MarioSabino

Feliz aniversário, Mario

02.04.21

Na semana que vem faço aniversário. Já ganhei dois presentes. O primeiro foi a edição turca do meu romance de estreia, O Dia em que Matei meu Pai. Agora são doze os países nos quais o livro foi publicado, afora o Brasil. Foi um presente-surpresa. Embora soubesse obviamente que os direitos do romance haviam sido comprados por uma editora de Ancara (gente muito simpática e atenciosa), eu não sabia que o livro já havia sido publicado. Fui informado via Instagram, rede social no qual dou espiadas de vez em quando via perfil de O Antagonista. Enviei mensagem para a minha agente literária em Londres, responsável pela venda dos direitos para a editora turca, perguntando se ela havia recebido cópias. Em geral, as editoras estrangeiras mandam os exemplares para ela, e ela os expede para mim. “Vão mandar diretamente para você. A situação está confusa na Turquia (como em todo lugar, embora não tão ruim como onde você está), e por isso o serviço de correio foi afetado”, escreveu a Laura Susijn. Perguntei se já havia sido vacinada. Sim, receberá a segunda dose em 30 de maio. Em seguida, fez a ressalva: “Como os britânicos continuam a comportar-se como idiotas, eu não estou certa de que essa saga já terminou”.

Faz quase dez anos que não vejo a Laura. Da última vez, ela estava de passagem por Paris e nos encontramos num café próximo à Gare du Nord, de onde seguiria para Londres, vinda de férias na Itália. É uma holandesa que gosta de montanhas. Logo depois, ela me disse que uma revista do Líbano, Portal 9, encomendara a mim um texto para um número especial sobre o tema “praças”. Como eu morava numa praça, eu a usei como ponto de partida para falar da minha solidão (e, quem sabe, da sua igualmente). A Laura estudou filosofia na França nos anos 1980. Alta como quase toda holandesa, a meninada que lhe era vizinha em Paris a chamava de “Tour Eiffel”. Ela é divertida. Certa feita, também na capital francesa, estávamos numa festa de música e bebidas ruins e a Laura se dirigiu ao garçom pedindo “Une autre punition, s’il vous plaît”. Ri muito.

A última imagem que tenho dela, no entanto, é a de uma tulipa vermelha. Emprestei-lhe o apartamento em Paris para que ficasse alguns dias e, quando cheguei, lá estava a tulipa em cima da mesa, com um cartão de agradecimento.  Era primavera, véspera do meu aniversário de 52, 53 anos? Não lembro, já são anos demais.

O primeiro presente, portanto, foi a edição turca do meu romance de estreia, como disse. O segundo foi uma decisão do ministro Alexandre de Moraes. Ele indeferiu o pedido do meu advogado, André Marsiglia dos Santos, para que a Crusoé, O Antagonista e eu fôssemos excluídos do inquérito do fim do mundo, aberto de ofício por Dias Toffoli, em 2019, para investigar ameaças ao Supremo Tribunal Federal. Foi no âmbito desse inquérito que a Crusoé — e O Antagonista — foram censurados e o ministro determinou que eu prestasse depoimento a um delegado da Polícia Federal. Como talvez você lembre, o motivo dessa delicadeza toda foi termos publicado uma reportagem baseada em documento legal sobre o codinome de Dias Toffoli usado por Marcelo Odebrecht em mensagem endereçada a um executivo da empreiteira que mantinha um departamento dedicado a pagar propinas em Brasília.

Dois anos depois, o advogado André Marsiglia dos Santos fundamentou o seu pedido na decisão do ministro Edson Fachin, referendada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, de retirar do inquérito do fim do mundo veículos jornalísticos e, por tabela, jornalistas. O meu advogado sustentou que “já demonstram nos autos deste inquérito que a reportagem jornalística por eles produzida, no caso, de título ‘O amigo do amigo de meu pai’, e divulgada através da revista eletrônica ‘Crusoé’ e do website ‘O Antagonista’, não se trata de fake news, na medida em que dotada de conteúdo verídico, sem emissão de juízo de valor e muito menos ameaça a algum membro desta Corte Suprema de Justiça”.

Alexandre Moraes indeferiu o pedido da seguinte maneira: “Requerem, tendo em vista a atuação jornalística regular e legítima exercida, sejam devidamente excluídos/retirados do inquérito e deixem de figurar como investigados. É a síntese do pedido. INDEFIRO o pedido, em razão das investigações ainda em curso, não sendo o momento procedimental adequado para análise da referida manifestação”.

Quem sou eu para discutir decisão judicial, não é mesmo? Mas uma questão surgiu e desapareceu para mim: ou o ministro não considera a Crusoé e O Antagonista veículos jornalísticos, e nem a mim jornalista, ou ele está afrontando o ministro Fachin e o plenário do STF. Deve ser uma falsa questão. Estou longe de imaginar ainda que Alexandre de Moraes esteja nos mantendo no inquérito para tentar nos amordaçar, uma vez que, depois da derrapada na censura, vem defendendo a liberdade de expressão. Também longe de mim pensar que o ministro está levando a sério a patacoada do procurador-geral da República, Augusto Aras, que pediu para incluir no inquérito comentários desagradáveis de leitores, como se fôssemos cúmplices, sei lá, de um conspiração contra o Supremo.

Não imagino nem penso mais nada sobre esse assunto. Se você já cansou dele, imagine eu. O presente de aniversário que o ministro Alexandre de Moraes me deu foi esclarecer que sou investigado no inquérito do fim do mundo. Quando ele me mandou para a Polícia Federal, dois anos atrás, o delegado não sabia dizer em qual condição eu estava ali: se na de testemunha, colaborador ou investigado. Agora sei.

Existe o mundo de Laura Susijn, que me dá chance de ser representado pela mesma agente literária de Peter Ackroyd, e existe o Brasil, onde sou colocado ao lado do rebotalho bolsonarista. Fui presenteado por ambos os mundos neste aniversário e deixo o meu obrigado.

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