil, ele desistiu da queixa. Por alguma razão, não queria que as razões da arapongagem fossem investigadas. A ocorrência acabou arquivada. Pessoas próximas dizem que, hoje, ele já não está mais tão próximo do 04.

Allan Lucena conheceu Jair Renan na condição de personal trainer. Dono de um projeto social que envolve a prática de exercícios na rua, ele começou a levar o filho presidente para treinos a céu aberto. Com o passar do tempo, ficaram amigos e arquitetaram juntos a abertura da empresa de eventos, que passou a funcionar em um camarote do estádio Mané Garrincha, em Brasília. O personal pediu dinheiro ao empresário Luís Felipe Belmonte, vice-presidente da Aliança para o Brasil, o projeto de partido criado sob medida para Jair Bolsonaro, para capitalizar a empresa. Belmonte chegou a dizer que havia doado 10 mil reais para o projeto. Depois que os negócios de Jair Renan passaram a ser objeto de investigação, ele recuou. Disse que topou colaborar, mas não chegou a repassar o dinheiro. Crusoé apurou que Belmonte fez mais pelo projeto do filho do presidente e de Allan. Foi ele quem repassou à dupla o contato de um executivo da concessionária que administra o estádio, onde a empresa acabaria se instalando fisicamente.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéO ministro Rogério Marinho recebeu um empresário parceiro do 04, a pedido do Planalto
Allan Lucena se encarregou de prospectar outras parcerias para o negócio de Jair Renan. Um dos atraídos por ele é o executivo Wellington Leite, dono do Grupo WK, que atua no ramo de seguros de imóveis no Espírito Santo. “Quando estive em Israel fiz uma grande amizade com um brasileiro que é psicólogo do Exército de Israel, mora lá, e me apresentou o Allan (Lucena)”, conta o empresário. Ele diz que, para “apoiar o projeto” de Allan, apresentou o personal a amigos, entre eles os donos do Grupo Gramazini, empresa do setor de mineração especializada em granito que, depois, acabaria doando um carro elétrico avaliado em 90 mil reais para o projeto da dupla.

A doação do veículo foi feita em setembro do ano passado. Dois meses depois, Jair Renan conseguiu articular uma reunião entre os empresários da Gramazini e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. O encontro foi marcado por um assessor especial do gabinete de Jair Bolsonaro. Essa mistura de interesses pode criar um embaraço até para o presidente da República na investigação em curso: afinal, por que a estrutura oficial do governo se moveu para ajudar empresários que se aproximaram do filho do presidente e até deram a ele um presente? Os interesses envolvidos eram de grande monta. Wellington Leite, do Grupo WK, afirma que o encontro foi feito para propor “um projeto semelhante ao Minha Casa, Minha Vida”. “São casas feitas de granito. Porém, só apresentamos a ideia e cabe ao governo avaliar se isso será interessante ou não”, explica. O advogado de Allan Lucena agora diz que ele devolveu o carro aos empresário.

Na inauguração da sede da empresa de Jair Renan no Mané Garrincha, apareciam em destaque os símbolos do Grupo WK e do Moving Our Bodies, o projeto social de Allan  Lucena. A parede do camarote foi decorada com uma pedra de granito rosa da Gramazini. Junto com Jair Renan, Lucena cortou uma fita para simbolizar a abertura do escritório. No evento, ele falou sobre a relação com o 04: É uma emoção estar aqui neste momento realizando o nosso sonho, nosso projeto que começou do nada, com coisas simples… Para provar para a gente, que todos os nossos parceiros… Eu simplesmente passei e ofereci para o Renan como uma forma de gratidão por conhecê-lo e ser amigo dele. Nesse momento, o Renan falou: ‘Cara, você conseguiu algumas coisas pra mim. Que tal você ser meu assessor?’”.

DivulgaçãoDivulgaçãoA sede da Gramazini, no Espírito Santo: presente para o filho do presidente
Antes da parceria com Jair Renan, o personal trainer Allan Lucena era também assessor da Secretaria de Esportes do Governo do Distrito Federal. Foi nomeado no início do governo de  Ibaneis Rocha, até há pouco um dos governadores mais próximos do presidente. Ele tinha como madrinha a deputada federal Celina Leão, do Progressistas, outra figura próxima do estado-maior bolsonarista. A deputada estava entre os convidados da festa de lançamento da empresa de Jair Renan, e até posou para foto com o 04 e seu “assessor”.

Em novembro do ano passado, mesmo mês em que inaugurou a empresa com Jair Renan, Allan Lucena deixou o cargo na Secretaria de Esportes, onde ganhava 3 mil reais, e foi nomeado como subsecretário de Programas e Incentivos Econômicos do governo de Brasília, com salário quatro vezes maior. Em março deste ano, passou a ocupar outro cargo, o de subsecretário de Administração Geral. Três dias depois da confusão com o araponga do Planalto, pediu exoneração. O advogado de Allan Lucena, Luiz Gustavo Pereira da Cunha, diz que a ideia dele, agora, é organizar a própria defesa caso venha a se complicar no inquérito sobre os negócios do 04. A se considerar o papel relevante que exercia, o “assessor”de Jair Renan só escapará da obrigação de dar explicações à Polícia Federal e ao MP se as suspeitas forem varridas para debaixo do tapete.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO