Adriano Machado/CrusoéA entrada é feia, mas lá dentro, no lounge dos ministros, não falta conforto

A sala vip da Justiça

O Supremo Tribunal Federal gasta 1,2 milhão de reais com um confortável lounge no aeroporto de Brasília para proteger a privacidade dos ministros em seus embarques e desembarques
19.03.21

Nos últimos três anos e oito meses, o Supremo Tribunal Federal gastou pelo menos 1,2 milhão de reais com o aluguel de uma sala de 50 metros quadrados no aeroporto de Brasília cujo propósito é proteger as excelências do assédio e de outros dissabores das salas de embarque comuns. O espaço, localizado na lateral do aeroporto, é o mesmo por onde entram a pilotos e passageiros de jatinhos particulares. A fachada é feia. Parece até entrada de presídio, com paredes sem qualquer decoração, encimadas por arame farpado.

O lado de dentro, porém, faz jus ao nível da mordomia: com três cômodos, a sala tem confortáveis sofás para esperas mais longas, uma tela para exibição de filmes e afins, geladeira com bebidas à vontade e um espaço similar ao de um escritório, para despachos de última hora. Até ser alugada para o Supremo, há três anos, a sala era bem modesta. Coube ao tribunal providenciar as benfeitorias para deixar tudo ao gosto dos ministros. Uma das primeiras providências foi instalar a mobília. Hoje, uma vez por semana funcionários terceirizados vão até lá para cuidar da limpeza e da organização do lounge. Quando os ministros embarcam ou desembarcam, a estrutura é ativada. Assessores os acompanham para garantir que tudo funcione perfeitamente.

A decisão de alugar a sala foi tomada em uma época em que os ministros do Supremo já estavam sob holofotes mais fortes, expostos ao mesmo tribunal popular que costuma submeter políticos a julgamentos sumários – um fenômeno que, no caso dos magistrados, começou no julgamento do mensalão e ganhou ainda mais força com os processos do petrolão. Integrantes da corte passaram a ser hostilizados em lugares públicos, inclusive nos saguões de aeroportos e mesmo dentro de aviões. Com a sala vip em Brasília, ao menos uma parte do risco diminuiu sensivelmente. Para além de não terem que passar pelas áreas mais movimentadas do aeroporto, mesmo quando vão tomar voos comerciais os ministros podem entrar no avião depois que todos os demais já estão embarcados, com mais discrição e sem se expor a passageiros que queiram protestar ou mesmo tentar fazer algum outro tipo de abordagem indesejada.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéFux na entrada que leva à sala vip: STF diz que gasto é necessário para garantir a segurança dos ministros
Nem sempre funciona, mas ajuda. Os casos de protestos passaram a ser frequentes – inclusive a bordo. Ricardo Lewandowski, por exemplo, já foi alvo de críticas de um passageiro quando já estava dentro de um avião de São Paulo para Brasília. Outros ministros passaram por apuros semelhantes. Com a entrada quase secreta no aeroporto, eles passam longe dos olhares do público. O que não significa, porém, que não haja estresses. Mesmo com a mordomia, algumas poucas excelências ainda conseguem se meter em confusão. Algumas, segundo relatos obtidos por Crusoé, se recusam a submeter suas bagagens à fiscalização do raio-x, que mesmo ali é necessária por exigência legal. Para evitar o “desconforto”, recentemente um ministro usou uma cancela lateral, destinada apenas à entrada e saída de pilotos.

O embarque vip não recebe atenção ostensiva da Polícia Federal e é feito apenas por dois funcionários terceirizados do aeroporto, que se revezam em três turnos. Quando um ministro se recusa a se submeter aos procedimentos de segurança, uma notificação é disparada para a administração do terminal. A PF também é avisada, mas pouco pode fazer. Em abril de 2019, o ministro Alexandre de Moraes virou notícia ao recusar passar pelo detector de metais antes de embarcar. Dentro do avião, ele foi repreendido por agentes da Polícia Federal, que explicaram que o ministro, assim como qualquer cidadão, teria de se submeter à revista. Moraes acabou cedendo, mesmo contrariado. A mulher dele, Viviane Barci de Moraes, também havia se recusado a passar pelo detector de metais, meses antes.

