Imprensa estrageira noticia o fim da Lava Jato: contra-ataque do establishment

Vergonha internacional

Ao deflagrar a guerra contra combate à corrupção, o Brasil emite ao exterior uma preocupante mensagem que tende a trazer prejuízos ao país já no curto prazo
26.03.21

Acostumados a noticiar prisões de corruptos e as ramificações dos escândalos da Odebrecht em diversos países, os principais veículos da imprensa internacional lamentaram as decisões recentes de autoridades brasileiras que criaram obstáculos para as investigações de corrupção no Brasil. A imagem arranhada reverte a boa impressão que o país estava cultivando no exterior com a Lava Jato e pode afugentar os investimentos estrangeiros, atrapalhando ainda mais a recuperação econômica.

A revista britânica The Economist trouxe um dos recados mais duros. Com o título “A triste e quieta morte da força-tarefa brasileira anticorrupção, o texto afirma que a Lava Jato foi algo sem precedentes na região, onde os poderosos sempre se beneficiaram da impunidade. A reportagem destaca que muitas empresas criaram controles internos para impedir que funcionários se envolvam em atos ilegais, mas relata que o procurador-geral da República escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro enfraqueceu a força-tarefa. Também aponta outro sinal do retorno à “velha política”: o apoio de Bolsonaro no Congresso a Arthur Lira, réu na Lava Jato. “Sua morte (da Lava Jato) marca o fim simbólico de um esforço sem precedentes para reduzir a corrupção em toda a América Latina”, diz a Economist.

Financial Times também destacou a importância histórica da Lava Jato. “As condenações resultantes foram consideradas um divisor de águas no Brasil, onde a elite dirigente por muito tempo cometeu excessos e se aproveitou da impunidade”, diz o texto, lembrando, ainda, que o legado da operação passou a correr perigo após as decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. A visão que o jornal faz do Brasil não é nada otimista: “As forças que se opõem aos esforços contra a corrupção estão meramente tentando proteger a si próprias e voltar aos negócios de sempre em um país que sempre esteve entre os mais corruptos”.

Agência BrasilAgência BrasilA sede da Odebrecht em São Paulo: corrupção sem fronteiras
As notícias ampliaram o desânimo com o Brasil, em um período em que o país já estava aparecendo de forma negativa no noticiário com o total descontrole da pandemia de coronavírus. “Há muitas dúvidas entre os americanos sobre quais serão as implicações das decisões do Judiciário para os réus dos processos, para as investigações em curso e para a economia brasileira”, diz o advogado americano Bryan Parr, que trabalha com crimes de colarinho branco na América Latina no escritório Paul Hastings, em Washington. Parr observa que, embora o número de investigações de corrupção no Brasil continue crescendo, não se sabe o que pode acontecer, por exemplo, com a cooperação que havia entre as diversas agências governamentais e com as instituições estrangeiras.

A Lava Jato foi um símbolo da luta contra a corrupção no Brasil e em toda a América Latina, e surgiu em um momento em que a população estava ansiosa por isso. Mas ainda não sabemos se veremos apenas o fim de um símbolo ou se isso terá consequências práticas”, diz Parr.

Outros especialistas acreditam que o impacto poderá acontecer principalmente na esfera política. “Acho que as consequências de a Lava Jato terminar dessa forma são enormes e, infelizmente, não estou muito otimista com elas. O efeito mais importante e desafiador da recente decisão do STF sobre a falta de imparcialidade de Sergio Moro é o que isso faz com a confiança dos cidadãos”, diz Jessie Bullock, pesquisadora da Universidade Harvard e coautora de um livro sobre a Lava Jato. “Muitos brasileiros poderão pensar agora que o juiz Moro agiu por questões políticas. Isso pode comprometer a confiança das pessoas no governo e até mesmo nas instituições anticorrupção.”

DivulgaçãoDivulgaçãoA OCDE criou um grupo para monitorar o combate à corrupção no Brasil
A falta de garantias levou a OCDE, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, a anunciar a criação, em meados de março, de uma unidade permanente para monitorar a situação no Brasil. Foi a primeira vez que a entidade tomou esse tipo de medida. Desde então, especialistas de três países passaram a coletar informações e a consultar autoridades brasileiras. A depender do que eles encontrarem, existe a possibilidade de que a entrada do Brasil na organização, que reúne os países mais ricos do mundo e dissemina boas práticas de gestão, fique comprometida. A participação na OCDE, não custa lembrar, era até recentemente um dos principais objetivos traçados pelo governo de Jair Bolsonaro.

O aumento da insegurança faz com que os estrangeiros fiquem ainda mais receosos em apostar no Brasil. Segundo dados do Banco Central divulgados nesta quinta, 25, a situação já é periclitante. Os investimentos estrangeiros no país caíram de 69 bilhões de dólares em 2019 para 34 bilhões de dólares no ano passado, o que pode ser atribuído principalmente à pandemia. Em 2021, o número deverá ser influenciado ainda pelo enfraquecimento no combate à corrupção. “Este ano, há muito mais dinheiro saindo do que entrando no Brasil. Quando o empresário descobre que precisa pagar uma quantidade extra de dinheiro para exercer alguma atividade, fica mais difícil ele tomar uma decisão. Isso traz um clima ainda mais desfavorável e desalentador para o investimento”, diz o economista Simão Davi Silber, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, a Fipe, e professor da USP. “Para as companhias americanas, esse é um assunto extremamente sério. Elas sabem que podem ter de pagar multas bilionárias e até fechar se forem flagradas com corrupção.

A capacidade que a corrupção tem de espantar o investimento estrangeiro é conhecida há décadas. “O Brasil poderia receber muito mais investimentos se melhorasse a eficiência do seu Judiciário, o que é algo relativamente fácil de se fazer”, diz o economista James Roberts, da Heritage Foundation, em Washington. No ranking anual de liberdade econômica feito pela instituição, o Brasil está em 85º lugar entre 178 países com Judiciário mais eficiente. Não é uma posição honrosa. A lista é definida por critérios como o risco de impunidade e a capacidade de os tribunais locais levarem processos até o fim. “É uma posição abaixo da média mundial. Se o Brasil melhorasse de patamar, os resultados já poderiam ser sentidos no ranking de 2023”, afirma Roberts. O quadro voltou ao patamar desolador de algumas décadas atrás.

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