Antes de ocupar o espaço atual, o STF alugava outra sala, no terminal de passageiros convencional. O espaço evitava a fila do check-in, mas os ministros tinham que se juntar aos demais passageiros, no momento do embarque, no portão indicado pela companhia aérea. A nova sala trouxe mais comodidade porque, nos embarques e desembarques, eles fazem o trajeto entre a sala vip e o avião em veículos do próprio aeroporto e usam uma escada lateral nos fingers.

A troca de sala ocorreu em 21 de junho de 2017. A previsão inicial era que o aluguel durasse doze meses. De lá para cá, quatro aditivos contratuais foram feitos, o último deles em 16 de julho de 2020, com vigência até julho deste ano. Para além da sala vip, os ministros do STF têm direito a passagens bancadas pelo tribunal e recebem diárias quando viajam a trabalho. Os valores são generosos – para se ter uma ideia, quando viajou ao Vaticano para participar da cerimônia de canonização de Irmã Dulce, em 2019, Dias Toffoli recebeu 35,3 mil reais a título de reembolso de passagens aéreas (naquele mesmo ano, ele receberia, ao todo, 51,6 mil por diárias de viagens internacionais). Ao longo de 2019 e 2020, um total de 2,6 milhões foram despendidos pelo Supremo com a aquisição de passagens aéreas para ministros e funcionários.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéRosa Weber desembarca na segunda-feira: privacidade garantida
A mordomia do lounge vip não se limita ao Supremo. Os outros tribunais superiores também alugam salas especiais no aeroporto de Brasília. Em 2019 e 2020, o Superior Tribunal de Justiça e o Superior Tribunal do Trabalho também assinaram contratos com a administração do aeroporto. A mordomia, porém, não chega ao mesmo nível das supremas excelências – no caso do STJ e do TST, os ministros não têm o privilégio do transporte especial até a porta do avião e, ao embarcar, precisam passar pelos portões, como os demais passageiros.

O contrato do TST, assinado em outubro do ano passado, permite que até mesmo cônjuges e outros familiares dos magistrados também usufruam do espaço vip (para custear os serviços oferecidos a esses convidados extras, a corte tem desembolsado uma taxa adicional de 37,2 mil reais ao contrato de 216 mil anuais). A área alugada pelo STJ é uma sala exclusiva de 44 metros quadrados localizada no segundo pavimento da área restrita do aeroporto. O contrato atual, com validade pelos próximos três anos, permite aos ministros da corte terem acesso, ainda, a um estacionamento privativo ao custo de 15,6 mil reais por ano. O custo total deverá chegar a 1,4 milhão até 2024.

Procurado, o TST limitou-se a dizer que seu contrato “se destina à prestação de serviços de receptivo“. O STJ afirmou que “não se trata de uma ‘sala vip’, guarnecida com artefatos de luxo“. “Pode ser considerada, mais apropriadamente, como uma sala de trânsito, destinada a dar o necessário apoio aos ministros, às demais autoridades do STJ e a convidados quando em procedimento de viagens aéreas de representação institucional, objetivando propiciar um local seguro, que mantenha a integridade física das pessoas mencionadas, afastando qualquer tipo de ameaça, constrangimento, agressão verbal, física etc.“, afirma o tribunal. O Supremo, por sua vez, respondeu que sua sala vip foi alugada para “manter a segurança dos integrantes do STF, uma vez que seria inviável ter segurança armada nos portões de embarque tradicionais”.

Fundador da ONG Contas Abertas, que fiscaliza os gastos públicos nas três esferas do poder, Gil Castelo Branco não vê motivos para a mordomia: “Enquanto os ministros aguardam o embarque em salas vip, bebendo vinho, o cidadão comum, que paga a sala vip da corte, espera no saguão, em pé, aglomerado com os demais passageiros, todos com medo do Covid. Os ministros não sabem como vivem os brasileiros comuns, os súditos. A corte come brioches”.

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